Hotel Umuarama: um Fantasma Modernista

Hotel Umuarama: um Fantasma Modernista

Fechado há mais de 30 anos, o antigo hotel que hospedou Pelé e governadores hoje é símbolo de abandono urbano em Ribeirão Preto; moradores e especialistas sonham com um futuro mais digno para o imóvel

De longe, o edifício parece apenas mais um bloco de concreto desgastado, marcado por décadas de exposição ao sol, à chuva e ao abandono. Mas, para quem conhece a história de Ribeirão Preto, o que restou do Hotel Umuarama, no Jardim Recreio, é um pedaço esquecido da memória arquitetônica e cultural da cidade. Um gigante adormecido que, décadas após seu fechamento, ainda espera por um futuro que faça jus a seu passado.

 

Inaugurado em julho de 1962, o Umuarama Recreio simbolizou o otimismo de uma cidade em crescimento, a arquitetura moderna em diálogo com a topografia do bairro e um novo estilo de vida urbano. Projetado pelo engenheiro Hélio Foz Jordão, o prédio seguia os princípios do modernismo brasileiro, com soluções ousadas para a época, como rampas substituindo elevadores, pilotis sustentando a garagem e uma integração estética com a vegetação ao redor. “A linguagem MEMÓRIA HOTEL UMUARAMA máticos da cidade. Quando Camila realizou seu levantamento arquitetônico, há dez anos, o cenário já era desolador. “O prédio estava completamente sem uso, com sinais claros de degradação, resultado de décadas sem manutenção adequada e de episódios de invasão”, relata. A situação é acompanhada com tristeza pelos moradores do bairro. Marcos Cabete, artesão e vizinho do imóvel, passa pelo prédio quase todos os dias. “É muito triste ver um lugar que já foi tão importante chegar nesse estado. Um prédio que trouxe gente, movimentou o comércio local, hoje está largado, cheio de mato e sujeira”, lamenta. Para ele, a transformação do espaço em uma casa de apoio para pacientes e acompanhantes do Hospital das Clínicas, que fica nas proximidades, seria uma solução de impacto social imedia- arquitetônica dele é clara, moderna e muito bem resolvida para a década de 1960”, descreve a arquiteta e urbanista Camila Nunes Ferreira Ruvieri, autora de um estudo acadêmico detalhado sobre o edifício.

 

Durante os anos em que esteve em funcionamento, o hotel foi palco de acontecimentos importantes. Recebeu personalidades como o então governador Carvalho Pinto e o rei Pelé, além de atletas, congressistas e turistas que buscavam lazer e descanso em um bairro ainda pouco adensado. As famílias locais frequentavam o restaurante e os salões de eventos. O Umuarama era um marco.

TRÊS DÉCADAS DE SILÊNCIO

 

O encerramento das atividades, em 1994, marcou o início de uma longa espera. Desde então, o prédio entrou em um ciclo de abandono e deterioração que, aos poucos, apagou as cores e a vida de um dos edifícios mais emblemáticos da cidade. Quando Camila realizou seu levantamento arquitetônico, há dez anos, o cenário já era desolador. “O prédio estava completamente sem uso, com sinais claros de degradação, resultado de décadas sem manutenção adequada e de episódios de invasão”, relata.

 

A situação é acompanhada com tristeza pelos moradores do bairro. Marcos Cabete, artesão e vizinho do imóvel, passa pelo prédio quase todos os dias. “É muito triste ver um lugar que já foi tão importante chegar nesse estado. Um prédio que trouxe gente, movimentou o comércio local, hoje está largado, cheio de mato e sujeira”, lamenta. Para ele, a transformação do espaço em uma casa de apoio para pacientes e acompanhantes do Hospital das Clínicas, que fica nas proximidades, seria uma solução de impacto social imediato. “Muita gente que vem de fora fica sem lugar para ficar. O hotel poderia ter essa função de acolhimento. Seria uma forma de devolver vida ao que hoje é só abandono”, sugere.

