Além do café e da cana-de-açúcar, alho negro, lúpulo e amendoim têm ganhado força na região de Ribeirão
Foto: Ewerton Alves/Neomarc Comunicação

Além do café e da cana-de-açúcar, alho negro, lúpulo e amendoim têm ganhado força na região de Ribeirão

Historicamente importante para a economia nacional, região aposta em tecnologia e diversidade para se transformar e florescer novas culturas

A modernização da agricultura brasileira trouxe novas técnicas e tecnologias que possibilitaram o surgimento de novas culturas na região de Ribeirão Preto, como amendoim e soja. Mais recentemente, a produção de alho negro e lúpulo tem ganhado espaço nas áreas verdes que cercam as cidades do interior de São Paulo, a despeito do consenso de que as mudanças climáticas seguem como principal desafio enfrentado pelos produtores.

 

Segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Álcool (Unica), quase 600 milhões de toneladas de cana-de- -açúcar foram moídas na região, na última safra – 90% da produção nacional, que foi de 644,14 milhões de toneladas na safra de 2023/24, representando uma alta de 18,76% em relação ao ciclo anterior. Contudo, para 2024/25 espera-se uma ligeira queda na produtividade devido a fatores climáticos adversos e atrasos no plantio de 2023. A projeção da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de uma moagem de 619,75 milhões de toneladas – 3,37% menor.

 

“A nossa safra tende a crescer, já que ano a ano renovamos parte de nossa lavoura, introduzindo variedades modernas e mais produtivas”, aposta o produtor rural Eduardo Oliveira. Além de cana, ele planta soja, milho e sorgo na área rural de Batatais.

 

A Cooperativa Agroindustrial Coplana conta com 1.300 produtores rurais. A produção dos cooperados foi de cerca de 5,5 toneladas de cana-de-açúcar. “A questão da economia e da política é bastante sensível, visto que, como a gente trabalha muito com exportação, tem que ficar atento às questões de variação cambial. Então o dólar é muito importante na hora de fazer as vendas para o mercado externo. E também em relação ao valor dos insumos, que tudo relacionado a insumo é dolarizado”, explica Bruno Rangel, presidente da Coplana. Segundo ele, o maior desafio da cultura, hoje, é a questão climática, visto que 95% das nossas plantações não têm irrigação, “então a gente é muito dependente do clima”, diz.

“Cada vez mais precisamos entender e respeitar a natureza, utilizando variedades mais resistentes à seca; adubos de liberação gradativa que suprem a necessidade momentânea da planta; aumentando o uso de produtos biológicos; sistematizando os talhões para melhor aproveitamento da área, bom escoamento das águas e menor compactação do solo, fazendo o plantio direto na palha, rotação de culturas e profissionalizando os colaboradores”, explica Eduardo.

 

Além desse entendimento, Bruno explica que existe uma determinada variedade de cana que se adapta melhor a cada ambiente de produção “e atualmente temos praticamente todas as espécies plantadas na região”, afirma.

 

EXPRESSO E INTENSO

 

O café verde, vendido em grãos, representou um saldo de US$ 2,2 bilhões na balança comercial do país, em 2024, com um aumento de 33% na comparação com o ano passado, e de 42,5% no volume exportado, mesmo com uma queda de 6,1% no preço das commodities, segundo dados divulgados pela Secretaria de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura. A área total destinada à cafeicultura no país, hoje, é de 2,25 milhões de hectares.

 

A cidade de Altinópolis concentra a maior parte da produção de café da região, com 17,4 mil toneladas de grãos na última safra, apenas nas fazendas que cercam a cidade de cerca de 16 mil habitantes.

 

Desde 2013, o café plantado em 15 municípios da região possui registro de Indicação Geográfica, selo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial para produtos com características próprias – no caso da Alta Mogiana, café plantado em serras suaves, temperaturas com pequena extensão entre máxima e mínima, além de precipitação de chuva anual média de 1.623 mm com picos no período de outubro a abril.

