Pilar da democracia

Pilar da democracia

No dia 25 de março é celebrado o Dia da Constituição; juristas de Ribeirão Preto ressaltam a importância da Constituição para a democracia

* Matéria de capa da edição 1.105

Texto: Paulo Apolinário e Aline Leite 

A Constituição é a “lei das leis” de um país. É o documento que regula como as demais leis devem ser elaboradas. É na Constituição, por exemplo, que está determinado que o Brasil é uma república federativa, formada pela união indissolúvel dos estados, municípios e o Distrito Federal. Também está disposto, de maneira clara, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo o direito inviolável à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. A importância desse documento, que prioriza os Direitos Humanos e coloca todos – ricos ou pobres – abaixo da lei, é celebrada no dia 25 de março: o Dia da Constituição. Nessa data, em 1824, foi outorgada pelo imperador Dom Pedro I. Apesar do avanço que representou na época, aquele conjunto de leis sofreu pressão dos detentores do poder, em especial do próprio imperador. Em 1822 uma assembleia constituinte com a tarefa de elaborar uma constituição foi convocada, mas as propostas de limitação do poder da coroa não agradaram D. Pedro. Foi essa Constituição que instaurou os quatro poderes do Brasil Império: Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador. Este último, conferindo “super poderes” ao imperador. 


Nos últimos 198 anos, o Brasil esteve sob as diretrizes de sete constituições diferentes. Uma média de uma nova Constituição a cada 28 anos. A Constituição Cidadã de 1988 é, segundo especialistas, uma das mais completas, democráticas e igualitárias que o Brasil já teve. Essa lei avança as conquistas esboçadas na Constituição de 1946 no campo dos direitos básicos do cidadão, separação dos poderes e funcionamento do Estado. O texto ainda impõe cláusulas pétreas, ou seja, que não poderão ser alteradas. São elas: o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais. Além disso, a própria Constituição oferece mecanismos democráticos para o seu aperfeiçoamento, desde que nenhum direito fundamental seja violado. Ou seja, a defesa da Constituição, apontam os especialistas ouvidos para esta matéria, é uma defesa aberta do Estado Democrático de Direito brasileiro. 

TODAS AS CONSTITUIÇÕES

Constituição de 1824
Brasil Império

Constituição de 1891
Brasil República

Constituição de 1934
Segunda República

Constituição de 1937
Estado Novo/Ditadura Vargas

Constituição de 1946
Período democrático

Constituição de 1967
Ditadura militar

Constituição de 1988
Constituição Cidadã

APRENDIZADO CONSTANTE

Fábio Pereira

Para o advogado Fábio Pereira, a aspiração maior de todo ser humano é uma existência com liberdade e com a preservação dos seus direitos e obrigações. O Estado Democrático de Direito é a única forma de Estado que dá confere esse direito ao povo. “Não é por outra razão que a defesa intransigente do Estado Democrático de Direito é tão importante para a população de qualquer país”, comenta.  Fábio Pereira é formado em Direito, com especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro dos Estudos Tributários (IBET). O advogado destaca que a Constituição Cidadã de 1988 representou e representa um significativo marco no processo de redemocratização do Brasil. “Ela foi e é essencial para a sedimentação da Democracia Brasileira, ainda que com todas suas imperfeições e defeitos. Fruto do anseio popular materializado pelo trabalho de uma Assembleia Nacional Constituinte legitimamente eleita a Constituição Cidadã de 1988 cravou marco definitivo para o estabelecimento de um Estado Democrático de Direito no Brasil”, pondera. O escritório Pereira Advogados iniciou as atividades em julho de 1989, menos de um ano após a promulgação da Constituição Cidadã de 1988. “Todos os advogados, de forma geral, inclusive nós, vivenciamos tempos de grande aprendizagem com a Constituição Cidadã de 1988”, lembra Pereira. 

