Queda de braço

Queda de braço

Prefeito Duarte Nogueira (PSDB) sofre consecutivas derrotas na Câmara dos Vereadores e relacionamento com o Legislativo começa conturbado

Na retomada das atividades após o recesso, a Câmara dos Vereadores de Ribeirão Preto aprovou, por unanimidade, a revogação de decretos assinados pelo prefeito Duarte Nogueira (PSDB). Até a base governista votou em oposição às medidas da Administração Municipal. Com isso, a relação entre o Executivo e o Legislativo municipais ganhou ares de queda de braço apenas 40 dias após o início dos mandatos. 


De acordo com o prefeito, decreto anulado pela Câmara na segunda sessão geraria economia de R$ 500 mil mensais 

A primeira derrota do governo, no dia 7 de fevereiro, foi na também primeira sessão ordinária dos parlamentares no ano. Todos os 27 vereadores aprovaram o projeto de Decreto Legislativo, proposto por Jorge Parada (PT), que revoga o reajuste de 15,53% nas tarifas de água e esgoto do município. 

Parada justificou o projeto com base em Lei Complementar de 2006, que não permite o reajuste da tarifa a partir de um índice inflacionário superior ao apurado em 12 meses anteriores à mudança dos valores. A taxa de 15,53% supera o índice de 6,28% medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no período. “[O prefeito] quer impor aos contribuintes de Ribeirão Preto um reajuste de 9,24% acima da inflação dos últimos 12 meses, o que é ilegal e imoral, além de penalizar toda a nossa população, que tem sofrido com a grave crise econômica”, afirmou o vereador na Justificativa do projeto. Parada ainda apontou que o decreto propondo a mudança nas tarifas de água e esgoto fere a Lei Complementar Municipal 2.794, que estabelece que os reajustes devem passar, obrigatoriamente, por prévia análise e crivo do Conselho Municipal de Saneamento Básico.


Segundo Parada, reajuste proposto pelo executivo supera o índice inflacionário, o que o torna ilegal

A Prefeitura de Ribeirão Preto informou, por meio de nota, que quem deveria analisar a alteração seria a Agência Reguladora do Saneamento Básico, prevista no Conselho Municipal que ainda não criada. Quanto ao percentual aplicado, a administração municipal afirma que se refere ao período de fevereiro de 2015 — quando foi aplicado o último reajuste — a dezembro de 2016.


A mudança da data do pagamento dos servidores, para o quinto dia útil do mês, foi anulada por projeto de Orlando Pesoti

Na segunda sessão do ano, em 9 de fevereiro, mais duas decisões de Nogueira foram anuladas. O prefeito havia decretado, em 19 de janeiro, o não cumprimento da Lei Complementar 2.765, que determina a transformação de agentes de fiscalização em agentes técnicos de fiscalização — o que resultaria no aumento dos salários de 120 servidores. Com isso, ficaram suspensos os pagamentos dos benefícios que, segundo o Executivo, não poderiam ser concedidos, uma vez que não há legislação que preveja atribuições para o cargo de agente técnico de fiscalização. O parecer da Administração Municipal ainda afirmava que não ocorreu provimento de cargo sem o competente concurso público. “De forma imoral, houve provimento de cargo que burla o concurso público e sequer cuidou o legislador de atribuir funções ao novo cargo que foi criado. Este decreto economizará aos cofres públicos cerca de R$ 500 mil mensais”, disse o prefeito na ocasião.



Foi do vereador Isaac Antunes (PR) a proposta de anular o decreto. Na justificativa do projeto, o parlamentar afirmou que o reajuste no salário dos servidores é solicitação antiga dos fiscais que, de acordo com o que aponta no texto, não são simples escriturários e sim os responsáveis pela fiscalização do município. “Tanto que no concurso público foi exigido conhecimento do código tributário municipal e a legislação esparsa sobre fiscalização e a arrecadação tributária municipal”, indicou o vereador. O projeto foi aprovado por unanimidade.

Na mesma sessão, foi votado – e aprovado, também de forma unânime –  o projeto de Lincoln Fernandes (PDT), que estabelece a anulação do decreto que reajusta a contribuição para Custeio da Iluminação Pública (CIP). O reajuste foi decretado por Nogueira em 12 de janeiro. Inicialmente, a proposta do Executivo superava o índice inflacionário dos 12 meses anteriores e, por meio de uma errata no dia seguinte no Diário Oficial, o governo municipal corrigiu os números. Ficou estabelecido que a contribuição seria reajustada em 6,5%, conforme o acumulado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em 2016. A CIP passaria de R$ 7,93 para R$ 8,45.

“Falta sensibilidade administrativa a esse Governo, que atacou a nossa água e a nossa luz para fazer caixa. A cidade está em uma situação caótica, mas não vamos resolver os problemas aumentando imposto”, disse Fernandes.
De acordo com o vereador, a suposta falta de diálogo do Executivo com a Câmara não está sendo fator crucial para a derrubada dos decretos. “Nós [a Câmara] queremos, antes de tudo, um Governo com bom senso administrativo. Não adianta nada saber dialogar, mas punir a população”, disse.


Salários

A data de pagamento aos servidores públicos municipais também foi tema de desavença entre o Legislativo e o Executivo. Em 14 de fevereiro, a Câmara aprovou o projeto de Decreto de autoria do vereador Orlando Pesoti (PDT), que revoga uma alteração proposta por Nogueira. O prefeito determinou que os salários deixam de ser depositados no último dia útil do mês e passam a ser pagos no quinto dia útil do mês seguinte. Nessa votação, 11 vereadores se abstiveram – aqueles que compõem a base aliada de Nogueira e que foram chamados para uma conversa com o prefeito na segunda-feira, 13, um dia antes da votação. 


Câmara derrubou  o reajuste da iluminação pública, mas Prefeitura afirma que o aumento está valendo

Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Simões (PDT), os vereadores têm autonomia para trabalhar de acordo com a lógica que julgam correta. “Cada vereador é independente, mas acredito que seja fundamental uma liderança do Executivo que debata as questões junto ao Legislativo”, avaliou. 

 

Decretos estão mantidos, diz secretário

Todos os decretos encaminhados pelo prefeito para a Câmara Municipal estão mantidos, segundo o secretário de Governo e da Casa Civil de Ribeirão Preto, Nicanor Lopes. De acordo com ele, os projetos de lei que objetivam anular as medidas são um posicionamento político dos vereadores, mas não alteram legalmente os dispositivos. Lopes também afirma que não faltam conversas com o Legislativo e que todos os vereadores têm canal aberto com o Governo Municipal. “O diálogo é próprio da função e do meu jeito de ser. Fui vereador por três mandatos e desde a transição tenho conversado com todos eles. É normal que haja divergência no início de mandato, principalmente, diante de uma Câmara renovada, mas estamos com as portas abertas para receber os parlamentares”, disse.



Ainda segundo Lopes, as medidas propostas pelo prefeito podem ser consideradas um remédio amargo, mas necessário para a cidade. “A realidade de Ribeirão Preto é muito cruel e precisa de um remédio amargo, que incomoda e cria inquietação. O importante é que temos feito tudo às claras e todo decreto é constitucional e legal”, afirmou.


Base ausente

O que chamou a atenção nas votações foi a unanimidade dos vereadores para a derrubada dos decretos, afinal, nem os parlamentares da chamada base governista votaram em favor de Nogueira. Segundo o cientista político Igor Lorençato, o desgaste da imagem da administração ainda não é grave, mas é preciso entender os motivos de a base não votar em favor do prefeito. “Talvez aí esteja um indicativo de que falta diálogo.



Há uma Câmara nova, em que todos querem mostrar que estão trabalhando. Basta a Prefeitura levar o projeto antes e avaliar como será o recebimento. Se há uma conversa nesse sentido, um debate com a base, evita o desgaste”, analisou.

 


Briga sem validade jurídica

Os decretos encaminhados pelo prefeito e os projetos de anulação aprovados pela Câmara Municipal não têm validade jurídica. É o que diz o advogado José Carlos de Oliveira, coordenador da Comissão de Licitação e Administração Pública da OAB de Ribeirão Preto.

De acordo com Oliveira, uma lei só pode ser alterada por outra lei, e não por decretos, como fez o Governo Municipal. “Para alterar a CIP, por exemplo, seria necessário encaminhar propostas de alteração da legislação, e não um decreto que estabelece o reajuste, como foi feito”, explicou.

Além disso, o advogado destaca que nenhum decreto do Legislativo pode anular uma medida do Executivo e, portanto, as propostas aplicadas pela Câmara tampouco têm validade jurídica. “É impossível que isso ocorra. Não há competência para que aconteça e não têm efeito jurídico nenhum”, disse. 

Em nota, a Prefeitura de Ribeirão Preto, por meio da Secretaria de Negócios Jurídicos, ratificou as atitudes do Executivo e reafirmou a ineficiência dos atos da Câmara. “Os decretos legislativos são atos nulos por vício de competência e de conteúdo, elementos essenciais à validade de qualquer ato jurídico”. A administração municipal ainda afirmou que, por entender que os projetos do legislativo são ineficazes, não há a necessidade de qualquer medida judicial, continuando em pleno vigor os atos do chefe do Poder Executivo.

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