
Criado por ex-jogador do Botafogo, grupo se reúne há mais de 40 anos para fazer exercícios
Com direito a uniforme, professor e diversão, os Cotonetes (uma alusão aos cabelos brancos dos integrantes) se reúnem três vezes por semana em uma quadra de Ribeirão Preto
E m 1971, Carlo Alessandro Colleoni, o Carlucci, lateral esquerdo do Botafogo, conhecido como o ‘Canhão da Vila Tibério’ pela potência da perna esquerda, tinha 27 anos e sofria com seguidas lesões. Caminhava para um fim precoce da carreira de jogador profissional quando ingressou na faculdade – fez parte da primeira turma de Educação Física da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), em 1972. O fim de ciclo também representou o começo de uma história que hoje tem mais de 40 anos. Para colocar em prática o que aprendia na sala de aula, Carlucci resolveu reunir alguns amigos de diferentes áreas para praticar exercícios físicos duas vezes por semana, na quadra da igreja Estigmatinos, na região hoje chamada Boulevard, em Ribeirão Preto. O grupo hoje é autointitulado “Cotonetes”, com direito a uniforme e grupo de Whatsapp.
“O objetivo vai muito além da prática esportiva. A gente se reúne para conversar, brincar e trocar experiências”, conta o aposentado João Antônio Parpineli, que tem 74 anos, metade deles no grupo.
Atualmente, cerca de 20 amigos de diferentes idades se reúnem com Carlucci, por volta das 6h da manhã, às segundas, quartas e sextas-feiras, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Jardim São Luís. A programação começa com café e resenha. “Começar o dia dando risadas já faz a diferença. O clima é descontraído, muito bom para iniciar o dia. Como sempre fiz física, que hoje se chama fitness, foi uma continuação do que fiz a vida toda”, conta o professor Luiz Puntel, 76, um dos mais novos integrantes do grupo. Carlos Canesin, 71, concorda. “Precisa ter uma prosa, aquela zueira saudável”.
Depois disso, exercícios de alongamento, funcionais e aeróbicos. Tudo coordenado pelo profissional de Educação Física Lucas Colleoni Ruaro, 28. Neto de Carlucci, ele assumiu a responsabilidade de treinar os ‘Cotonetes’ há quatro anos, depois que o avô começou a ter problemas de saúde e princípio de Alzheimer. “As oportunidades profissionais acabaram me levando para o trabalho com a preparação física de idosos. Isso me deixa muito orgulhoso, porque acredito que também ajudo a melhorar a qualidade de vida dos alunos”, diz Lucas.
NÃO É PARA QUALQUER UM
Para participar do grupo, composto por advogados, empresários, professores, administradores, funcionários públicos, corretores e engenheiros, é preciso ser convidado. Todos pagam uma mensalidade para ajudar a custear o café, os uniformes e materiais usados nas aulas. “Somos cotonetes organizados. Inclusive sempre nos reunimos para comer, beber e rir mais um pouco”, conta Fernando Fazio, 73.
Depois dos exercícios coordenados pelo professor Lucas, os Cotonetes se dividem em dois times para uma partida de futebol de quadra. Loumir Ganzerli, 60, o caçula da turma, não se anima. “Meu joelho sempre me deixa na mão”, lamentava antes do apito inicial, na última semana. As partidas têm cerca de 15 minutos. “Ninguém é de ferro”, brinca Weyvel Del Pietro, 67. No dia em que acompanhamos os Cotonetes, ninguém fez gol. “Geralmente é pior”, riu Antônio Marcos Melo, 75.
Apesar do clima descontraído, Lucas lembra que é importante respeitar o corpo e a mente para que a prática seja sempre benéfica. “Saber os limites de cada um é fundamental para as atividades funcionarem no bem estar de todos aqui”, declara. “Nas aulas individuais, o contato é apenas com o professor. Já nas aulas em grupo, os alunos ganham mais autonomia e criam laços uns com os outros”, explica ainda. Independentemente do formato, ele reforça que o mais importante é manter-se ativo, mas o laço de amizade acaba se estendendo para a vida.
O membro mais antigo, João Voi, conta que depois que começou a frequentar as atividades percebeu uma melhora física considerável. “Ainda me sinto um menino, principalmente aqui com essa turma. Somos atletas, mesmo que por uns minutos”, diz o funcionário público aposentado de 87 anos. “Somos um grupo de amigos se divertindo e quando dá, fazemos exercícios físicos”, resume o advogado Marcos Cokely, 73.
Carlucci faz todos os exercícios com a disciplina de um atleta profissional. “Ele leva muito a sério essa atividade. Faz realmente bem para ele”, afirma seu neto.
Com o passar dos anos, o perfil dos participantes mudou, mas o espírito de união e respeito permaneceu intacto. “Aqui, todo mundo tem seu espaço. Não importa a idade ou a profissão, o que vale é a vontade de se exercitar e se divertir”, comenta Isaac Samuel dos Reis, 71, um dos integrantes mais recentes. Essa filosofia de inclusão tem atraído pessoas de diferentes gerações, que veem no grupo uma oportunidade de manter-se ativo e conectados à comunidade.
A troca de experiências e o convívio social têm se mostrado tão importantes quanto os exercícios físicos, reforçando a ideia de que saúde vai além do corpo. “É uma honra poder seguir os passos do meu avô e contribuir para o bem-estar desses amigos, que são como uma segunda família”, afirma Lucas. O grupo, hoje, é um exemplo de como o esporte e a amizade podem ser longevos
Fotos: Lucas Nunes