 

“Os cafés da Alta Mogiana têm características sensoriais únicas, que remetem ao aroma e fragrância das frutas cítricas e à doçura do açúcar queimado, caramelo, mel e rapadura. O sabor traz notas delicadas de frutas amarelas, doçura de mel, acidez cítrica brilhante, corpo macio e cremoso, finalização longa e doce”, defende o especialista Rodrigo Esper de Pádua.

 

Márcio Luiz Palma Resende planta e exporta café há pelo menos 15 anos para Estados Unidos e Canadá. “Temos desafios diferentes, mas acreditamos sempre no potencial do café produzido aqui. Enfrentamos um período climático muito complicado e, apesar disso, a expectativa é positiva para o futuro”, diz.

 

Willian César Freiria, gerente do Departamento de Café da Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas (Cocapec), reforça que, além da inovação, a unidade construída entre os produtores foi crucial para a sobrevivência do café na região. “Hoje temos cerca de 3 mil cooperados (a maioria em Minas Gerais) e acredito que houve um entendimento de que precisamos trabalhar juntos para consolidar esse mercado cada vez mais competitivo”, diz.

 

ENTRE A CANA, AMENDOIM

 

A integração com a cultura da cana- -de-açúcar fez com que a região se tornasse também um importante polo produtor de amendoim, plantado geralmente em áreas de renovação dos canaviais, uma prática que traz benefícios agronômicos e econômicos significativos para os produtores locais, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

 

O processo de plantio de amendoim envolve várias etapas. Primeiro, a escolha da variedade a ser plantada. A semeadura costuma ocorrer na segunda quinzena de setembro, aproveitando a entressafra da cana-de-açúcar. Esse sistema de rotação de culturas é vantajoso, pois melhora a fertilidade do solo, ajuda no controle de pragas e doenças e maximiza o uso da infraestrutura agrícola já existente para a cana.

 

“Vemos o amendoim como um grande aliado para a cadeia produtiva. É um produto de exportação também e que vai sempre incrementar a economia do produtor”, conta Antônio Aralli, que planta amendoim e cana-de-açúcar em Bebedouro.

 

Para a safra 2023/2024, o Brasil teve um aumento na área plantada de amendoim, que cresceu 17% em comparação com o ano anterior. No entanto, a produtividade foi afetada por condições climáticas adversas. Para este ano, a produção nacional está estimada em cerca de 724,1 mil toneladas. Somente na região de Ribeirão Preto, é esperada uma produção de mais de 100 mil toneladas.

 

Outro incentivo importante para essa produção é a existência de cooperativas e empresas de grande porte que processam e produzem alimentos à base de amendoim instaladas na região. “A gente acredita em um incremento de área de amendoim em torno de 20% na região”, espera Bruno Rangel.

 

DESAFIO AMARGO

 

Recentemente, Ribeirão Preto ganhou o título de “capital do chope e das cervejas artesanais”, concedido por meio de um projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa, no último dia 19 de junho, aniversário de 168 anos da cidade, devido à grande quantidade de cervejarias que a cidade e a região abrigam. Isso aumentou a procura por lúpulo, planta responsável pelo amargor e um dos quatro ingredientes básicos na produção da cerveja (os outros são água, malte e levedura). “Historicamente, quase todo o lúpulo utilizado no Brasil era importado, principalmente dos Estados Unidos e da Alemanha. No entanto, com o crescimento do mercado de cervejas artesanais e a busca por ingredientes locais, produtores brasileiros começaram a experimentar o cultivo de lúpulo em diferentes regiões do país, inclusive em Ribeirão Preto”, explica o pesquisador da Universidade de São Paulo, Fernando Batista da Costa.

 

Por outro lado, o processo de cultivo do lúpulo é desafiador, pois a planta requer condições específicas de luz e temperatura. Na Fazenda Pratinha, por exemplo, uma parceria com a Ambev foca em testes de adaptação climática para nove variedades de lúpulo, buscando replicar as condições de luz intensa e temperaturas amenas encontradas nas regiões produtoras do hemisfério norte. Thiago Cunha, um dos pioneiros na produção de lúpulo na região, relata que espécies como Comet, Cascade e Mantiqueira têm se adaptado bem ao clima local, incentivando a expansão de sua plantação.