E não só os advogados precisaram se adequar, os governos e os legisladores também vivenciaram e vivenciam até hoje esse aprendizado. “Quem não se lembra do famoso Plano Collor, de 1990. Das flagrantes e sucessivas inconstitucionalidades tributárias. Da evolução legislativa decorrente da nova Constituição, ainda não totalmente implementada pelos legisladores. Ainda que desafiantes estes últimos 34 anos foram muito intensos estimulantes para muitos, inclusive na trajetória do Pereira Advogados na advocacia”, comenta.  O aprendizado constante, vez ou outra, termina em atritos e diferentes entendimentos da Constituição. Nos últimos anos, o país assistiu a uma crescente judicialização de assuntos legislativos. Deputados, senadores e até vereadores recorrem à justiça para debater a aplicação de determinado trecho constitucional. Para Pereira, a judicialização de pautas do legislativo configura o pleno funcionamento de um Estado Democrático de Direito. “O Poder Judiciário é um dos três poderes que formam os pilares de uma democracia. O exercício dos poderes reservados a cada um dos três Poderes do Estado na forma constitucionalmente disciplinada caracteriza o pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito”, explica o especialista.

O ESCRITÓRIO

O escritório Pereira Advogados é uma das primeiras sociedades de advogados implantadas na região de Ribeirão Preto. Atualmente, a banca funciona em moderna instalação na Avenida Maurilio Biagi A história dos irmãos Fábio Pereira e Rogério Pereira na advocacia teve início em 1988, quando, após adquirirem experiência na área administrativa em uma empresa do setor sucroalcooleiro, passaram a prestar serviços para esta empresa na área do Direito.  Em 1989, montaram o primeiro escritório, em Sertãozinho, sempre tendo como foco o segmento empresarial e de negócios, proporcionando aos clientes todo o suporte jurídico às atividades relacionadas. “No dia a dia do Pereira Advogados temos a felicidade de dar suporte aos líderes dos times que cuidam das áreas de direito público e empresarial”, diz Pereira. Aproveitando a ampla expertise na área do agronegócio, o Pereira Advogados expandiu cada vez mais a sua atuação, tornando-se completamente multidisciplinar e atendendo uma enorme diversidade de setores e de segmentos. Destaca-se o grande trabalho e incentivo à prevenção, oferecendo recursos profiláticos e assessoria organizacional para que futuros ruídos empresariais possam ser sanados e evitados antes que se tornem problemas reais. “Temos muito orgulho de contar com profissionais advogados, assistentes e estagiários que amam a advocacia e amam o que fazem. É impressionante o brilho nos olhos de nossos profissionais diante de um desafio nos vários campos de atuação da advocacia. E este é o diferencial que imaginamos possuir: nossa gente”, enaltece o advogado.

COM A PALAVRA

“Não existe país democrático sem uma Constituição. As Constituições em vigor nos vários países democráticos podem ser melhores ou piores, extensas ou sucintas, detalhistas ou sintéticas, dentre outros adjetivos. Mas em hipótese alguma existirá um país democrático sem uma Constituição”.

CONQUISTA POPULAR

Dirceu Crysóstomo 

Ferramenta de regulamentação da vida em sociedade e organização do Estado, a Constituição fundamenta todo o ordenamento jurídico, os princípios legitimados pela vontade popular, garantindo que os poderes constituídos se pautem delimitados pela escolha democrática do povo. Sobre as mudanças democráticas vividas pela sociedade, após a Constituição de 1988, o advogado e superintendente do Instituto Ribeirão 2030, Dirceu Crysóstomo, afirma que o avanço dos mecanismos legais da cidadania, fundamentada pela dignidade humana, foi extraordinário. “O primeiro e enorme avanço democrático foi a elaboração da Constituição. Porém, é preciso que cidadania, com dignidade humana, se efetive no Brasil, para todas as brasileiras e brasileiros, de modo igual e inclusivo. Eis o grande avanço, que ainda é um desafio a ser alcançado”, destaca Crysóstomo. Para ele, a construção legislativa da carta magna deveria ser de conhecimento de todo o povo e sempre lembrada. “A constituinte foi um período extraordinário na história do Brasil, marcado pela expressão livre de ideias e ideologias, de debates extremos, mas no limite permitido pelas regras postas naquele momento. Marcada pela participação popular direta no Congresso Nacional, com as inúmeras audiências públicas e com auditórios e salas repletas de pessoas ávidas por construir uma constituição democrática, a contribuição valiosa da imprensa multiplicando os debates pelo território nacional e noticiando diariamente os avanços em Brasília”, lembra o advogado.

Crysóstomo não acredita que exista uma crise política ou institucional no Brasil, ele considera que as instituições, especialmente as públicas, estão desempenhando as funções constitucionais e legais para as quais foram criadas. “Embates entre pessoas que atuam nas instituições sempre ocorrerão, mas o essencial é que as funções públicas ordenadoras das condutas sociais ocorram de forma eficaz, realidade que constatamos no Brasil de hoje. Não há desordem social e espera-se que não venha a ocorrer”, afirma. Já os desafios para o cumprimento da Constituição, sempre ocorreram no país. Um dos fatores é que o Brasil tem uma produção de leis abundante, considerando o modelo federativo com União, Estados, Distrito Federal e municípios editando leis. “Existem muitas leis que são feitas contrariando o texto constitucional. Somente no ano de 2020, pelos dados do Anuário da Justiça, publicado em 2021, foram julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, 408 ações em que se discutia diretamente a inconstitucionalidade de uma lei e foram reconhecidas como contrárias à Constituição 263 leis”, informa o especialista. 

Há um grande número de dispositivos constitucionais que, desde de 1988, ainda não foram regulamentados. Em levantamento realizado durante comemoração dos 30 anos da Constituição, 116 disposições constitucionais ainda precisavam de regulamentação. A ausência de complemento legal permite uma atividade judicial para resolução de situações concretas que não deveria ocorrer. Por outro lado, ao final de 2021, a Constituição já havia sido modificada por 111 emendas, o que implica dizer que foram feitas mais de três mudanças anuais na constituição, em média. “Um Estado Democrático de Direito pressupõe limites na atuação das instituições. Limites que a própria constituição impõe aos poderes constituídos e à sociedade, sendo exemplos comuns a observância aos direitos e garantias individuais e coletivos, os direitos políticos, a separação dos poderes, o devido processo legislativo. O agir de uma instituição, seja qual for, além dos limites constitucionais, expressos e implícitos, fere o pacto democrático formalizado pela Sociedade do Brasil na Constituição de 1988. Dizia o Ministro Marco Aurélio, já aposentado, em vários dos julgamentos no Supremo Tribunal Federal, para os demais Ministros: ‘Precisamos amar mais a nossa Constituição’. É o que se precisa fazer”, cita o Crysóstomo.

CONSTITUIÇÃO POPULAR

Quanto mais democrático for o conhecimento da Constituição, mais ela será efetiva na vida social. É fundamental que a sociedade a conheça para exigir o seu cumprimento, exerça os seus direitos e cumpram os seus deveres, em seus devidos termos. Conhecer para exigir que os poderes constituídos entendam que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, como determina o artigo primeiro. “Tenho convicção de que cidadania se aprende exercitando, mas a partir do conhecimento do que ela realmente é, dos meios formais que a viabilizam, do processo cultural de como fazer além dos meios formais, como prática cotidiana da vivência social, o que implica, necessariamente, em um processo educacional contínuo. Assim, a criança já precisa ser educada como cidadã, afinal é um dos seus direitos fundamentais. O Estado Democrático não é um presente, é uma conquista popular”, finaliza Crysóstomo.

COM A PALAVRA


“Nos Estados democráticos, a constituição, enquanto documento jurídico, resume formalmente o pacto social e político que o povo efetivou num determinado momento histórico, consequência da valoração estruturante da sociedade e resultado de uma ruptura revolucionária com o passado. A constituição impõe, sendo a lei que fundamenta todo o ordenamento jurídico, os princípios legitimados pela vontade popular, garantindo que os poderes constituídos se pautem delimitados pela escolha democrática do povo, fonte originária do poder estatal”.

