Bons caminhos

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Arquiteto urbanista e consultor em engenharia de trânsito, Fernando Velázquez discute dependência do carro, modelos ideais de mobilidade urbana e como garantir a segurança nas ruas de Ribeirão Preto

Ribeirão Preto cresce rapidamente, mas o trânsito pelas ruas da cidade foi se tornando cada vez mais lento. Longe de cobrir apenas o problema de lentidão nos horários de pico, o planejamento do trânsito deve passar por mudanças importantes, com o objetivo de adequar a malha viária ribeirãopretana para um desenvolvimento sustentável da cidade.

 

Somente em 2021, foram registradas 83 mortes no trânsito de Ribeirão Preto de acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP). Além das obras de mobilidade urbana que estão causando mudanças nas ruas de Ribeirão Preto – como os corredores exclusivos de ônibus das avenidas Independência e Presidente Vargas, na Zona Sul –, um dos grandes desafios do poder público é lidar com o crescente número de veículos ruas da cidade. Na entrevista da semana, o arquiteto urbanista e consultor em engenharia de trânsito Fernando Velázquez explica que é preciso equilíbrio para que motoristas, pedestres e passageiros possam conviver com harmonia.

 

Ribeirão Preto já ultrapassou os 700 mil habitantes, e tem em torno de 1 carro para cada 2 pessoas, mais que a média nacional. Nos tornamos uma cidade dependente do carro? Como isso impacta no dia a dia da população?

A dependência do automóvel em relação aos deslocamentos acontece em todas as cidades. Isso não é uma exclusividade de Ribeirão Preto. Esse problema se dá pelo fato de uma política rodoviarista já implantada no Brasil há muitas décadas, e pela deficiência de outros modos de transporte de equilibrar a oferta e a demanda com base no transporte público no transporte ativo, de modo a fazer integração entre eles.

 

Essa dependência está muito atrelada também a políticas públicas muito rasas, que não ofertam um serviço com qualidade, que possibilite a escolha pelo modo de transporte mais conveniente. Atrelado à aquisição de mais e mais automóveis e motocicletas, acaba tendo congestionamentos e altos índices de acidentes. É uma solução difícil, se não houver políticas públicas voltadas a priorização do transporte público e transporte ativo.

 

Essa situação de crescimento de veículos individuais deveria realmente acompanhar o crescimento da cidade? Ou outros modais deveriam ser priorizados?

Isso é uma falácia. Se a gente tem um crescimento crescente da frota atrelado a esse desenfreado crescimento de capacidade, o resultado dessa soma aí vai dar o colapso geral no sistema. Na verdade, a gente tem que reequilibrar a oferta e a demanda através de priorização do transporte coletivo e principalmente do transporte ativo. Hoje, se fala muito na questão da engenharia de mobilidade, em que principalmente em áreas centrais é preciso dar preferência para o pedestre, única e exclusivamente dar preferência ao acesso ao transporte público por ônibus e às bicicletas.

 

Ter essa integração para atender áreas mais conturbadas da cidade que acabam atraindo num grande de viagens. Tudo isso faz com que você de alguma forma retire um considerável número de veículos individuais das ruas e passe a colocar no transporte, que tem maior capacidade. Isso não quer dizer que temos que abolir o uso do automóvel, mas é preciso organizar e equilibrar o espaço entre ônibus e carros, visto que os coletivos ocupam muito menos espaço por pessoas transportadas por quilômetro.


Parece existir hoje em dia uma transição do ônibus para outros meios de transporte. Aqui em Ribeirão Preto, várias pessoas estão abandonando os coletivos. Onde o sistema de transporte público da cidade está falhando?

Essa evasão do transporte público para o transporte individual, além de ser uma cultura já muito enraizada no Brasil, tem muito a ver também com a economia, com a facilidade de crédito para aquisição desses automóveis. Existe ainda a questão de que o transporte público não oferece um serviço de qualidade, com frota antiga, sem ar-condicionado.

 

Ribeirão Preto vai se espalhando cada vez mais, aumentando a distância de viagem, e provocando uma evasão desses usuários. Isso desestimula mesmo as pessoas a utilizarem o transporte coletivo e faz com que o sistema fique cada vez mais caro. O que daria para melhorar no serviço de transporte coletivo é rever também o modelo de contrato de concessões, para que sejam menos onerosos para os operadores. A empresa que vai oferecer o serviço não precisa ser responsável por todo o sistema.

Quais regiões da cidade ainda estão deficientes em mobilidade? As obras que ocorrem hoje vão ajudar a desafogar o trânsito dentro de Ribeirão?

Do meu ponto de vista, a Zona Sul é a que apresenta o menor índice de mobilidade. Existem poucas calçadas e quilômetros de ciclovias, poucas linhas de transporte público, ainda mais em uma região da cidade que é muito solicitada por serviços. E as obras de mobilidade que estão acontecendo vão ajudar nesse sentido. Os corredores como o Norte-Sul e o da Presidente Vargas têm essa estruturação de atender uma demanda naquela região e de trazer uma segregação mais eficiente do transporte coletivo para o transporte individual. Só que não pode parar por aí. É preciso ter uma integração em todas essas áreas e que o sistema de transporte público possa ligar as regiões da cidade de maneira mais efetiva.

 

Reduzir as mortes e acidentes no trânsito é uma das metas propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) até o fim da década. Como o poder público deve agir para diminuir esses números?

Isso só é possível com a colaboração do poder público, da sociedade civil e da engenharia em atrelar programas que conscientizem as pessoas e os técnicos da área. Ultimamente, temos novos conceitos, voltados principalmente para as rodovias, como que elas contemplem dispositivos para tirar a responsabilidade total do usuário em caso de acidente.

 

Essas estratégias também têm sido trazidas para áreas urbanas, com reduções de velocidade em grandes artérias de Ribeirão Preto, além de fiscalização maior em regiões onde são encontrados os maiores números de acidentes. A única forma que a gente tem de mudar é esse cenário é com engenharia, com conscientização e com divulgação das prefeituras e sempre fazendo parceria com instituições de ensino, que estão pesquisando sobre esse assunto. 


Foto: Rubens Okamoto/AEAARP

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