Matilde Leone

Matilde Leone

As Pautas que eu Vivi

Quando entrei pela primeira vez na redação da Revide, na Rua Quintino Bocaiúva, deparei-me com uma quase menina, sonhadora e determinada, algumas máquinas de escrever e acolhimento. Eu estivera longe de Ribeirão Preto por muitos anos e me sentia um pouco deslocada, mas logo encontrei o caminho diante da pauta que me foi pedida: a morosidade da Justiça tendo em mãos o caso do radialista Jovino Campos, assassinado por um matador que veio de longe para cumprir a triste missão.  Não pensei que encontraria tantos obstáculos, mas serviu para eu me lembrar que uma cidade do interior pode ser o reflexo de todo o país.

Difícil ressaltar o que mais me marcou nessa trajetória como repórter e, depois, editora da revista Revide. Jornalista é mesmo um bicho estranho: vai se envolvendo com as pautas e acredita que as matérias terão impacto sobre a sociedade. Nem sempre é assim, mas fazemos e, se poucos leem, a história fica lá, em algum arquivo e partimos para outra. Com certeza, muitos estudantes encontraram nos arquivos da Revide inspiração e fonte de pesquisa para seus trabalhos.

Assim como todos os outros e outras colegas de redação (alguns se tornaram amigos de verdade), eu me sentia cumprindo o dever de jornalista — o de poder escancarar as mazelas e os problemas, mas, também, divulgar o desenvolvimento econômico, científico e cultural da cidade.

Uma reportagem sobre o Hospital Psiquiátrico Santa Tereza nos revelou o atraso institucionalizado, assim como em outras áreas em que as questões sociais eram e continuam sendo combatidas por poucos idealistas: gravidez na adolescência, degradação do meio ambiente, dificuldade na adoção de crianças fora do padrão sonhado pelos pretensos pais, o trabalho infantil, meninos e meninas no corte da cana, que os impedia de estudar, exauridos pelo peso e velocidade do podão, do amanhecer até a tarde. Com suor escorrendo sob as grossas camadas de roupas, ajudavam a sustentar o privilégio dos bem mais, mas muito mais, favorecidos. Realidades e histórias tocantes. Queriam ser médicos, dentistas, engenheiros. Não sei o que se tornaram. Sonhos minados na fonte pela necessidade de ajudar no sustento da casa, à revelia dos senhores de engenho em nome do lucro e do poder. O Brasil é assim mesmo...

A Revide revelou o surgimento do crack em Ribeirão Preto (hoje uma epidemia) e da Aids, na época em que os contaminados ficavam à mercê do preconceito e da morte, enquanto a ciência buscava o tratamento que hoje permite viver muitos anos com a doença.  Assim eram as pautas, e nós brigávamos para vencer o crivo e a tesoura do editor, como se aqueles textos compostos pelas teclas barulhentas das olivetes fossem nossos filhos únicos, mas logo estávamos gestando outros com o mesmo desejo.

Considero a revista daqueles anos um marco dentro do jornalismo de Ribeirão Preto. Foi um tempo construtivo e estimulante para mim no plano profissional e pessoal, ao lado de outros colegas que, da mesma maneira, buscavam o âmago das questões que permeiam nossa sociedade. Hoje, quando a Revide completa 1.000 edições, vejo que a menina sonhadora agarrou seu projeto com a determinação de quem sabe o que deseja na vida.

Saudade. Foi muito bom! 

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