A fila da fome
Frequentadores da ONG fazem fila para a distribuição das marmitas

A fila da fome

Pessoas em situação de rua e famílias completas buscam ONG de Ribeirão Preto que distribui marmitas, cestas básicas, roupas e, especialmente, carinho e atenção

Eram 17h30 e os termômetros atingiam 12ºC em Ribeirão Preto. Mesmo com a temperatura que despencava a cada minuto, Vitor Alexandre Alves, de 40 anos, era um dos primeiros da fila na ONG Resolvi Mudar, no bairro Campos Elíseos. Ele aguardava o início da distribuição de marmitas e a entrega de cestas básicas, realizada após as 19 horas, toda quarta-feira. A noite daquele dia 18 de maio foi considerada a mais fria do ano, com mínima de 6ºC. Mesmo assim, o projeto conseguiu distribuir 485 marmitas, além de roupas, mantas além de carinho e atenção. Cozinheiro desempregado, Vitor mora na Favela da Mangueira com sua irmã e quatro sobrinhos. Ele conta que a dificuldade financeira o leva toda semana para a fila da ONG. “Faço bicos para sobreviver e vendo bala no sinal. As marmitas e a cesta básica que pego aqui nos salvam”, revela. O projetista Florisvaldo Pereira de Souza dos Santos, de 66 anos, estava na fila ao lado da esposa, que sofreu um AVC há três anos. Ele afirma que não consegue pedir o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o benefício assistencial para idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência, com renda familiar menor que um quarto do salário mínimo. Seu Vavá, como é conhecido, não consegue emprego por conta da idade. Por isso, faz bicos e recolhe papelão. “Moramos na casa de conhecidos, sem pagar aluguel, na Vila Virgínia. Estamos passando apertado há dois anos. Venho aqui para pegar cesta básica. Quando dá, cada um pega duas marmitas, para sobrar para o almoço do dia seguinte, porque a situação está feia”, detalha.

Já a auxiliar de serviços gerais Denise Dantas de Souza, de 51 anos, disse que o que a leva ao projeto é o desemprego. Ela mora sozinha de aluguel na Vila Tibério e fala que vai ocasionalmente ao local. “Ajuda muito quem não está em situação de rua, mas está em uma situação de fragilidade também. Tenho esperança da minha situação melhorar. Meu projeto é voltar a estudar e prestar o Enem”, ressalta. Também desempregada, a ajudante de serviços gerais e auxiliar de limpeza Bárbara Aparecida Seixas, de 40 anos, disse que passou por uma situação de rua e perdeu a guarda dos seis filhos, que estão em um abrigo. Hoje, ela mora em uma quitinete e está na luta para reconquistar a sua família. “Venho à ONG para buscar ajuda, roupa de frio, pego marmita e também venho atrás de serviço. Todo dia, eu durmo pensando que amanhã vai ser um dia melhor que hoje e esperando a quarta-feira, porque é muito bom vir aqui, me sinto em família”, esclarece. Em sua primeira ida ao projeto, a auxiliar de cozinha Sirliane Bastos Silva, de 24 anos, explica que veio do Ceará com a irmã, os dois filhos e a mãe em busca de serviço há cinco meses. Ela faz bicos lavando louça em restaurantes e depende do Auxílio Brasil. Na ONG, foi atrás de cesta básica e das marmitas. “Agora no frio, o movimento nos restaurantes fica mais fraco e não chamam a gente para trabalhar. Mas estou atrás de um emprego fixo em restaurante para dar uma vida melhor aos meus filhos”, comenta.

A fundadora da ONG, Paula Domenichelli, conta que geralmente são servidas 400 marmitas por semana, além da distribuição de 180 cestas básicas mensais. “Hoje, não atendemos apenas o público em situação de rua. Tem também famílias em situação de vulnerabilidade social, pessoas que às vezes não têm o gás de cozinha em casa ou que estão com dificuldade para comprar comida. Muitas das mães que frequentam aqui recebem só um salário mínimo ou são faxineiras e, com o que ganham, não conseguem mais sustentar a casa, pois o supermercado e as contas estão cada vez mais caros”, relata. Segundo ela, o projeto precisa da doação de alimentos para fazer as refeições e montar as cestas básicas, além de roupa, cobertor, agasalho, meia, touca e sapato. “Seria muito bom se as pessoas pudessem vir conhecer e ver que o nosso mundinho não está dentro de quatro paredes. Do lado de fora, a situação está muito difícil para muita gente, e não podemos simplesmente fechar os olhos para o que está acontecendo com essas pessoas”, salienta Paula. A diretora financeira da ONG, Luciana Almeida, reforça que ajudar ao próximo é o que move os voluntários do projeto. “É poder fazer o bem sem olhar a quem, é ver uma pessoa feliz depois de uma conversa, é ver uma pessoa com frio acalentada”, conclui.

A conversa da reportagem com os voluntários acaba porque vai começar a distribuição das marmitas. Duas filas foram formadas: uma, na portaria do projeto, com os homens em situação de rua; a outra, no portão maior, é para as mulheres, idosos e famílias. Quando a fila do lado das mulheres se organiza, os primeiros atendidos são as crianças de idades variadas, desde as pequenas até as maiores. Mães com bebês recém-nascidos no colo buscavam roupinhas de bebê e mantinhas de frio, além da alimentação. No cardápio do dia, arroz, feijão, polenta e linguiça calabresa ao molho. Cada pessoa recebe uma senha e é atendida conforme é chamada. Em uma mesa grande, os voluntários entregam a refeição, uma garrafinha com chocolate quente, um copo com canjica, cachos de uva e uma garrafinha com suco de morango para cada um. Ao final, algumas mulheres que chegaram mais tarde e estavam sem a senha puderam pegar suas marmitas. Em seguida, sobraram algumas refeições e os voluntários convidaram quem estava por perto para o “repeteco”, até toda a alimentação disponível acabar. Aos poucos, quase todos vão embora e o voluntariado começa a limpeza do local. Do lado de fora, enquanto alguns lavavam a calçada, Paula conversava com um homem em situação de rua. Animado, ele prometia voltar na semana seguinte, despediu-se e, enquanto atravessava a rua, a fundadora da ONG falou: “Ricardo, até a semana que vem”. Emocionado, ele vira para um amigo e diz: “Olha só, ela sabe o meu nome”.

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