
Identidade: pesquisa tenta identificar terroirs próprios da região de Ribeirão Preto
Pesquisadores e produtores unem forças para catalogar características de produtos emblemáticos na economia local, como café, cana-de-açúcar, uva e lúpulo
Terroir (lê-se terruá) é um termo francês que se refere ao conjunto de fatores ambientais, como solo, clima, topografia e práticas agrícolas, que influenciam a qualidade e as características únicas de um produto agrícola. Este conceito vai além do simples local de produção, englobando a interação entre o ambiente e as técnicas de cultivo, resultando em sabores e aromas que não podem ser replicados em outro lugar.
Ao mapear os terroirs da região de Ribeirão Preto, a ideia é identificar as especificidades de cada localidade que contribuem para a singularidade dos produtos agrícolas. Para o café, isso pode significar encontrar áreas com microclimas ideais que conferem notas aromáticas exclusivas aos grãos. No caso da cachaça, a influência do solo e da água local pode resultar em um destilado com características únicas. Para o lúpulo, utilizado na produção de cervejas artesanais, a combinação de clima e práticas agrícolas pode produzir variedades com perfis de sabor distintos.
O professor e pesquisador gastronômico Maurício Martins (foto ao lado), que faz parte do grupo de pesquisa do Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais (Ipccic), ressalta a importância desse reconhecimento da identidade do que é produzido na região. “Nós temos produtos e produtores maravilhosos por aqui e entendo que os estudos científicos são fundamentais para comprovar que a nossa geografia é especial e diferenciada", destaca Maurício. Ipccic, Sebrae e Embrapa atuam na busca do terroir local a partir do relato e experiência de produtores e pesquisadores.
Rodrigo Esper de Pádua trabalha desde 2018 com a prestação de serviços de qualidade do café, como pós-colheita, corretagens, cursos, treinamentos e laudos técnicos. Ele enfatiza que os cafés da Alta Mogiana têm características sensoriais que remetem ao aroma e fragrância das frutas cítricas e à doçura do açúcar queimado, caramelo, mel e rapadura. "O sabor traz notas delicadas de frutas amarelas, doçura de mel, acidez cítrica brilhante, corpo macio e cremoso, finalização longa e doce," descreve o especialista.
Apesar dessa busca, há características que mudam mesmo em áreas próximas, como é o caso do lúpulo que é produzido no Sítio da Mata em Cajuru. “Nós temos microclimas diferentes dentro da mesma fazenda, então a gente tem certeza que se a gente plantar em uma outra área do sítio, que não seja a área da turfa*, vai dar um outro terroir, uma outra característica", afirma Nelson Garpelli Filho, responsável pelo Lúpulo Boca Da Mata Orgânico. Ele fornece o material para pequenas cervejarias da região. Nelson explica que a primeira safra foi a mais aromática que ele já produziu. “Atingimos níveis absurdos de óleos essenciais e alfa-ácidos (substâncias que dão o “perfume” da cerveja), muito acima da média."
Basicamente, a cerveja é produzida com cereais maltados, geralmente cevada ou trigo, água, levedura e lúpulo, sendo que “os produzidos por aqui estão trazendo aromas únicos e muito característicos de nossa região, com um terroir bem evidente. Isso marca nossas cervejas e nossa região, o que pode no futuro trazer um selo de origem como o DOC (Denominação de Origem Controlada), por exemplo. Isso agrega valor às nossas cervejas, possibilitando o desenvolvimento das cervejarias em nossa região e trazendo benefícios para toda a comunidade.", explica Carlos Maciel de Oliveira Bastos. Ele tem uma microcervejaria em Cássia dos Coqueiros que utiliza lúpulos da região na produção da cerveja. “Além das belezas naturais, cheia de cachoeiras, mirantes e altitude, queremos também explorar essa vocação gastronômica da cidade”, conta.
A criação de um selo de terroir para esses produtos pode ter um impacto significativo na economia local. Primeiramente, esse selo seria uma garantia de qualidade e autenticidade, diferenciando os produtos da região no mercado global, como acontece com o queijo da Canastra, por exemplo. Maurício explica que “isso poderia aumentar o valor agregado dos produtos, permitindo que agricultores e produtores locais sejam mais valorizados”. Ele também acredita na fomentação do turismo. “A gastronomia é um dos maiores motivos de turismo que a gente tem no mundo.”
HISTÓRIA TAMBÉM CONTA
Há mais ou menos um século, os bisavós italianos do empresário Mario Mancuso adquiram terras na cidade de Mococa. Por lá, plantaram café, depois milho e uma variedade de frutas. Todas essas culturas deixaram rastros e hoje, Mancuso se dedica ao plantio de lúpulo na fazenda da família. “Estamos muito animados com as perspectivas, tanto que atualmente nossa produção é de 100 quilos e nosso objetivo é expandir para uma tonelada muito em breve”, planeja Mario.
"Nós nos apaixonamos pelo lúpulo e descobrimos que o que nasce por aqui tem características únicas, tanto é que mais de uma dezena de cervejarias já usa nossos produtos”, acrescenta Mario. “Com certeza ter um reconhecimento dessas características vai acrescentar bastante pra gente atingir nosso objetivo”.
SUSTENTABILIDADE
Ao entender melhor as interações entre o ambiente e os cultivos, os produtores podem adotar técnicas que preservem os recursos naturais, garantindo a longevidade das atividades agrícolas. Isso não só beneficia o meio ambiente, mas também fortalece a economia rural a longo prazo. "O grande desafio é mapear, quantificar todos esses dados precisos da nossa região de clima, solo, interferências humanas, autoridade de produção para a gente conseguir realmente afirmar que a nossa região é especial, que ela realmente tem uma produção especial referente ao solo, referente à geografia," enfatiza Maurício.
Carlos também compartilha a visão de sustentabilidade: "Por nascer com o intuito de ser uma cervejaria local, privilegiamos o que temos de melhor em nossa região e trazemos isso para nossas cervejas. Um exemplo é nosso primeiro rótulo da cervejaria (e mais vendido), uma Saison que traz na sua composição capim cidreira, muito comum na região, trazendo uma sensação de nostalgia para quem bebe. Com a produção de lúpulo regional, começamos a incorporar essas características também em nossas cervejas”, conta o mestre-cervejeiro.
A certificação e a proteção intelectual dessas produções são cruciais para manter a qualidade e a exclusividade dos produtos, assegurando que parte deles permaneça no mercado interno. Maurício Martins exemplifica com a cachaça Sozé de Batatais: "Uma cachaça hoje é feita só para exportação. Foi a primeira cachaça sustentável do país, logo a primeira do mundo, 100% sustentável... Esse é um exemplo de como é importante selar e certificar esses produtos no futuro, para quando eles forem para fora, eles forem selados falando que são da região aqui de Ribeirão Preto."
*A turfa é um composto orgânico feito a partir da decomposição de vegetais de pequeno porte que se desenvolvem em meio líquido, e é encontrada em locais alagadiços. É um material orgânico proveniente da decomposição de vegetais e muito utilizado em jardinagem por melhorar as propriedades químico, físico e biológicas do solo, de modo a garantir um melhor desenvolvimento de raízes e aumento da capacidade de retenção dos nutrientes.
Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal