Sete anos após tragédia de Mariana, em Minas Gerais, entenda o processo indenizatório
A atuação da Fundação Renova com os processos reparatórios tem sido alvo de diversos questionamentos judiciais

Sete anos após tragédia de Mariana, em Minas Gerais, entenda o processo indenizatório

Maior tragédia ambiental do Brasil completa sete anos neste sábado, 5

O dia 5 de novembro marca os sete anos do rompimento da barragem da mineradora Samarco, que liberou 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos em Mariana (MG). A lama que se espalhou no ambiente deixou 19 mortos, destruiu comunidades inteiras e impactou dezenas de municípios ao longo da bacia do Rio Doce, até a foz no Espírito Santo. Com milhares de atingidos, o processo indenizatório é ainda marcado por algumas divergências.

 

Em março de 2016, quatro meses após a tragédia, a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo assinaram um acordo que ficou conhecido como Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC). Ele estabelece 42 programas. A indenização é tratada em um deles, mas há outros que abordam, por exemplo, os processos de reflorestamento, a melhoria da qualidade da água e a reconstrução das comunidades que foram destruídas. Conforme previsto no acordo, para administrar todos esses programas, foi criada a Fundação Renova. Ela deve ser mantida com recursos das três mineradoras, mas deve ter autonomia em relação a elas.

 

No entanto, o TTAC não tratou da composição da direção da entidade. O tema foi deixado para o Estatuto, que garantiu às mineradoras poder de indicação dos diretores. Atualmente, seis dos nove membros do conselho curador são nomeados pela Samarco, Vale e BHP Billiton. E é esse conselho curador que elege o presidente da Fundação Renova. O primeiro presidente Roberto Waack terminou seu mandato no final de 2019, quando foi substituído por André de Freitas.

 

A atuação da Fundação Renova frente ao processo reparatório tem sido alvo de diversos questionamentos judiciais por parte dos atingidos e do Poder Público. O Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) chegou a pedir sua extinção por considerar que ela não possui a devida autonomia frente às três empresas. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) conduziu uma tentativa de repactuação do processo reparatório, mas as as negociações fracassaram e foram encerradas em agosto.

 

Segundo dados da Fundação Renova, até setembro, foram gastos cerca de R$ 9,6 bilhões com indenizações. Esses valores dizem respeito ao pagamento de danos morais, de perdas materiais e de lucros cessantes, isto é, os ganhos financeiros que os trabalhadores afetados deixaram de obter após o rompimento da barragem.

 

Quase 80% desse valor foi repassado por meio do Sistema Novel, criado em 2020 a partir de decisões judiciais que determinaram pagamentos a categorias informais como artesãos, carroceiros, lavadeiras, areeiros e pescadores, além de pescadores profissionais, proprietários de embarcações e empresas como hotéis, pousadas e restaurantes. Até o momento, 70,3 mil pessoas foram atendidas, mas o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contesta valores e procedimentos associados ao sistema.

 

Além de valores indenizatórios, a Fundação Renova afirma ter destinado R$ 1,95 bilhão para pagamento de auxílios financeiros até setembro de 2022. Assegurado a todos os atingidos que perderam suas rendas na bacia do Rio Doce, ele envolve valores mensais que não podem ser deduzidos das indenizações individuais. Esse auxílio tem sido alvo de uma queda de braço judicial e extrajudicial entre a entidade, os atingidos e o MPF, já tendo sido suspenso e restabelecido algumas vezes.

 

Multas com o Ibama

 

Enquanto a tragédia em Mariana chega ao seu sétimo aniversário, a Samarco está prestes a completar dois anos da retomada de suas operações. A mineradora não quitou nenhuma das multas ambientais impostas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em decorrência do rompimento de sua barragem. Conforme informações do órgão ambiental, foram lavrados 25 autos de infração que totalizam R$ 350,7 milhões.

 

A Samarco reiniciou suas operações em 23 de dezembro de 2020. Após a tragédia, a empresa foi obrigada a interromper suas atividades. Antes de voltar a produzir, precisou fazer diversas obras para obter a Licença Operacional Corretiva (LOC), que restabeleceu todas as licenças suspensas pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad). Além disso, foi necessário obter junto ao próprio Ibama uma licença unificada com validade de 10 anos para operação dos três minerodutos que interligam os complexos situados em Mariana (MG) e em Anchieta (ES).

 

De acordo com a Samarco, foram quitadas as multas impostas pela Semad. As infrações apuradas pelo órgão estadual resultaram em uma cobrança de R$ 112 milhões. "Sobre outras autuações, há questionamentos administrativos e jurídicos em curso", diz a mineradora em nota. Ela tem sustentado que há cobrança em duplicidade, já que as autuações do Ibama e da Semad teriam os mesmos fundamentos e foram aplicadas na mesma época.

 

As operações da Samarco foram reiniciadas de forma parcial, com 26% da sua capacidade total. No início deste ano, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), órgão colegiado consultivo e deliberativo vinculado à secretaria, deu aval para que a área de trabalho fosse ampliada, permitindo a supressão de 35 hectares de vegetação nativa, com posterior compensação. A mineradora estima que somente em 2029 deverá alcançar uma escala de produção entre 22 e 24 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Este é o patamar em que ela estava antes da tragédia.

 

Além de atender exigências dos órgãos ambientais, também foi preciso cumprir uma série de pré-requisitos definidos em acordo firmado com o Ministério Público do Trabalho (MPT). As operações só poderiam ser reiniciadas depois que fossem restabelecidas as condições de segurança do trabalho, reavaliado o estado de equipamentos e realizados estudos adicionais sobre os riscos das estruturas. No mesmo acordo, a Samarco se comprometeu a pagar R$ 40 milhões a título de compensação por danos morais coletivos, valor a ser empregado em benefício das comunidades atingidas.

 

Junto com a retomada, foi apresentada também uma nova logomarca. "A antiga, de 1992, foi substituída por uma versão mais moderna e representativa. A nova identidade e o slogan Aprender para evoluir e transformar traduzem o momento atual da empresa, pautado pelas lições aprendidas, pela evolução e por mudanças necessárias para reconstruir as relações de confiança", informou a mineradora na época.

 

A retomada chegou a gerar descontentamento entre os atingidos pela queda da barragem e o Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG), que criticaram a mineradora por voltar a produzir antes de concluir as obras de reconstrução das comunidades de Bento Rodrigues e de Paracatu. Ambas foram devastadas na tragédia.


Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

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