O coração da Zona Norte

O coração da Zona Norte

Após anos de desafios impostos pela pandemia e intervenções urbanas, plano estratégico de comerciantes busca reafirmar a avenida Dom Pedro I como o motor econômico da Zona Norte

No início dos anos 2000, a avenida Dom Pedro I, na zona Norte de Ribeirão Preto, era o retrato de uma cidade em expansão. Lojas de roupas, padarias, farmácias e pequenos comércios se alinhavam pelas calçadas movimentadas, abastecendo os bairros populosos ao redor e atraindo consumidores de toda a região. Hoje, a paisagem mudou. Vitrines cobertas de poeira, placas de “aluga-se” e fachadas enferrujadas denunciam o esvaziamento econômico de um eixo que já foi vital para o comércio local.

 

Castigados pelo período da Pandemia de Covid-19 e pelas obras estruturais que empilharam cronogramas afastados, grande parte dos comerciantes da região acumularam perdas e estagnação econômica. Agora, o Sindicato do Comércio Varejista (Sincovarp) e a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL-RP), lançaram um plano de revitalização que promete reanimar o eixo comercial da Dom Pedro I. A proposta, ainda em fase inicial, inclui melhorias em infraestrutura urbana, incentivos fiscais, segurança e capacitação para empreendedores. “O objetivo é devolver à avenida o protagonismo que ela sempre teve na zona Norte. A Dom Pedro é uma artéria comercial histórica da cidade, e não podemos permitir que continue se deteriorando”, afirma o presidente do Sincovarp, Paulo César Garcia Lopes.

 

Alguns comerciantes ouvidos pela reportagem veem o plano com ceticismo, ainda que torçam pelo seu sucesso. “Já vieram outros projetos, promessas. Sempre fica no papel. Enquanto isso, o movimento só cai”, diz José Carlos Bento, de 58 anos, dono de uma loja de calçados no trecho central da avenida. “Hoje eu vendo metade do que vendia há dez anos.”

 

O plano de revitalização será implantado em etapas, começando com um levantamento detalhado dos imóveis comerciais ociosos e um censo econômico para mapear os perfis dos negócios ainda ativos. Segundo estimativas da CDL-RP, cerca de 30% dos pontos comerciais da avenida estão desocupados. Uma pesquisa realizada em 2024 pelo Centro de Pesquisas do Varejo revelou que, no auge das intervenções viárias, as vendas na Dom Pedro I caíram 45% em média. O número de empregos formais nos estabelecimentos recuou 33%.

 

Os dados endossam relatos dramáticos de empresários locais. Bruno Lattaro, proprietário de uma loja de artigos para festas e doces há mais de duas décadas na avenida, conta que precisou demitir cerca de 10% dos colaboradores e abrir uma segunda unidade em outro bairro para equilibrar o faturamento. “O bairro estava em crescimento, nossa loja era referência. Mas com as obras mal planejadas, a retirada das vagas de estacionamento e a proibição de parar na via, os clientes sumiram. Ficou impossível competir”, diz ele.

 

Luiz Felipe Matias da Silva, dono de um depósito de bebidas na região compartilha a experiência. “Em poucos anos, acabaram com um trabalho que levou quatro décadas para ser construído. Agora, estamos reconstruindo do zero”, afirma. A partir desses dados, o município pretende oferecer isenções de IPTU para imóveis reformados e alugados com finalidade comercial, além de facilitar processos de licenciamento. “Não é apenas uma ação urbanística. É um programa de fomento à economia local”, diz André Luiz Rezende, head de Relações Institucionais e Projetos do Sincovarp e coordenador do Plano de Recuperação.  “A nossa visão é de que a Dom Pedro I pode voltar a ser um eixo de crescimento econômico, mas isso só vai acontecer com apoio técnico e políticas públicas eficazes”, explica.

 

A zona Norte de Ribeirão Preto é a mais populosa da cidade, com mais de 200 mil habitantes, segundo o IBGE. No entanto, muitos bairros da região enfrentam desafios históricos em infraestrutura, mobilidade urbana e acesso a serviços públicos. A decadência da Dom Pedro I é frequentemente citada como símbolo do desequilíbrio entre o centro expandido e as periferias. “Os empresários da região lutam há anos contra a desvalorização de um espaço que sempre teve enorme potencial. Estamos falando de uma avenida com localização estratégica, mas que foi abandonada à própria sorte”, lamenta o comerciante Bruno que também é um dos coordenadores do projeto de revitalização.

 

DA SINALIZAÇÃO AO INSTAGRAM

 

Em janeiro de 2025, a atual gestão municipal flexibilizou o uso dos corredores de ônibus e reativou o estacionamento rotativo fora dos horários de pico, pedidos que partiram dos comerciantes. Agora, o mapeamento dos imóveis vazios e o início de uma campanha de conscientização pública estão em andamento, segundo os organizadores do movimento. A região também ganhou um perfil próprio no Instagram (@nadompedrotem_), criado por lojistas para divulgar ações promocionais, eventos e novidades dos estabelecimentos. A digitalização da comunicação é vista como essencial para atrair novos públicos. “Nosso plano é sistêmico, com ações de curto, médio e longo prazos. Mas é preciso deixar claro: ele só existe porque os comerciantes estão engajados. Estamos juntos para fazer a Dom Pedro I voltar a ser um centro comercial vibrante”, diz André Rezende.

 

Por outro lado, mesmo com os avanços, o clima ainda é de cautela. Muitos empresários seguem no vermelho ou trabalhando com estrutura reduzida. A incerteza quanto ao comportamento do consumidor e a lenta mudança da imagem da avenida ainda preocupam. “A Dom Pedro virou um caos para quem tenta fazer compras com tranquilidade”, aponta Renata Alves, gerente de uma farmácia que opera há 12 anos na região.

