
Paixão pelo conhecimento
Foi o que sempre moveu tanto a menina quanto a adulta Suely Vilela, acadêmica, até hoje primeira reitora da história da USP e atual secretária municipal de Inovação e Desenvolvimento de Ribeirão Preto
Um traço de personalidade específico explica como a meiga e tímida filha de um casal simples do campo veio a tornar-se a respeitada professora universitária, reitora de universidade e hoje secretária municipal de Inovação e Desenvolvimento da Prefeitura de Ribeirão Preto, Suely Vilela. A curiosidade nata, que só crescia a cada novo conhecimento, fez a menina Suely apaixonar-se pelos estudos desde a primeira aula, aos 6 anos de idade. O senso de responsabilidade e a dedicação, herdados dos pais, encarregaram-se do restante.
“Meus pais decidiram por nossa mudança para Franca movidos por um profundo senso de responsabilidade. Apesar da pouca escolaridade, preocupavam-se com que futuro teriam as duas filhas mulheres – na época eu e minha irmã mais velha, Inês Ione Vilela – ali, isoladas, em uma vida rural? Esse questionamento os levou a tomar a difícil decisão”, conta, hoje, Suely.
Nascida Suely Vilela Sampaio, em 22 de fevereiro de 1954, a segunda filha de Ana Vilela Mendes e José Raimundo viveu até os 5 anos de idade em uma fazenda de café de Ilicinéia (MG), na qual o pai trabalhava como administrador. Desde pequena demonstrava uma vontade irrefreável de aprender e compreender o mundo ao redor. “Olhando, hoje, essas características, percebo que já carregava uma alma observadora e sedenta por conhecimento”, comenta a própria.
Já em Franca com a família, a infância da pequena Suely foi marcada pela conexão com os livros. A adolescência foi tranquila e repleta de amizades sinceras, construídas no Instituto Estadual de Educação Torquato Caleiro, onde cursou ensino primário e ginásio (Fundamental I e II) e Científico (Ensino Médio), entre 1960 e 1971 – ano de nascimento da irmã temporã, Leyde Adriane Costa, de quem também se tornaria próxima apesar da diferença de 18 anos. “O gosto pelos estudos me acompanhou por toda a vida e foi essencial para abrir os caminhos que trilhei mais adiante”, diz a acadêmica.
Na nova cidade, o pai de Suely começou trabalhando como sapateiro. Anos depois, conseguiu abrir uma pequena empresa familiar, que lhe permitiu conquistar casa própria e custear faculdade para as filhas. Suely foi cursar a Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCF-RP/USP). Formou-se em Farmácia (1974) e Farmácia-Bioquímica (1975), que escolhera pensando em trabalhar com Análises Clínicas, influenciada por um amigo da família, que era dono de laboratório. Mas um estágio, feito no último ano do curso, a fez perceber que aquela rotina não combinava com o seu perfil sedento por desafios. “Foi quando decidi me direcionar para a pesquisa científica”, conta. Fez, então, mestrado, doutorado e pós-doutorado em Ciências (Bioquímica) na Faculdade de Medicina da USP Ribeirão. Em setembro de 1977, era contratada como docente no Departamento de Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP, onde permanece até hoje, “com a mesma paixão pelo conhecimento e pela formação de novas gerações”, frisa.
Docência
Como docente, Suely afirma ter se realizado plenamente atuando nas quatro frentes da vida acadêmica: ensino, pesquisa, gestão e extensão universitária. “São atividades dinâmicas, que não deixam espaço para a monotonia. Ser pesquisadora exige constante atualização, capacidade de adaptação e muita dedicação. Sempre há novos caminhos a trilhar, novos saberes a construir”, comenta.
A partir dali, ela só prosperou na carreira, mas não sem sacrifícios – principalmente na vida pessoal (leia mais a respeito na página 5) – e enfrentamentos os mais diversos, principalmente relacionados a preconceitos e discriminações com que toda mulher convive, dentro e fora de ambientes de predomínio. Um exemplo disso que a marcou ocorreu logo após sua indicação para o cargo de professora na USP. “Durante o processo, um dos examinadores me disse, de forma direta, que eu tinha ‘cara de criança’ e meu currículo não era especialmente destacado [apesar de atender às exigências do cargo], por isso eu seria acompanhada de perto e, caso não correspondesse às expectativas, seria demitida”, lembra. Ao contrário de desanimá-la, aquele comentário a fortaleceu, fazendo-a se dedicar profundamente.
Tal determinação é reconhecida por Elisabeth Igne Ferreira – que viria a trabalhar como assessora de Suely nas pró-reitoria e reitoria da USP – como uma de suas mais marcantes características, aliada à competência e grande capacidade de trabalho. “Sem contar a essencial visão de futuro dela. Essas características sempre foram uma grande inspiração para mim”, diz Beth, como é mais conhecida.
A trajetória ascendente de Suely na USP incluiu assumir a direção da FCF-RP/USP (1998-2001); integrar a Comissão de Atividades Acadêmicas junto ao Conselho Universitário da USP, comandar a Pró-Reitoria de Pós-Graduação (2001-2005) e ser eleita, aos 51 anos, a primeira reitora (2005-2007) na história da USP – permanece a única até hoje. “Construí, com esforço e paixão, uma trajetória sólida, baseada no mérito, na ética e na entrega ao que acredito”, declara.
Seu chefe de gabinete na reitoria à época, Alberto Carlos Amadio, lembra que a atuação de Suely na USP sempre foi muito “intensa, produtiva e profundamente influente” para o contexto das relações institucionais, e em especial com universidades brasileiras e estrangeiras. “Portanto, reconheço e registro sua vasta contribuição e profundas influências para o seu estado atual de excelência e de positivo significado social que a USP representa nos dias de hoje”, afirma ele.
Suely, por sua vez, descreve a atuação na reitoria como “desafiadora e de grande aprendizado”. O maior desafio, claro, foi ter que provar sua capacidade e competência constantemente. “Estar em um cargo de liderança, sendo mulher e a primeira a ocupar essa posição em toda a história da universidade, exigiu resiliência, foco e firmeza. Cada decisão era acompanhada de olhares atentos e, por vezes, céticos. Mas essa exigência também me impulsionou a buscar sempre o melhor, com responsabilidade e compromisso institucional”, declara.
“Suely é uma fonte inspiração para mim e muitas mulheres, como profissional extremamente competente, inteligente, íntegra, corajosa, dedicada às pesquisas científicas e à inovação. Acompanho sua trajetória profissional há quase 36 anos e posso afirmar que ela quebrou muitas barreiras, pois, no passado, as mulheres não possuíam uma voz ativa e não eram respeitadas cientificamente como hoje. Ela, com sua capacidade e resiliência, abriu esse caminho, mostrando que não há limites quando se tem determinação, se quer fazer a diferença e conquistar novos horizontes”, comenta a amiga e parceira de trabalho na USP Elisabete Aparecida Turcao Milan.
Política
Suely não se acomodou após ocupar o cargo máximo na maior universidade pública da América Latina. A busca constante por novos desafios a levou para a política, outro meio tradicionalmente hostil às mulheres, mas no qual, para sua grande surpresa, garante não ter se sentido discriminada até o momento. Diz que a motivou o desejo de “retribuir à sociedade” tudo aquilo que foi investido nela em si.
Em 2018, disputou o primeiro cargo eletivo, para deputada estadual, mas não conseguiu se eleger com os 8.262 votos obtidos. Nas eleições municipais de 2020, candidatou-se à Prefeitura de Ribeirão Preto e, com 52.266 votos (20% dos válidos), conseguiu avançar ao segundo turno. Acabou vencida pelo prefeito Duarte Nogueira (PSDB), reeleito para o segundo mandato consecutivo com 45% dos votos. Em março de 2024, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) a lançou como pré-candidata à Prefeitura de Ribeirão Preto, mas o projeto não avançou.
Após a eleição de Ricardo Silva (PSD) à Prefeitura, Suely aceitou o convite para assumir a Secretaria Municipal de Inovação e Desenvolvimento no novo governo, com a missão de atuar como articuladora e facilitadora estratégica para “o crescimento sustentável da cidade”. “É uma pasta moderna, voltada à promoção da inovação, do empreendedorismo, da geração de emprego e renda e do fortalecimento da economia local, com base no conhecimento, na tecnologia e nas vocações do nosso território”, explica. “Ao longo da minha trajetória profissional, sempre estive ligada à ciência, à educação, à tecnologia e ao desenvolvimento regional. Por isso, vi na secretaria uma oportunidade concreta de contribuir com políticas públicas que realmente gerem impacto, seja na atração de investimentos, no apoio às empresas locais, na geração de empregos ou no fortalecimento do ambiente de inovação”, acrescenta.
Custos pessoais
Na vida pessoal, também como a maioria das mulheres trabalhadoras, Suely teve dificuldades para conciliar todas as demandas de esposa e mãe, em função das muitas exigências dos cargos que exerceu. “Naturalmente, isso teve um custo”, admite, aludindo ao fim do primeiro casamento e a algumas ausências na vida do único filho, Carlos Alberto Vilela Sampaio, hoje com 43 anos. “Não é simples equilibrar tudo e acredito que todas nós, mulheres, em algum momento, enfrentamos essa tensão entre vida pessoal e profissional. Mas também acredito que é possível construir caminhos com diálogo, compreensão e escolhas conscientes e isso foi o que sempre busquei ao longo da minha jornada”, afirma Suely, que teve um segundo casamento, mas atualmente segue solteira.
Na visão do filho, Carlos – formado em Direito, com doutorado em Direito Internacional pela USP e atualmente sócio e CEO da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada –, a mãe conseguiu alcançar um equilíbrio perfeito entre vocação profissional e amor incondicional pela família, o que moldou sua própria visão sobre a vida. Hoje, ele diz entender perfeitamente as escolhas maternas. “Na adolescência, notei sua dedicação diária, mas só aos 25 anos entendi verdadeiramente o significado de seus sacrifícios. Sua carreira não era apenas realização profissional, mas parte essencial de sua identidade. Suas conquistas me ensinaram sobre determinação, superação de barreiras e a importância de perseguir sonhos com paixão. Sua dedicação me transmitiu independência e resiliência, abrindo caminhos que eu talvez jamais imaginasse”, declara.
Por tudo isso é que hoje, aos 71 anos de idade, já avó do pequeno Enrico Vilela Sampaio, de 3, Suely diz não ter arrependimentos. “Tenho uma filosofia de vida que me acompanha em todas as situações: sempre procurar fazer o meu melhor, com dedicação, ética e responsabilidade. Essa postura me ajuda a seguir em frente sem arrependimentos. Claro que, como qualquer pessoa, enfrentei decisões difíceis ao longo da vida, mas acredito que todas elas me trouxeram aprendizados. Por isso, não me apego ao arrependimento, e sim à evolução”, conclui.
DEPOIMENTOS
MÃE
“Como pessoa, admiro em minha mãe sua integridade, visão de potencial onde outros veem limites e sua determinação frente a desafios. Sempre me impressionou sua capacidade de manter compaixão mesmo nos momentos difíceis, lembrando sempre do impacto humano de cada decisão. Como mãe, ensinou-me a pensar por mim mesmo, oferecendo ferramentas em vez de respostas prontas. Apesar do cansaço do trabalho, sempre encontrava tempo para minhas inquietações. Como avó, sua presença se tornou mais leve e lúdica.
Carlos Alberto Vilela Sampaio, advogado filho de Suely
AMIGA
“Como pessoa, Suely é amiga e muito companheira, sempre disposta a ajudar, amparar e dar o melhor de si. Outra característica importante que percebo nela é que, além de se desenvolver, se preocupa e se compromete com o desenvolvimento das pessoas que a rodeiam, sejam elas pesquisadores, profissionais administrativos ou alunos, pois acredita no poder de transformar o mundo por meio do conhecimento e do empenho. Sempre se destacou como uma grande líder à frente do seu tempo.”
Elisabete Aparecida Turcao Milan, analista para assuntos administrativos
ÉTICA E DIGNA
“Professora e pesquisadora de notório saber, ética e digna, exemplo de postura íntegra, referência de competência e importante liderança nacional e internacional, com destacada, produtiva e meritória atuação junto a USP. Representa, em sua área de atuação científica e em especial na gestão, como reitora da USP, importante legado intelectual e humano que certamente é referência e fonte de inspiração. Gostaria de destacar a imagem da amiga que foi sábia nos ensinamentos, profunda nas reflexões, sincera e fiel para com tudo e com todos. Guardo ainda a imagem da professora entusiasta, da reitora e dirigente respeitada, da pesquisadora competente, enfim da amiga de toda hora.”
Alberto Carlos Amadio, professor de Educação Física da USP
DETERMINAÇÃO
“Suely é uma profissional ética e seu comprometimento é admirável. Sua dedicação incansável, aliada à sua notável competência, fazem dela um verdadeiro modelo a ser seguido. É inspirador testemunhar como ela enfrenta desafios com determinação e sempre busca a excelência em tudo o que faz.”
Adriane Costa, autônoma, irmã de Suely
LEALDADE
“Como amiga, considero a lealdade e a amizade com que Suely sempre me distinguiu, características muito importantes para a continuidade da nossa amizade.”
Elisabeth Igne Ferreira, professora titular na FCF-USP
Lucas Nunes