A nova face da Covid-19

A nova face da Covid-19

Número de mortes e novas infecções pelo novo coronavírus cresce entre os mais jovens; avanço do índice de mortalidade entre jovens já é maior do que entre idosos em Ribeirão Preto

Texto: Paulo Apolinário

 

Passado um ano após a confirmação da primeira morte por Covid-19 no Brasil, a doença tem se tornando cada vez mais conhecida pelos médicos e cientistas, mas não menos letal. É sabido que ela é agressiva em idosos e pessoas com comorbidades, porém, ela também pode evoluir seriamente em jovens. Dados recentes da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto indicam que a doença tem se tornado cada vez mais fatal entre pessoas novas. Especialistas ainda buscam entender se o fenômeno é resultado da vacinação dos idosos, da exposição dos jovens ao vírus, uma combinação de ambos ou outro fator ainda desconhecido. Além disso, a ampla disseminação das variantes da doença preocupa especialistas, principalmente, acerca do risco de surgirem novas mutações resistentes à vacina.

Enquanto a vacinação segue em ritmo aquém do esperado, o coronavírus continua causando mortes evitáveis.  Em junho de 2020, antes mesmo da curva de mortes avançar sobre os mais jovens, a Covid-19 tirou a vida do professor de educação física, Vitor Henrique, de 24 anos. Ao longo dos cinco primeiros dias de sintomas, o professor sentiu febre e dores de cabeça. Quando os sintomas evoluíram para uma falta de ar, ele seguiu o protocolo médico e foi até o hospital. Apesar do estado de saúde, a equipe de plantão garantiu que Vitor iria se recuperar. Contudo, no dia seguinte, ele piorou e retornou à unidade de atendimento, sendo internado. Após permanecer sete dias entubado, ele não resistiu e faleceu. “Era a melhor pessoa que alguém poderia conhecer. Amigo, companheiro, um ótimo profissional e um pai perfeito. Deixa muitas saudades", declarou Juliana Araújo, com quem Vitor foi casado e teve um casal de filhos.

Até o fechamento desta edição, 1.959 pessoas perderam a vida em Ribeirão Preto em decorrência da Covid-19. Sendo que 188 tinham menos de 49 anos. O rejuvenescimento da pandemia fica mais evidente quando analisamos somente os números desses cinco primeiros meses de 2021. Das 188 mortes registradas desde o início da pandemia, 119 foram apenas em 2021, ou seja, 63%. Enquanto isso, a campanha de vacinação começa a aplicar as primeiras doses nas de pessoas com 60 anos de idade e em grupos prioritários e pontuais abaixo dessa faixa etária; como os professores com mais de 47 anos, transplantados imunossuprimidos e portadores de síndrome de Down.

Em números absolutos, segundo o boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde, entre a confirmação oficial do primeiro caso de Covid-19 em Ribeirão Preto, em março de 2020, e dezembro daquele mesmo ano, foram registrados 41.950 casos da doença; uma média de 4.195 casos por mês. Já em 2021, no período entre janeiro e abril, foram 30.233 casos; média de 7.558 casos mensais, um aumento de 80% no número de novos infectados. Já as mortes, foram 1.043 em 2020, com cerca de 104 óbitos por mês. Neste ano, já foram registradas 924 mortes entre janeiro e abril; o que equivale a 231 vítimas por mês, um crescimento de 122%. As mortes mais do que dobraram.

ESTABILIDADE PREOCUPANTE

Valdes Roberto Bollela, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), constatou que houve um aumento do número de jovens internados por Covid-19. "Entre março e maio, temos percebido nitidamente pessoas mais jovens sendo internadas e necessitando de terapia intensiva. Esse grupo de pessoas foi amplamente infectado, em grande em parte por descuido dessas populações na medida que as restrições foram relaxadas", disse o médico. Bollela também destacou o momento entre o final de 2020 e início de 2021, quando parte da população se aglomerou em festas e confraternizações como um momento de grande disseminação do vírus.

Bollela ressalta que a alta circulação de pessoas que “relaxaram” as medidas de isolamento atrelada à circulação de variantes da doença como a P1 de Manaus contribuíram para o aumento do número de casos, principalmente entre os mais jovens. “O aumento da mortalidade pode ter várias causas, além da exposição ao vírus eu destacaria a maior virulência da cepa variante [P1] que é a que está em 90% dos casos diagnosticados no Brasil, segundo estudos recentes”, acrescentou. Além disso, a alta circulação do vírus oferece o cenário ideal para o aparecimento de novas variantes, inclusive mutações resistentes à vacina.  "Enquanto o Brasil estiver em um platô alto de casos, e ele durar muito, estudos indicam que esse índice elevado fornece as condições necessárias para o aparecimento de mutações, como observamos na Índica, Inglaterra e África do Sul. Enquanto o vírus continuar infectando muitas pessoas estamos sob o risco dessas variantes", esclareceu Bollela.

Para o físico e professor do Departamento de Medicina Social da FMRP da USP, Domingos Alves, ainda é cedo para fazer uma afirmação definitiva sobre essa variação na faixa etária dos óbitos. Porém, ele não descarta nenhuma das hipóteses levantadas até o momento. Para ele, a ampla circulação do vírus, com o aumento do número de casos nos últimos meses, tem contribuído para uma maior proporção de jovens internados. "A despeito de ainda não ser possível confirmar, é provável que isso se deve ao fato de que a circulação do vírus tem se dado em patamares muito altos", comentou Alves.

O físico alerta que, no momento, Ribeirão Preto tem números semelhantes –e em alguns indicadores até piores– do que apresentava antes do lockdown. No dia 10 de março deste ano, uma semana antes do lockdown de cinco dias ser decretado em Ribeirão Preto, o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) declarou que, apesar do momento crítico, o município apresentaria uma melhora mais ágil em relação à ocorrida em 2020, isso porque, conforme a campanha de vacinação avançar, haverá menos pressão nos leitos de UTI. "Sem dúvida alguma vamos atravessar [esse momento] e vamos chegar em uma situação daqui a 45 dias muito mais tranquila, mas antes dela chegar, vamos ter uma piora. E essa piora deverá ser a menor possível na medida em que todos colaborarem", comentou o prefeito. Os 45 dias findaram no dia 26 de abril. No momento, a ocupação de leitos de terapia intensiva em Ribeirão Preto está em 91%, o mesmo índice registrado no dia 10 de março.  Porém, naquela ocasião, o município ofertava 120 leitos; com 110 ocupados. Agora, em maio, são 153 leitos oferecidos com 143 ocupados.

 

Principais comorbidades entre as vítimas*

A presença de outras doenças agrava a infecção pelo coronavírus e pode ampliar os efeitos da doença em jovens e idosos.  

Doença cardiovascular crônica: presente em 896 vítimas

Diabetes mellitus: presente em 721 vítimas

Hipertensão arterial: presente em 499 vítimas

Doença neurológica:  presente em 319 vítimas

Obesidade: presente em 295 vítimas

Doença renal crônica: presente em 191 vítimas

Doença pulmonar crônica: presente em 161 vítimas

*Algumas vítimas podem apresentar mais de uma comorbidade, podendo ser contabilizado mais de uma vez

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