Olho do furacão

Olho do furacão

Aumento acelerado no número de casos e óbitos por Covid-19 forçou a Prefeitura a decretar espécie de lockdown em Ribeirão Preto; para pesquisador, região tende a ser novo epicentro da doença no Estado

Texto: Paulo Apolinário


Na segunda-feira, 17 de maio, a Secretaria Municipal de Saúde emitiu um alerta para o crescimento acentuado no número de casos e internações por Covid-19 em Ribeirão Preto durante o final de semana anterior. A partir daí, o burburinho de que medidas mais restritivas seriam decretadas tomou conta da cidade. Contudo, apenas dois dias após o alerta, na quarta-feira, 19, o governo estadual anunciou a prorrogação da Fase de Transição para até o dia 31 de maio. A medida foi acatada pela Prefeitura poucas horas depois. Assim, como já era alertado por médicos e especialistas, o número de casos e mortes avançou, a ocupação dos leitos dos hospitais chegou perto dos 100% e o governo municipal foi pressionado a tomar uma decisão para evitar o iminente colapso do sistema de saúde. 

Foi nesse cenário que, no dia 24 de maio, a Prefeitura de Ribeirão Preto decretou "Fase Emergencial Restritiva”, para tentar conter o avanço da pandemia de Covid-19 no município. As novas regras passaram a valer a partir de quinta-feira, 27, e devem seguir até a segunda-feira, 31. O transporte coletivo e os supermercados não irão funcionar durante o período. "Estamos tomando medidas antecipadas para que ninguém fique sem atendimento. Não tão radicais e tão intensas quanto foram aquelas do dia 17 ao dia 21 de março, mas são medidas necessárias. Em outras cidades da nossa região, elas já estão em vigor”, declarou o prefeito Duarte Nogueira (PSDB). "Depois de acompanhar o que ocorreu com essas restrições, vamos anunciar a flexibilização ou não", completou. 

Apesar das orientações do governo estadual, de acordo com uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), os municípios ficam autorizados a tomar medidas diferentes das do Estado, desde que, sejam mais restritivas e nunca mais brandas. 

Segundo o secretário municipal de Saúde, Sandro Scarpelini, Ribeirão Preto se encontra em uma situação semelhante à enfrentada antes do lockdown de março. No momento, 96% dos leitos de UTI exclusivos para Covid-19 estão ocupados. 

Ademais, Scarpelini alega que o município tem feito a parte que lhe cabe no programa de imunização. "A única saída que temos é vacinar o mais depressa possível. Ribeirão Preto tem feito dentro dos prazos, mas seria importante que tivéssemos mais doses, assim não estaríamos na situação em que estamos hoje", declarou o secretário. Até o fechamento desta edição, haviam sido aplicadas 246 mil doses da vacina contra a Covid-19 em Ribeirão Preto, sendo que 86 mil pessoas receberam a imunização completa, com duas doses. 

Enquanto a vacina não abrange a maioria da população, Nogueira defende as regras de distanciamento social, uso de máscara e higienização. Segundo o chefe do Executivo, a população tem sido penalizada por uma minoria que não respeita essas recomendações. "A maioria da população de Ribeirão Preto está sendo penalizada por uma minoria que não cumpre o distanciamento social! Que não usa máscara, que desdenha da vida dos outros e coloca a vida dos seus familiares em risco", exclamou.

Nogueira ainda criticou autoridades que incentivam as aglomerações e o desrespeito às medidas sanitárias. “Infelizmente, de um lado, há pessoas e autoridades com responsabilidade. Do outro, autoridades irresponsáveis, que fazem aglomeração, que reúnem milhares de pessoas sem máscara, achando que está tudo lindo. Aliás, diz que é 'idiota' quem faz aquilo que deve ser feito, enquanto não vacinarmos todo mundo", frisou o prefeito, sem mencionar nomes. Uma semana antes do depoimento de Nogueira, ao citar o setor agrícola, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chamou de “idiotas” as pessoas que respeitam o distanciamento social. "O agro realmente não parou. Tem uns idiotas aí, o 'fique em casa'. Tem alguns idiotas que até hoje ficam em casa. Se o campo tivesse ficado em casa, esse cara tinha morrido de fome, esse idiota tinha morrido de fome. Daí, ficam reclamando de tudo", afirmou Bolsonaro. Até o fechamento desta edição, a Covid-19 havia feito 452 mil vítimas no Brasil.