 

Pesquisadores da USP também estão envolvidos em estudos sobre o cultivo de lúpulo em Ribeirão. Eles têm comparado o desempenho de diferentes cultivares e analisado a composição química dos óleos voláteis das plantas locais em relação aos lúpulos importados. Os resultados indicam que os lúpulos brasileiros podem ter uma qualidade sensorial comparável à dos importados.

 

A colaboração entre produtores, universidades e instituições como a Associação Brasileira dos Produtores de Lúpulo resultou em um aumento de 110% na área plantada de lúpulo no Brasil, entre 2019 e 2023. A previsão da associação é de novo aumento neste ano. E dentro desse cenário, o lúpulo da região começa a ganhar espaço por características próprias. “Na primeira safra que tivemos, atingimos níveis absurdos de óleos essenciais. Por exemplo, a média americana desses óleos para essa variedade de lúpulo está em três gramas por 100 ml; o nosso chegou a quase quatro, quer dizer, deu quase 30% acima de óleos essenciais, o que dá uma característica de aroma mais intenso”, explica o produtor Nelson Garpelli Filho, que planta lúpulo em um sítio de Cajuru desde 2019.

 

INOVAÇÃO SAUDÁVEL

 

O processo de fermentação controlada é o principal segredo para a produção do alho negro, ingrediente que tem ganhado espaço, principalmente na alta gastronomia. Famílias de japoneses que vivem na cidade de Guatapará têm se destacado na produção, consolidada há mais tempo na Ásia. Fernando Kondo, um dos produtores pioneiros na região, relata que atualmente utiliza cerca de 1,2 toneladas de alho in natura, mensalmente, para a produção de alho negro. “Cerca de 60% dos produtos são vendidos para food service, como pizzarias, hamburguerias, restaurantes e indústrias. Outros 25% são destinados ao varejo e 15% são vendidos diretamente aos consumidores finais, em feiras e marketplaces”, explica Kondo.

 

O cultivo do alho negro começa com a seleção dos melhores bulbos de alho comum, plantados e colhidos após cerca de seis meses. Esses bulbos são submetidos a um rigoroso processo de fermentação em câmaras com temperatura controlada de aproximadamente 70ºC e umidade de 100% por um período de 10 dias. “O custo de produção é muito alto devido à necessidade de manter as câmaras ligadas continuamente, além da manutenção constante”, explica Kondo. Outro desafio, segundo ele, é a baixa rotatividade do produto, pois ainda é pouco conhecido, o que prolonga o retorno do investimento.

​​​​​​​

A qualidade da matéria-prima é crucial para a produção do alho negro. “Sempre destinamos o alho cultivado em nosso sítio para a produção, garantindo a qualidade do alho negro. Além disso, utilizamos energia fotovoltaica e práticas sustentáveis, como compostagem, rotação de culturas e adubação verde”, afirma Kondo.

 

O alho negro propicia diversos benefícios à saúde, incluindo propriedades antioxidantes e efeitos positivos na saúde cardiovascular. “Ele é mais fácil de digerir do que o alho comum e tem um sabor complexo, lembrando tâmara e melaço”, diz Kondo.

 

No Brasil, a produção de alho negro ainda representa uma pequena parcela do mercado mundial, mas está em crescimento. Minas Gerais e Goiás lideram a produção. No entanto, a alta qualidade e os benefícios à saúde do alho negro estão aumentando sua demanda. Kondo e outros produtores na região de Ribeirão Preto estão otimistas sobre o futuro. “Desde 2020, buscamos um desenvolvimento sustentável, protegendo áreas de mata, utilizando energia solar e implementando embalagens ecológicas. Estamos nos capacitando para mensurar o impacto real de nossos esforços”, conclui Kondo.

Compartilhar: