"Fizemos uma opção pela vida"

"Fizemos uma opção pela vida"

Secretário municipal de Saúde, Sandro Scarpelini, comenta momento conturbado pelo qual atravessa a pasta e esclarece o que tem sido feito para enfrentar a pandemia do novo coronavírus em Ribeirão

Texto: Paulo Apolinário


Sandro Scarpelini assumiu a Secretaria Municipal de Saúde já na posse do prefeito Duarte Nogueira (PSDB), em janeiro de 2017. Titular da pasta desde o primeiro dia de mandato de Nogueira, o secretário, que também foi diretor executivo da Fundação de Apoio, Ensino, Pesquisa e Assistência (Faepa) do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto por oito anos, acostumou-se a enfrentar crises. A constante batalha contra a dengue — em 2020 já são mais de 16 mil casos na cidade — e outras doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti, como o vírus da Zika, além do enfrentamento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal que apura supostas irregularidades em licitação para contratação de serviços de ambulâncias compõem o cenário de instabilidade. 

Em 2020, contudo, o grande desafio enfrentado por Scarpelini é a pandemia do novo coronavírus. Com mais de 13 mil casos confirmados até quarta-feira, 29 de julho, Ribeirão Preto permanece na fase vermelha do Plano São Paulo de retomada da economia. Pela quantidade crescente de ocorrências da Covid-19, altos índices de ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e baixo isolamento social, a região está autorizada, apenas, ao funcionamento de serviços essenciais desde 10 de junho. 

Para tentar explicar o momento pelo qual atravessa o município e a Secretaria de Saúde, Scarpelini recorre ao cinema. No filme "Mar em Fúria", baseado em fatos, os personagens são atingidos, em alto mar, por um fenômeno conhecido como a "tempestade perfeita". O evento é caracterizado pela junção de fatores meteorológicos desfavoráveis e que raramente ocorrem simultaneamente. A “tempestade perfeita” do secretário tem origem na pandemia aliada à profunda crise política e institucional que o país atravessa e aos ânimos exaltados na política municipal.

Além de ataques externos que vem recebendo, o secretário se viu em rota de colisão com o próprio prefeito, ao afirmar que o Hospital Santa Lydia não atende exclusivamente pacientes com a Covid-19, como havia sido anunciado por Nogueira dias antes. A situação, inclusive, tornou-se motivo para a abertura de um inquérito civil pelo Ministério Público, uma vez que o hospital também atende crianças em tratamento contra o câncer. O caso foi razão de debate na Câmara Municipal, mas, segundo Scarpelini, a discussão tem forte apelo eleitoral. “Pegam os pais que estão desesperados porque têm filhos tratados lá e se transformam em ‘padrinhos’ deles, fazem um escândalo para transformar em um evento político. E o que nós vamos fazer, então? Fechar os hospitais por que tem criança dentro?”, questiona o secretário. 

Na entrevista a seguir, Sandro Scarpelini detalha o cenário atual de Ribeirão Preto e expõe o que tem sido feito pela administração municipal para controlar o novo coronavírus.

Revide: Nas últimas manifestações contra o decreto de distanciamento social, vimos que algumas pessoas têm agido de forma mais agressiva, ofendendo e até agredindo servidores públicos. Como o senhor tem lidado com esses ataques?

Sandro: Têm coisas que aparecem aí [apontando para o celular] que beiram a era do obscurantismo. Só que eu não fico batendo boca. A melhor maneira de responder isso é com trabalho. Não vou falar que todas as decisões foram certeiras, mas uma decisão razoável é melhor do que decisão nenhuma. Por mais que haja pressões vindas da mídia oficial e ameaças das redes sociais, as decisões têm sido tomadas com base técnica. Mesmo que agora apareçam vários ‘experts’ no assunto, a única coisa que se sabe é que, para manter o sistema de saúde atendendo, é necessário diminuir a razão de multiplicação do vírus, para que as pessoas sejam contaminadas em uma proporção em que os casos graves não fiquem fora da UTI. E é isso que Ribeirão Preto está conseguindo fazer. Não queria que morresse ninguém, mas você vai ver que 95% das pessoas que morreram, morreram dentro da UTI.

Revide: Muitos comerciantes têm alegado que Ribeirão Preto fechou "cedo demais", quando não havia necessidade, e que isso foi crucial para agravar a crise. O que o senhor pensa a respeito?

Sandro:  Eu acho que foi na hora certa. Quando em São Paulo o número de casos começou a explodir e a doença ainda não chegava aqui, nós soltamos um decreto que eu defendi dentro do Comitê Técnico. Eu disse: ‘ainda não chegou, mas vai chegar. Enquanto isso, vamos afrouxar um pouco, principalmente para o pequeno comércio, cabeleireiros e etc’. Nós soltamos o decreto que foi cassado pela Justiça logo em seguida. Agora não é hora de olhar retrospectivamente, porque as pessoas estão morrendo. Não existe ‘se’ para a Medicina. Eu falei isso para o Dorival Balbino [presidente da Acirp], que eu posso usar exatamente o mesmo argumento para falar o contrário. E se não tivéssemos fechado? Podemos ficar nessa discussão acadêmica aqui por vários anos. Até hoje saem estudos sobre os impactos da Gripe Espanhola. A opção que nós fizemos foi a opção pela vida. A economia é uma segunda onda pesada, não tenho a menor dúvida disso, mas, se fizermos a opção pela economia nesse momento, temos certeza de que iremos sacrificar mais vidas.

Revide: A região de Ribeirão Preto é a que mais tempo permaneceu na fase vermelha do Plano São Paulo. O que foi feito nas outras regiões que faltou em Ribeirão?

Sandro: Nós conseguimos montar muitos leitos, mas, naquelas ‘escapadas’ que a população deu, nós passamos dos 80% de ocupação. Pelo critério do governo estadual, que eu concordo, a taxa de ocupação de leitos de CTI é o ponto primordial. Na região como um todo, praticamente 70% dos leitos de UTI estão em Ribeirão Preto. Campinas, que é uma cidade grande, está usando os leitos de São Paulo. Enquanto aqui é o contrário, outras cidades estão usando os nossos leitos. As pessoas acham que um leito de UTI é só uma cama. Não é brincadeira: tem bombas de infusão, respiradores. E não adianta ter um leito se não tiver profissional. Hoje, na rede municipal de Saúde, temos 3,2 mil funcionários e 1,2 mil afastados. Estamos atendendo no limite, até eu estou dando plantão de Covid-19.

Revide: Durante a CPI das Ambulâncias, a secretária municipal de Administração, Marine de Oliveira, declarou que não é comum o envio da estimativa de preços às empresas, como ocorreu com a empresa que venceu a licitação. Ela disse que isso poderia ser um indício de direcionamento. Gostaria que o senhor comentasse essa discussão a respeito do orçamento, da estimativa de preços e a fala da secretária.

Sandro: Abrimos essa licitação, porque estávamos com uma epidemia de dengue e porque as notícias do mundo e do Ministério da Saúde não eram boas. Dos 210 funcionários do Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência], chegamos a ter 80 afastados simultaneamente. Com isso, encaminhei a estimativa de preço que fizemos e uma requisição, justificando a compra, para a Secretaria de Administração. Lá, eles checaram se os documentos estavam corretos e abriram a licitação. No dia 27 de março, o dia fatídico, depois de encaminhadas as estimativas, eles mandaram um e-mail para as empresas afirmando que, entre as 12h e as 17h, estavam aceitando o envio das propostas comerciais, que corresponde a marcar um dia para receber as propostas em um envelope fechado. Porém, se você chegasse na secretaria às 11h daquele dia e pedisse vistas do processo, eles seriam obrigados a mostrar. E você iria ver todas as estimativas que as empresas mandaram. É isso que recomendam os Tribunais de Contas. Após esse período, viram que a vencedora foi uma empresa de São Paulo, que ofereceu R$ 500 mil. Só que faltaram documentos importantes e foi dada uma chance para a empresa mandar os documentos, mas eles não enviaram. Fomos, então, para a segunda empresa, que tinha entregado todos os documentos. Por isso, o que a Marine falou foi uma infelicidade da parte dela, uma maldade ou algum recado para alguém. Fiquei oito anos na Faepa, administrei quase R$ 3 bilhões da saúde e não tenho uma anotação no Tribunal de Contas no meu nome, não ia ser por conta de um negócio desses que eu faria qualquer bobagem.

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