Homenagem a Ribeirão Preto: A imensa forma da vida
Por João Augusto
O rio submerso em meus olhos.
Eu acordo seu nome com a palavra sol.
Meu dia são suas mãos que em minhas mãos amanhecem.
Com o sal de suas veias, em águas doces e escuras, escrevo,
porque suas tardes quentes me inventam.
A água sobe da pedra. A pedra sobe do sonho. O sonho sobe do ar.
Ao redor dos ombros do rio, a vida lateja no asfalto, nos edifícios rosados
de mármore, em casas de lata e papel.
Submersas ao rio, as atlânticas e pacíficas pegadas, as cores submersas
de américas, na anatomia de seu corpo líquido, substantivo e imaginário.
Como tantas coisas que passam por nossos olhos de sentir,
que são, em si, mais de sentir do que ver.
Por dentro dos olhos do rio, flores de papel desenham-se frutos.
Mulheres e homens nascem comigo, e colhemos vozes e fomes,
rostos ensolarados, trabalhadores urbanos e artistas de rua,
risos, bares, baixadas, bulevares: fórmulas econômicas de sedas e trapos.
Eu sentei ao seu lado e o ouvi dizer em voz que nada pedia:
apenas que déssemos as mãos (apenas que déssemos as mãos).
O rio que se abre em palcos, seu teatro de olhos gigantes, braços gigantes,
de sapatos pedregosos, pretos, antigos, que canta como uma fábrica
na periferia, como uma roseira solta em um quintal.
O rio que cresceu entre as mãos quentes e amargas de quem o bebia.
Rio que venta infâncias, entre lábios de avenidas enrugadas de pensar.
Um rio que se devolve como herança a quem chega
para ganhar de sua espera paciente,
por quem, de uma intuição, de um leve sonho,
pudesse finalmente o encontrar.
Quando acordarmos amanhã, ao lado da imensa forma da vida,
seguiremos o som que atravessa as distâncias como uma espada
e, diante da minúscula água que romperá a terra e tocará o sol
pela primeira vez, o abraçaremos como a um irmão.
Seu corpo de música e raio lançará o germe da primavera no céu
e da matéria bruta e pacífica que virá
nasceremos do seu enigma e do seu amor.
* João Augusto é jornalista, poeta e cursa faculdade de Ciência Política. Foi autor homenageado na 21ª Feira Internacional do Livro de Ribeirão. Tem cinco livros publicados. Seus poemas estão em algumas das principais revistas e sites de literatura e arte do país. João escreve porque ama.
Para Letícia e Gabriel.
Foto: Arquivo Revide