Prefeito nogueira criticou parte da população que não cumpre medidas de combate à transmissão da Covid-19EPICENTRO 

Uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pelo Instituto Adolfo Lutz aponta Ribeirão Preto e Franca como possíveis epicentros da Covid-19 no Estado de São Paulo. Os estudos indicam um cenário de agravamento do número de casos, de novas internações e óbitos nas próximas duas semanas. O pesquisador Vitor Engrácia Valenti explica que o grupo tem realizado um acompanhamento epidemiológico de internações, casos e mortes associados à Covid-19 e das linhagens do novo coronavírus no Estado de São Paulo. Entre março e maio, os pesquisadores notaram um avanço "perigoso" da variante de Manaus, a P1, que é mais contagiosa.

"Observamos também que a região de Ribeirão Preto e Franca apresenta um forte indício de ser o epicentro da epidemia de Covid-19 no Estado de São Paulo. As principais variáveis que indicam essa possibilidade são a tendência matemática desde o início de maio, a dificuldade das pessoas em se organizarem com medidas preventivas, dado analisado por meio da mobilidade urbana e crescimento de casos diários e internações numa velocidade maior do que outras regiões do Estado", esclareceu Valenti. Outro ponto de atenção é o clima de outono/inverno que favorece a transmissão de doenças infecciosas respiratórias.

Questionado se um "lockdown" de cinco dias, como o proposto pela Prefeitura, seria o suficiente, o pesquisador alerta. "Pelo que temos acompanhado na literatura e em outras cidades, um período de apenas cinco dias de lockdown não seria o suficiente para controlar a sobrecarga no sistema de saúde consideravelmente. Pode ocorrer uma leve queda na transmissão, porém, posteriormente, será necessário um próximo lockdown", argumentou. Valenti orienta que, segundo análises feitas em outros países, o ideal seria um período mínimo de quatro semanas. Durante a entrevista na Prefeitura, o próprio secretário Sandro Scarpelini admitiu que um lockdown "verdadeiro" nunca foi posto em prática no Brasil. "Lockdown mesmo é aquele em que se o sujeito pisar fora de casa, leva multa", exemplificou o secretário de Saúde. 

PANDEMIA ACELERADA

Foram necessários apenas cinco meses para que Ribeirão Preto atingisse o mesmo número de óbitos contabilizados durante 2020. Entre março e dezembro do ano passado, o município registrou 1.043 mortes. Porém, entre o dia 1º de janeiro e o dia 24 de maio de 2021, a cidade atingiu o mesmo número de vítimas. Março de 2021 foi o mês com mais óbitos desde o início da pandemia: foram 392 vítimas, média de 12 por dia. O mês de abril de 2021 foi o terceiro mês em que mais pessoas morreram, com 224 óbitos. Até o fechamento desta edição, 2.113 pessoas perderam a vida em decorrência da Covid-19 no município. 

Veja as regras do decreto que instaura a “Fase Emergencial Restritiva” em Ribeirão Preto:

Podem funcionar: 

• Assistência em saúde (serviços médicos, laboratoriais, farmácias e hospitalares)

• Veterinário

• Assistência social

• Defesa Civil 

• Agências bancárias

• Indústria

• Construção civil

• Postos de combustível

• Transporte por aplicativo

• Serviços funerários

• Locação de veículos
 

Não podem funcionar: 

• Comércio em geral

• Shopping Center

• Escolas

• Transporte público

• Salões de beleza

• Academias

• Oficinas mecânicas

• Parques

• Atividades religiosas, cultos (os templos permanecem com as portas abertas)

• Restaurante (apenas delivery até as 23h)

• Supermercados (permitido delivery
e drive thru até as 23h)

• Eventos esportivos

• Aglomerações ao ar livre

• Serviços em geral (exceção feita aos escritórios de contabilidade, permitido o funcionamento com a capacidade limitada a 60% dos funcionários, e atendimento remoto preferencialmente).

Toque de restrição: das 21h às 5h. 
 

 

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