 

“Hoje, ainda pensamos em mudar de ponto. Mas com o que está sendo feito, vamos dar uma última chance. O comércio precisa de atitudes concretas, e elas começaram a aparecer. Agora é agir rápido e manter o ritmo”, diz Luiz Felipe, esperançoso. Ele também levanta um ponto que vem sendo debatido nas reuniões com a RP Mobi, empresa responsável pelo trânsito na cidade: a necessidade de melhorar a comunicação visual. “As placas atuais confundem o cliente. Só se lê ‘proibido’. Ninguém entende que pode parar fora do horário de pico. Isso afasta ainda mais o consumidor”, alerta.

 

A RP Mobi diz que há um estudo para alterar a sinalização para que o trânsito seja mais fluido e as informações mais claras. Mas não disse quando e o que deve ser feito de fato. A Prefeitura promete também a instalação de câmeras de segurança para “criar um ambiente urbano mais convidativo tanto para consumidores quanto para novos empreendedores”.

 

NOVE DE JULHO É MODELO

 

O plano de recuperação da avenida Dom Pedro I surgiu depois que uma estratégia semelhante foi lançada pela Sincovarp para a avenida Nove de Julho, outro tradicional corredor comercial de Ribeirão Preto que sofre com a desocupação imobiliária e falta de infraestrutura. “Queremos reequilibrar e fortalecer o comércio de Ribeirão Preto. Diante de um cenário macroeconômico difícil, a solução está na inteligência local, na união entre comerciantes, poder público e sociedade civil”, reforça Paulo César Lopes. A ideia é levar o projeto de recuperação para outras regiões comerciais da cidade.

 

“Essa parceria público-privada fortalece ações culturais, feiras e eventos que atraem consumidores, e permanece aberta a outras propostas que estimulem o comércio de forma criativa e colaborativa”, explica o prefeito Ricardo Silva.

 

Ironicamente, os planos de recuperação comercial são resultado, segundo os comerciantes, de um plano de revitalização iniciado em 2017, quando a Prefeitura anunciou o projeto de construção de corredores de transporte urbano, recapeamento e revitalização da infraestrutura do quadrilátero central. “Se o plano anunciado lá atrás tivesse seguido prazos, processos e ouvido a população durante a execução, talvez estivéssemos em uma situação muito melhor”, lamenta Sheldon José Lopes.

 

HISTÓRIAS, NOSSAS HISTÓRIAS

 

Há três anos, Cleber Mingoni e sua família embarcaram em um novo capítulo. Após quase 14 anos trabalhando em uma concessionária de veículos, Cleber foi dispensado durante a pandemia. Com o acerto de suas contas, ele e sua família decidiram investir em um antigo sonho, uma loja de roupas. A escolha do local foi estratégica, a Avenida Dom Pedro I, no mesmo bairro onde residem, impulsionada principalmente pela alta movimentação.

 

Os primeiros meses foram promissores para o novo negócio. “Quando iniciamos nosso negócio, as vendas superaram e muito nossas expectativas, e foi assim por vários meses”, relembrou o comerciante. No entanto, o otimismo começou a esmaecer com a implantação dos corredores de ônibus na avenida. “A partir daí, fomos percebendo uma queda muito grande, e foi piorando a cada mês”, lamentou Mingoni. Apesar da diminuição no faturamento, não houve demissões, já que a loja é administrada por ele e sua filha. “Só passamos a ter um ganho bem menor para mantermos a loja”, explicou. A situação chegou a um ponto em que Mingoni decidiu retornar ao mercado de trabalho formal, deixando a gestão diária da loja para sua filha. Apesar das dificuldades, a ideia de fechar a loja não foi uma opção. “O investimento foi grande, mudar seria voltar dez casas”, afirma Cleber, demonstrando resiliência.

 

Com o mesmo raciocínio, Sheldon tem uma salgaderia há 15 anos na avenida. “Começamos em um simples trailer e hoje temos um imóvel todo equipado. Mesmo nos dias mais difíceis, nos apegamos a possibilidades reais, mesmo que pareça a última luz no fim do túnel. Escolhemos o local e acabamos pegando paixão mesmo pela região. Por isso, vamos seguir”, conta ele ao lado dos dez funcionários responsáveis pela produção média diária de 300 salgados de 40 sabores diferentes.

 

Para Cleber, Sheldon, Bruno e Luiz Felipe são harmônicos em uma nota: a união dos comerciantes é essencial. “Estamos próximos e unidos em um mesmo objetivo, tanto em reuniões, opiniões, arrecadação de dinheiro para propaganda coletiva”, conta Cleber. “Temos um grupo de whatsapp onde estamos tratando sobre as melhorias da avenida, inclusive com a parte de marketing e mídias sociais, que são importantes para a retomada do comércio”, explica Bruno.

 

 

Primeiras ações do movimento “Na Dom Pedro Tem!”:

- Campanhas sazonais com descontos e promoções;

- Criação de redes como a Vizinhança Solidária, em parceria com a Polícia Militar;

- Revitalização da Praça Pedro Biagi, com foco em cultura, lazer e eventos comunitários;

- Propostas de melhorias na sinalização da via, com placas mais claras sobre horários permitidos de estacionamento;

Realização de eventos como festas juninas, ações esportivas e atividades para crianças;

- Formação profissional e capacitação empreendedora com apoio do Sincovarp/CDL.

Compartilhar: