No limite

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Vivendo os piores dias desde o início da pandemia, Ribeirão Preto entra em lockdown por determinação da Prefeitura; medida drástica objetiva reduzir número de mortes e evitar o colapso do sistema

Texto: Marina Aranha e Paulo Apolinário | Fotos: Luan Porto


Ocupação de leitos em torno de 100%, recorde no número de mortes notificadas por Covid-19. As informações davam conta de que a terça-feira, 16 de março, seria o dia mais crítico desde o início da pandemia em Ribeirão Preto. A expectativa se consolidou com o decreto de lockdown por cinco dias, informado pelo prefeito Duarte Nogueira (PSDB), em entrevista coletiva. 

Naquele dia, a cidade somava 233 pacientes internados, número 21% maior do que o máximo registrado em 2020, de 192 pessoas. "Estamos em uma situação muito perigosa, de pré-colapso do sistema de saúde. Isso significa que os médicos vão ter de começar a fazer opções na linha de frente, quem vai ter acesso aos poucos recursos. Teremos de tomar medidas drásticas para que todos possam ter acesso aos cuidados, mas, se a pandemia continuar crescendo como aumentou nos últimos cinco dias, não conseguiremos ampliar leitos para dar assistência a todas pessoas", alertou o secretário de Saúde Sandro Scarpelini.

Segundo Nogueira, Ribeirão Preto tem a maior ativação de leitos desde o início da pandemia — são 245 nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) — e, mesmo assim, a ocupação se mantém acima dos 90% desde o início do mês. Sandro ressaltou que o município apresentava uma elevação progressiva no número de óbitos nos dez dias anteriores. Ademais, o número de casos graves passou de 5% do total de casos ativos para 10%.
Ainda na terça-feira, o boletim epidemiológico, divulgado diariamente pela Secretaria Municipal da Saúde, notificou a morte de mais 20 pessoas em decorrência da Covid-19, o maior número em um único boletim desde o início da pandemia. Até o fechamento desta edição, o município contabilizava, ao todo, 57.489 casos confirmados da doença e 1.356 mortes desde o início da pandemia.

Lockdown
Com a gravidade da situação, a Prefeitura decretou o lockdown de quarta-feira, dia 17 de março, a domingo, dia 21, podendo ser prorrogado ou revisto. Com isso, foram autorizados a funcionar hospitais, serviços de saúde, farmácias e postos de combustíveis. Já os serviços de alimentação, como supermercados, padarias e varejões só podem atuar por meio de delivery.

O transporte coletivo foi suspenso. É permitido apenas o transporte por aplicativo ou táxi, somente se a viagem for para algum tipo de emergência ou para se deslocar até o trabalho que seja considerado essencial. O atendimento presencial em lotéricas e bancos também foi proibido. Todos demais serviços que não foram citados no decreto, como academias, salões de beleza, entre outros, também devem manter as portas fechadas. Não é permitida a circulação de pessoas que não estejam atendendo aos serviços essenciais. Caminhadas, exercícios ao ar livre ou passeios em praças também não são permitidos até o domingo. 

O prefeito afirmou, durante a entrevista, que conversou com prefeitos de cidades vizinhas a Ribeirão Preto e que fazem parte da Diretoria Regional de Saúde (DRS) e da região metropolitana, aconselhando que também adotem o lockdown para desafogar o sistema de saúde. Até o fechamento desta reportagem, os municípios de Brodowski, Sertãozinho, Monte Alto, Orlândia e Morro Agudo haviam confirmado o lockdown. Entre as cidades vizinhas, Jardinópolis, Cravinhos, Guatapará e Dumont ainda não haviam divulgado decreto ou comunicado sobre medidas mais restritivas. Já em Serrana, o prefeito Léo Capitelli (MBD) afirmou que o lockdown não será adotado no município.

Prazo pequeno

Para o pesquisador da USP Domingos Alves, as medidas impostas pela Prefeitura vêm em boa hora, porém, ele acredita que o prazo de cinco dias ainda é pequeno para gerar impactos relevantes. "Assim como não existe gravidez de seis meses, não existe lockdown de cinco dias. Esse não é o processo. O processo é tomado como medida de, no mínimo, 15 dias, podendo ser expandido até 21", argumentou.
O pesquisador critica que as ações políticas tomadas no combate à pandemia tenham se baseado apenas na taxa de ocupação de leitos, e não na taxa de infecção. "Acho que as medidas são importantes, dada a situação que vivemos em Ribeirão Preto. Agora, se isso vai funcionar até domingo, tenho as minhas dúvidas. Pode acontecer e até regredir [a ocupação], o que não significa que controlamos o contágio. Essa política adotada de falar para a população de que conter a progressão do vírus é fazer a gestão de leitos, é o começo, meio e o fim de todo erro que sempre aconteceu no controle da pandemia no Brasil. E é por isso que estamos vivendo essa situação hoje", concluiu.

Corrida aos supermercados

Com a divulgação do lockdown, consumidores de Ribeirão Preto formaram filas em supermercados na tarde de terça-feira. Na Avenida Maurílio Biagi, houve congestionamento por conta do grande fluxo de carros que entravam em um supermercado. O estacionamento estava lotado por volta das 14h. 

Outro supermercado da mesma rede, no Shopping Iguatemi, também registrou filas, segundo imagens compartilhadas pelas redes sociais. Por meio de nota, o Shopping Iguatemi Ribeirão Preto informou que a organização de acesso aos serviços essenciais do empreendimento foi feita de acordo com as determinações do decreto municipal. 

Redes de "atacarejo" também registraram forte movimentação de clientes em Ribeirão Preto. Em uma loja, na Avenida Castelo Branco, consumidores compartilharam fotos e vídeos de filas para pagamento.

Segundo o secretário municipal de Governo, Antônio Daas Abboud, excepcionalmente na terça, os mercados de Ribeirão Preto puderam ficar abertos até as 22h, em razão da grande demanda de clientes, já prevista pela Prefeitura.
Por meio de nota, a Associação Paulista de Supermercados (Apas) manifestou  preocupação com as medidas restritivas de lockdowns em serviços essenciais adotadas por alguns municípios do Estado de São Paulo, como em Ribeirão Preto. "Em meio à maior crise sanitária da nossa época, é totalmente desarrazoado que prefeitos dificultem o abastecimento da população ou decidam quais itens são essenciais para as pessoas. Fechar os supermercados torna ainda mais complicado o delicado momento que a nossa sociedade atravessa e faz iminente o agravamento do delicado quadro de vulnerabilidade social que existe em nosso país, o que pode transformar o Brasil no palco de uma devastadora tragédia humanitária", informou a nota.

Entidades se posicionam

Entidades que representam o comércio e a indústria se posicionaram sobre o lockdown em Ribeirão Preto. A Associação Comercial e Industrial (Acirp) e o Sindicato do Comércio Varejista de Ribeirão Preto (Sincovarp) recomendaram o cumprimento das medidas determinadas pela Prefeitura.

A Acirp defendeu o funcionamento dos estabelecimentos, mas destacou que as regras devem ser seguidas. “A entidade defende o funcionamento do comércio, indústria e serviços, mas acima de tudo é a favor da vida e entende que, neste momento, não é possível pedir recuo das medidas, pois não podemos ser cúmplices das mortes que ocorrerão em caso de um colapso no sistema de saúde”, pontuou, em nota, e completou afirmando que está cobrando novas políticas de desoneração de tributos, prorrogação das tarifas, retomada das medidas de redução de jornadas e salários, além da liberação de crédito de longo prazo e auxílio emergencial. 

Já o Sincovarp afirmou que a iniciativa das medidas restritivas prejudica o comércio e a indústria, mas que são necessárias para o momento. “Entendemos tratar-se de uma medida legítima em defesa da vida para combater o avanço da Covid-19, mas não podemos deixar de lamentar profundamente que tenha sido necessária medida tão extrema”, concluiu. 

 

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