Resquícios da Sevandija

Resquícios da Sevandija

Justiça sustenta que acordo relativo ao Plano Collor foi firmado de forma fraudulenta e suspende pagamento aos servidores de Ribeirão Preto por três meses

A Justiça suspendeu por 90 dias – com possibilidade de prorrogação – o acordo que prevê o pagamento dos 28,35% relativos ao Plano Collor aos servidores municipais. Segundo a decisão do juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Ribeirão Preto, Reginaldo Siqueira, entre os motivos apontados para a suspensão está o fato de o acordo ter sido firmado em ata fraudulenta.

A ação que resultou na liminar que suspendeu os pagamentos foi movida pela administração municipal em razão de notícias de irregularidades e fraudes investigadas pelo Ministério Público Estadual, Polícia Federal e Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE) na Operação Sevandija, deflagrada em setembro de 2016, que resultou na prisão de secretários municipais, vereadores, advogados e da prefeita à época, Dárcy Vera.

Na decisão, o juiz Reginaldo Siqueira aponta como ponto relevante a existência de “vício de consentimento no aditamento do acordo”, indicando que ele havia sido firmado a partir de fraudes em atas de reuniões do Sindicato, para direcionar a advogados, à ex-prefeita e ao primeiro escalão, como forma de corrupção, parte da verba devida aos servidores. Esses fatos estão sendo apurados em ação civil pública que tramita na 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto.
De acordo com a Prefeitura de Ribeirão Preto, dos 8.293 servidores públicos municipais, 4,725 são beneficiários do acordo. Desse montante, 701 são servidores ativos, 2.183 são herdeiros, 1.510 são aposentados e 63 são ex-funcionários. Além desse total, mais 268 são servidores ou herdeiros com depósito em juízo. Segundo a administração municipal, entre os servidores ativos da cidade, 7,85% são beneficiários do acordo.

Protesto

Nogueira: suspensão é temporáriaO Sindicato dos Servidores Municipais de Ribeirão Preto e Guatapará se posicionou contra à decisão judicial e realizou manifestação em frente ao Palácio Rio Branco, sede da prefeitura, para reivindicar o pagamento, na terça-feira, dia 21. Para o presidente da entidade, Laerte Carlos Augusto, a iniciativa do governo municipal em buscar a Justiça para suspender o pagamento representa uma tentativa de inibir os direitos dos trabalhadores. “Lamentamos que o governo tenha buscado a Justiça para cancelar o pagamento desse acordo firmado em 2008. Em vez de tentar buscar outras soluções para aumentar a receita, a Prefeitura tira o direito dos trabalhadores”, criticou Augusto.

Ainda de acordo com o dirigente, os servidores que contam com o recurso no orçamento familiar. “Concordamos com qualquer tipo de apuração de irregularidades, mas não se pode parar de pagar, as pessoas têm compromissos, é preciso respeitar os trabalhadores. Essa é mais uma medida desse governo sem conversar com o Sindicato”, afirmou Laerte.

O prefeito Duarte Nogueira (PSDB) utilizou as redes sociais para replicar a nota de esclarecimento da Prefeitura de Ribeirão Preto sobre a medida tomada pelo governo municipal. Na publicação, o prefeito destaca que em nenhum momento a atual gestão questionou os cálculos, mas sim a existência de irregularidades no fechamento do acordo. A nota ainda afirma que a administração municipal concluiu que seguir com os pagamentos , sem qualquer esclarecimento, poderia resultar em futuros questionamentos judiciais, com possíveis prejuízos aos cofres públicos. “Esta é uma decisão liminar que não encerra a discussão e nem determina o fim dos pagamentos, mas a suspensão temporária”. 

O acordo e a suspeita

O acordo para pagamento aos servidores foi firmado em 2008, pelo então prefeito Welson Gasparini (PSDB), após ação coletiva dos servidores para reposição salarial de 28,35% relativa ao Plano Collor. Apesar de a quitação ter começado em 2008, foi a partir de 2013 que tiveram início os pagamentos de honorários advocatícios investigados na Operação Sevandija.

A polêmica com relação ao acordo foi suscitada no final do ano passado. Nas diligências e por meio de depoimentos, o Grupo de Atuação e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e a Polícia Federal encontraram evidências de que as atas de reuniões do Sindicato que formalizavam o pagamento haviam sido fraudadas para garantir os honorários a Maria Zuely Librandi, advogada que foi detida durante a operação e segue presa. O escritório Librandi & Librandi Advogados Associados, ao qual Zuely era ligada, recebeu, em honorários, R$ 38,471 milhões de janeiro de 2013 a agosto de 2016, um mês antes do início da operação.

O acordo inicial previa o pagamento de aproximadamente R$ 400 milhões aos servidores. Só em 2016 foram pagos R$ 85.186.069,39, de acordo com o Portal da Transparência. Somente no mês de janeiro, foram pagos R$ 9.319.612,04 aos servidores municipais, como parte do acordo. A estimativa é que a Prefeitura deixe de gastar, durante os três meses iniciais de suspensão, cerca de R$ 28 milhões. 

Os ritos processuais

Para o coordenador do Grupo de Estudos em Gestão e Políticas Públicas Contemporâneas, da USP de Ribeirão Preto, João Luiz Passador, a atitude tomada pela prefeitura de Ribeirão Preto foi correta. Isso porque, segundo ele, é fundamental que sejam seguidos os ritos processuais para sanar os problemas do ponto de vista da Lei.

Ainda de acordo com Passador, os mais prejudicados são os servidores, vítimas de um conluio entre prefeitura e diretoria do Sindicato, por isso este é um momento em que o prefeito precisa apresentar as habilidades como gestor público. “Sempre há um risco de desestabilização, mas é um momento de oportunidade para o prefeito, que está imbuído de legitimidade em seu início de mandato. A Prefeitura não pode parar de prestar os serviços públicos. O objetivo final é ter funcionários motivados e engajados que atendam à população, por isso é preciso encontrar um meio termo entre os procedimentos fraudulentos e a demanda por serviços públicos”, observou o professor. 

 

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