 

Apesar do desejo de Marcos parecer distante, o Hotel Umuarama ainda tem chance de escapar da ruína definitiva. Desde 2021, o imóvel possui um tombamento provisório concedido pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Conppac). Lucas Gabriel Pereira, presidente do órgão, afirma que o processo de tombamento definitivo está em fase final. “Se nada nos impedir, em cerca de três meses devemos entregar o tombamento definitivo do hotel. Isso é fundamental para garantir a preservação do imóvel e abrir caminho para projetos de revitalização”, explica.

 

Lucas também chama a atenção para o contexto cultural mais amplo que envolve o hotel. “Temos ali um patrimônio modernista que integra um bairro com um valor botânico subestimado. As ruas ao redor levam nomes de árvores da flora brasileira: Imbuia, Pau-Brasil, Guarita, Faveiros, Ipês... Isso deveria ser trabalhado nas escolas, nos museus, mas, infelizmente, é ignorado. Temos ali um manancial de memória ambiental e arquitetônica que precisa ser resgatado”, defende.

 

Lucas também destaca o potencial econômico do imóvel. “Ribeirão tem uma deficiência crônica de leitos na rede hoteleira, principalmente em eventos como a Agrishow e outros congressos anuais. O Umuarama poderia ser uma alternativa estratégica para aquecer o setor de turismo, gerar empregos e movimentar a economia. Mas a sensação é de que isso não interessa ao poder público. Faltam servidores, falta planejamento de longo prazo e, principalmente, falta vontade política”, critica.

 

Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Ribeirão Preto informou, por meio de nota oficial, que o Hotel Umuarama é uma propriedade privada e que a responsabilidade pela manutenção do imóvel cabe aos proprietários. “Apesar de estar desativado, o hotel permanece sob cuidados de seus donos, responsáveis pela manutenção, zeladoria e destinação do imóvel. A Prefeitura, por meio da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano e da Diretoria de Fiscalização Geral, realiza monitoramento da propriedade para assegurar que ela seja mantida em condições adequadas, em conformidade com a legislação vigente, garantindo assim a segurança, saúde e o bem-estar da população”, diz o comunicado.

 

Ainda segundo a Prefeitura, a administração municipal atua, dentro de suas atribuições, para fiscalizar o estado do prédio e tomar medidas quando necessário, mas reforça que a iniciativa de revitalização ou de nova destinação do imóvel é prerrogativa dos proprietários.

 

UMA DISPUTA ENTRE TEMPO, MEMÓRIA E BUROCRACIA

 

Enquanto o debate sobre o futuro do hotel segue, o tempo avança. Para a arquiteta Camila Nunes, a reabilitação do Umuarama não é apenas uma questão estética ou histórica, é uma necessidade urbana. “Deixar um espaço de mais de 10 mil m² vazio e degradado em uma área residencial é um desperdício que afeta a segurança, a economia e a qualidade de vida do entorno”, afirma.

 

Lucas Pereira endossa a preocupação. “Ribeirão Preto já perdeu boa parte de sua memória arquitetônica. Não podemos continuar apagando o pouco que resta. Cada prédio preservado é uma oportunidade de desenvolvimento, de geração de renda, de fortalecimento da identidade da cidade”, alerta.

 

Marcos Cabete, como vizinho e cidadão, resume o sentimento de muitos: “a gente só quer ver aquilo de novo com vida. Seja como hotel, seja como centro cultural, casa de apoio ou qualquer outro projeto que traga gente e movimento de voltar para aquele lugar.”

 

A reportagem tentou contato com os donos do imóvel, mas não obteve retorno. No hotel, um caseiro toma conta do imóvel e faz a limpeza regular do local. Ele disse que não tinha permissão para dar entrevistas sobre o prédio.

 


Fotos: Lucas Nunes

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