Turismo da vacina

Turismo da vacina

Lentidão na campanha nacional de vacinação contra a Covid-19 tem aumentado a procura de brasileiros pela imunização nos Estados Unidos

A demora na campanha de vacinação contra a Covid-19 no Brasil expôs mais um lado da desigualdade social no país. Famílias mais abastadas têm embarcado para os Estados Unidos em busca da imunização. O movimento — que não é uma exclusividade da elite brasileira — impulsionou em todo o mundo o deslocamento que tem sido chamado de “turismo da vacina”. As viagens partem, principalmente, de países subdesenvolvidos ou de localidades em que a velocidade da aprovação e distribuição das doses está aquém do esperado. Segundo uma pesquisa publicada pela Forward Keys (companhia que elabora estudos na área do turismo), houve um aumento expressivo no número de viagens para os Estados Unidos. Com o avanço da vacinação entre os norte-americanos, os voos partindo de países da América Latina para a Flórida aumentaram 52% em relação ao mesmo período de 2019. O estado da Flórida possui uma política flexível de vacinação e uma grande comunidade brasileira. 

De um lado, parte dos que optam por se vacinarem no exterior argumentam que, levando em conta a situação da pandemia no Brasil, qualquer família que tenha condições de assegurar a saúde dos seus entes queridos faria o mesmo. Além disso, alegam que, ao receberem a dose fora do país, contribuem para a não sobrecarga o sistema de saúde brasileiro. Por outro lado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) solicita que as doses excedentes da vacina contra Covid-19, principalmente em países com estoques como o dos EUA, sejam doadas ao Covax Facility para que sejam redistribuídas às nações mais pobres. Ademais, no dia 12 de maio, a diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Carissa Etienne, afirmou que “turismo da vacina” não seria uma solução para a crise da Covid-19. “Não temos dados para confirmar quantos latinos estão viajando até os Estados Unidos. Permitam-me dizer que o turismo da vacina não é a solução, e sim um sintoma da desigualdade”, declarou. Para ela, o êxodo das elites revela como não há uma distribuição igualitária das vacinas na América Latina.

As viagens para os EUA em busca das vacinas também movimentaram as agências de viagem em Ribeirão Preto. Por receio das represálias que possam sofrer, nenhum turista que viajou em busca do imunizante quis conceder entrevista quando procurado pela reportagem. Além disso, grande parte profissionais do ramo também evitam falar abertamente do tema. Uma empresária procurada pela Revide teve de apagar uma postagem em que falava sobre o tema nas redes sociais após ser criticada por incentivar os “furadores de fila”. Vale ressaltar que o ato de “furar a fila”, como vem sendo veiculado, ocorre somente se a pessoa burlar as regras nacionais, estaduais ou municipais do programa de vacinação. Vacinar-se no exterior não configura qualquer crime, infração ou avanço sobre a legislação. Angelo Marcolin, diretor de uma agência de turismo, contou que a procura pelas viagens aumentou muito, principalmente entre os meses de março e abril. “Depois que o governo estadual divulgou o cronograma de vacinação para toda a população de São Paulo até outubro, a demanda caiu um pouco”, explicou. Durante esse período, Angelo vendeu 12 pacotes de viagem para os EUA e cerca de 30 pessoas embarcaram para receber o imunizante.

ESCALAS E TESTES

Segundo Angelo, o diferencial desses pacotes são as orientações dadas pela equipe de viagem. “São países diferentes, com regras diferentes e que mudam a cada dia. Por isso ficamos sempre atualizados para deixar o cliente o mais tranquilo possível”. Este é um ponto importante para quem deseja viajar em busca da vacina; no momento, não existem voos diretos do Brasil para os Estados Unidos. Por conta da disseminação fora de controle do vírus, o Brasil é o segundo país no mundo com mais restrições para entrada em destinos internacionais. Para que um brasileiro pise em solo estadunidense, será necessário que ele passe por uma quarentena de no mínimo 14 dias em um país que não possua restrições para os EUA. Os destinos mais visados são o México e a República Dominicana, tendo em vista a localização, a conectividade e a flexibilidade para a entrada e saída de estrangeiros. Outro fator que dificulta a viagem é a redução no número de voos em todo o mundo. Empresários do ramo de turismo procurados pela reportagem informaram que apenas duas empresas aéreas realizam essas viagens — a Copa Airlines e a Aeroméxico. 

A maioria dos passageiros brasileiros tem optado por destinos paradisíacos como Punta Cana, na República Dominicana, ou Cancún, no México. Este segundo tem sido o mais procurado, em razão da conectividade e da estrutura ofertada. Angelo acrescentou, também, que nesse momento a orientação da agência de viagem é essencial. “Existem formulários de saúde que o cliente precisa preencher e nós auxiliamos. Também indicamos os melhores laboratórios para realizarem os testes”, explicou. Passado o período de duas semanas de quarentena, e com um teste negativo para a Covid-19 feito em até 72 horas antes do embarque, o passageiro pode seguir para os EUA. Lá, os destinos mais procurados têm sido Orlando, na Flórida, e Nova Iorque.

VACINA E DINHEIRO

Diferente da maioria dos países da América Latina, existe uma grande oferta de vacinas nos Estados Unidos. “Em Nova Iorque fizeram em uma praça, tinha até sorteio de iPhone para quem ia se vacinar”, lembrou Angelo. A vacinação pode ser feita em hospitais, clínicas, farmácias e, algumas cidades, até em supermercados. De acordo com um levantamento feito pela Duke University, da Carolina do Norte, os EUA podem ter um excedente de cerca de 300 milhões de doses de vacinas até o final de julho. Dentre o cardápio de imunizantes oferecidos, o mais procurado tem sido o da Janssen Farmacêutica, a vacina Johnson & Johnson. Isso porque ela é de dose única, o que reduz o tempo de estadia. Porém, para quem deseja vacinar adolescentes de até 12 anos, a busca deve ser pelo imunizante da Pfizer/BioNTech. No início de maio, a agência reguladora de medicamentos nos Estados Unidos autorizou o uso em caráter emergencial contra a Covid-19 em jovens. Porém, esse medicamento necessita de duas doses, com um intervalo de 21 dias entre as aplicações. 

Mesmo após receber a vacina, as agências de viagem recomendam que os turistas permaneçam mais três noites em solo norte-americano para evitar qualquer efeito adverso. “Um dos efeitos adversos que a vacina pode causar é febre e, se a pessoa estiver com febre, ela não sobe no avião”, afirmou uma agente de viagens. Ou seja, o tempo mínimo que alguém deveria passar fora do país para receber a vacina seria de 20 dias. Segundo as agências consultadas pela reportagem, o valor, em média, da viagem ficaria na casa dos R$ 17 mil por pessoa, optando por acomodações “medianas”.  A baixa oferta de voos e a cotação do dólar (R$ 5,04 no fechamento desta edição) são fatores que inflacionam o valor da viagem. Outro elemento que pode encarecer o turismo da vacina é o início da “alta temporada”, principalmente, nas praias da América Central. Com a chegada do verão no hemisfério norte e o avanço da vacinação nesses países, a tendência é que o fluxo de viajantes aumente. 

PASSAGEM NA MÃO, VACINA NO BRAÇO 

Apesar de algumas famílias optarem pela discrição ao tomar a vacina no exterior, algumas figuras públicas postaram em suas redes sociais que foram imunizadas fora do Brasil. Empresários como Roberto Justus e Edir Macedo; artistas como Carolina Dieckemann, Leandro Hassum e Anitta; e jogadores de futebol como Marta e Neymar foram alguns dos que já tomaram a vacina contra a Covid-19.

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