SEGURANÇA JURÍDICA

Marcelo Salomão

Marcelo Salomão, advogado e sócio-presidente do escritório jurídico Brasil Salomão e Matthes Advocacia, faz uma defesa sólida da Constituição. O advogado explica que a Constituição Federal é a base de sustentação da democracia brasileira e de qualquer país. “A nossa veio após um triste período de ditadura, o que portanto, reforça a sua importância para a democracia brasileira”, destaca. A nossa carta magna é conhecida como “Constituição Cidadã” porque se preocupou em deixar explícitas diversas garantias aos cidadãos brasileiros contra eventual abuso das autoridades. “Isso é fruto exatamente da transição de um governo ditatorial para um democrático. Foi a forma que o constituinte brasileiro encontrou para proteger a nossa sociedade, pois quem tem o poder tende a dele abusar”, acrescenta Salomão. A Constituição Federal é hierarquicamente a norma mais importante do país e é composta por princípios e regras que devem ser respeitados por todas as outras normas, portanto, nenhuma lei federal, estadual ou municipal pode, direta ou indiretamente, burlá-la. “Só para que se tenha ideia de alguns princípios constitucionais citamos o da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da livre iniciativa, da legalidade, da ampla defesa, liberdade de expressão e religiosa”, exemplifica.

Soma-se a isso outra característica muito importante: o Brasil tem uma constituição classificada como “rígida”, ou seja, de difícil alteração. “Ou pelo menos deveria ser, pois até essa característica estrutural, que é uma garantia da prevalência de seus princípios, tem sido ignorada pelo Congresso Nacional, que já promulgou 111 emendas até hoje. Em termos de comparação a Constituição Americana é de 1787 e até hoje sofreu apenas 27 emendas. Vale dizer, a sociedade americana e o resto do mundo sabem o que vale naquele país, já no Brasil estar na constituição nem sempre significa uma certeza, uma garantia de aplicação”, argumenta. Todavia, superando isso, assegura Salomão, teremos a tão almejada segurança jurídica, que é uma das grandes diferenças entre um país desenvolvido e outro em desenvolvimento. 

A Constituição deixa claro em seu artigo primeiro que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e depois, de forma explícita, diz que esta condição não pode ser alterada. “Isto significa que o país não é dos governantes, mas sim do povo e mais, sob o rígido império da lei”, esclarece Salomão. Não por outra razão, a Constituição dispõe que todos são iguais perante a lei. Sendo assim, todos, sem exceção, tem direito à liberdade, em todas os seus sentidos, e à segurança, inclusive a jurídica.  A defesa do Estado Democrático de Direito é a garantia dada pela constituição ao povo, de que sua essência será respeitada e que somente através da sua vontade é que será promoverá qualquer alteração no sistema. “É importante que lembremos que os governantes, por nós eleitos, não possuem ‘um poder-dever mas sim um dever-poder’, isto é, por sermos também uma República, o Executivo recebe o dever de cuidar do nosso país e só lhes outorgamos poderes para cumprir os seus deveres”, acrescenta o advogado. 

JUDICIALZIAÇÃO

Sobre o fenômeno da judicialização, Marcelo Salomão classifica como um “grande atraso para o Brasil”. “Vejo como razão deste problema a constante publicação de leis que violam descaradamente a Constituição Federal. Por outro lado, precisamos de um Supremo Tribunal Federal (STF) que seja absolutamente independente e apolítico, para que a vontade da lei prevaleça e não a vontade do Executivo, do Legislativo ou do próprio Judiciário”, explica. Segundo o especialista, a própria constituição que determina que o STF é o seu guardião, mas como tem se tornado habitual, o Supremo tem inúmeras decisões onde o “viés político prevalece sobre o texto constitucional”. Salomão ressalta que a constituição estabelece a absoluta igualdade, independência e harmonia entre os poderes, “basta que cada um deles cumpra suas funções detalhadamente desenhadas em nossa Carta Magna para que esta judicialização seja significativamente reduzida”. 

COM A PALAVRA

“Toda Constituição é a garantia de que o povo, através de seus representantes, definiu as diretrizes sob as quais o país deve ser comandado. Bastaria o respeito aos princípios constitucionais para que o Brasil estivesse em outro patamar de segurança jurídica e paz social. Termino com a lição de Celso Antônio Bandeira de Melo, de que ferir um princípio constitucional é muito mais grave do que violar uma lei, pois aquele contém a vontade da nação brasileira protegida pela constituição e com o dever de salvaguarda pelo Supremo Tribunal Federal.”

 

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