OPINIÃO: Ensaio sobre a cegueira na transparência ribeirãopretana
Não houve avanço estrutural nos mecanismos de transparência e controle social
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Na narrativa escrita por José Saramago, a população está cega. Uma cegueira branca, como se os olhos estivessem ofuscados por intensa luz. Não era a escuridão, mas o seu oposto. O resultado, porém, era o mesmo: impossibilidade de enxergar.
O contexto pode ser trazido para Ribeirão Preto. Parte dos gestores públicos acredita haver uma imensa claridade sobre os seus atos, como se a máquina pública estivesse revestida de transparência plena e total, sem necessidade de reparos. Estão parcialmente cegos para a realidade. E são avessos à ajuda externa para ampliarem a visão.
Por meio de seus representantes, o Comitê de Transparência publicou, na semana passada, um artigo na Revide apontando a necessidade de avanços do Executivo no controle interno e externo, de modo a aumentar a eficiência e prevenir irregularidades. Citamos a Política Municipal de Transparência e Controle Social, cujo anteprojeto foi por nós entregue nas mãos do prefeito em 3 de dezembro de 2019 e, até o momento, está engavetada, apesar do comprometimento público de que seria encaminhada ao Legislativo em fevereiro.
A decisão pela publicação do artigo foi tomada após tentativas infrutíferas de diálogo institucional. A resposta do governo a ele não veio com a abertura à sociedade para o aperfeiçoamento das políticas públicas, mas sim em um artigo próprio, assinado pelo secretário da Casa Civil, em que ficou escancarada a incapacidade da autocrítica, aliada a uma necessidade do autoelogio.
Reafirmamos: não houve avanço estrutural nos mecanismos de transparência e controle social. Obviamente ocorreram melhorias. Em parte proativamente pelo Executivo, em outra por exigência legal imposta pelo Legislativo. Não se verificou, porém, a evolução possibilitada pelas novas tecnologias. E o que é pior: nem mesmo a legislação é cumprida a contento.
As compras sem licitação são flagrante exemplo. Em desrespeito a leis federais e municipais, a prefeitura não as divulgava por completo. Foi necessário o alerta público deste Comitê de Transparência, no início de abril, para que a legislação fosse enfim atendida.
Outro exemplo recente: no relatório Fiscalização Ordenada 2020 - Transparência nas Entidades de Terceiro Setor, publicado no mês passado, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) aponta para a ineficiência de transparência na Fundação Santa Lydia, controlada pela prefeitura. Não estão disponíveis no site, segundo o TCE, informações como relatórios financeiros e contratos atualizados.
Em seu artigo, a prefeitura exalta que seu “Portal da Transparência oferece, a quem interessar, inúmeros filtros e em tempo real”, elencando diversos itens. Esqueceu de dizer, porém, que o sistema não permite consulta da série histórica da folha de pagamento (apenas o mês atual), que não é possível fazer o download de um conjunto de notas fiscais (somente individuais), que não há suporte para API (Application Programming Interface), que não existe um portal de dados abertos, entre muitos outros.
Trazendo o debate para o contexto da Covid-19: quantos leitos de UTI hoje estão disponíveis? E ocupados? Qual a taxa de ocupação nas enfermarias? Informações que não são publicadas nos boletins epidemiológicos e no site oficial. O município não sabe, ou apenas não divulga? Em ambos os casos, há um problema.
Defendemos que a prefeitura promova a transparência ampla, que atenda desde o cidadão com demandas complexas até aquele com necessidade de dados simplificados. Precisamos de painéis interativos, para consulta de indicadores que informem o equilíbrio financeiro do município, a eficiência (ou não) na saúde e educação, a evolução e mensuração das políticas públicas, entre outros.
Significativo, nesse sentido, que o Programa de Acompanhamento de Metas desta gestão tenha sido atualizado pela última vez em dezembro de 2018, ou seja: há um ano e cinco meses, conforme consta no site da prefeitura.
Não é este, porém, o foro adequado para realizarmos todos os apontamentos necessários. Esse debate deve ser institucionalizado, por meio de mecanismos oficiais e permanentes. Justamente por isso sugerimos a criação do Conselho Municipal de Transparência e Controle Social e o Plano Municipal de Dados Abertos, entre outros.
Reiteramos que o Comitê Municipal de Transparência, composto por 15 entidades, está à disposição da prefeitura para este debate. Nosso objetivo é auxiliar os gestores públicos a ampliar o horizonte de visão. E, com isso, promover avanços em transparência, de modo a iluminar a sociedade para o exercício do controle social. Todos ganhamos com os olhos bem abertos.
*Texto assinado por: Alberto Borges Matias (presidente do Observatório Social de Ribeirão Preto), Alexandre Souza Cruz (vice-presidente do Centro Médico), Eduardo Marchesi de Amorim (presidente do Instituto Ribeirão 2030), Douglas Marques (vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da 12ª Subseção da OAB), Jorge Sanchez (conselheiro da Amarribo) e Victor Jorge (cofundador da Nexos Gestão Pública – FEA/USP), representando as 15 entidades do Comitê Municipal de Transparência.
Foto: J.F. Pimenta