Patrulha pelo empoderamento

Patrulha pelo empoderamento

A Cabo da Polícia Militar Natana Martins desenvolve um trabalho altruísta e que apoia mulheres vítimas de violência em Ribeirão Preto, com base na Lei Maria da Penha

A vocação para o serviço público como policial Natana Aparecida Martins de Jesus, 32 anos, herdou do pai, que foi policial militar em Passos, Minas Gerais. Nem a formação em Engenharia Química e o mestrado a desviaram do destino na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Hoje, a Cabo Natana acolhe, inspira e protege outras mulheres, vítimas de violência doméstica. Na ‘Patrulha Maria da Penha’, que faz o acompanhamento de mulheres em situação de violência doméstica e familiar em Ribeirão Preto, Natana exercita o altruísmo e a sororidade. 


Além do cumprimento das medidas protetivas de urgência e medidas judiciais contra os agressores, para garantir maior proteção às vítimas, a Patrulha realiza um trabalho de acolhimento e empoderamento feminino. Todo mês, pelo menos 90 mulheres recebem visitas do grupo e ajuda para ressignificar sua história.  


Na entrevista a seguir, a Cabo Natana conta como é realizado este trabalho e o que ainda leva a tantos casos de violência contra a mulher. Destaca, também, os avanços e os passos essenciais para que todas as mulheres possam ser donas da própria jornada. 


 
Qual a sua trajetória de vida?

Nasci em Passos, Minas Gerais, e aos 19 anos fui morar sozinha em Franca-SP para cursar Engenharia Química na Faculdade de Franca (UNIFRAN). Depois da graduação, consegui uma bolsa de estudos para fazer mestrado na área de química. Em março de 2019, mesmo concluindo o mestrado, percebi que minha vocação era o serviço público como policial e fiz o concurso da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Em junho do mesmo ano, iniciei a escola de formação de soldados, em Franca, e me formei em 2020. Quando finalizei o curso, fui trabalhar em Jardinópolis, área da 3ª Companhia do 3° Batalhão de Caçadores, onde permaneci durante três anos e meio. Atualmente exerço o meu trabalho em Ribeirão Preto. 


 
Por que escolheu a Polícia Militar?  

Me apaixonei pela profissão por influência do meu pai, que foi policial militar. Vê-lo trabalhar no dia a dia despertou a minha vocação para seguir seus passos na carreira militar. O caminho para chegar aonde estou hoje foi árduo, tive que abdicar de muitas coisas, dentre elas minha formação como Engenheira Química.  


 
Quais foram os principais desafios que você já enfrentou ao longo de sua jornada?

Estar longe da minha família e enfrentar todos os obstáculos sozinha foi o maior desafio, mas hoje posso dizer que tudo foi necessário para meu crescimento pessoal e profissional. 


 
Conte um pouco sobre o trabalho que você desenvolve hoje na Patrulha Maria da Penha

 A Patrulha Maria da Penha é formada por policiais militares — preferencialmente tendo uma policial feminina na equipe —, devidamente capacitados para realizar o acompanhamento de mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Assim como o monitoramento do cumprimento das medidas protetivas de urgência e medidas judiciais contra os agressores, para garantir maior proteção às vítimas.  


 
Desde quando você atua na Patrulha e como é feito esse acolhimento?  

Ingressei na equipe da Patrulha Maria da Penha em outubro de 2023. No nosso trabalho é realizado, primeiramente, o contato telefônico com a vítima, logo após vamos até a sua casa para acompanhar de perto a situação na chamada Visita Solidária, levando orientação, acolhimento e direcionamento a essa mulher vítima de violência doméstica. Identifiquei-me muito com essa área por ser gratificante para mim poder ajudar as pessoas, em especial as mulheres, a terem uma vida melhor. 


 
E qual a importância desse trabalho na sua história profissional e pessoal?

Sou altruísta e estar neste trabalho da Polícia Militar, onde posso ajudar mulheres em situação de violência a terem uma vida digna e mais segura, me proporciona um profundo senso de satisfação e realização pessoal. Saber que, de alguma forma, faço a diferença na vida dessas vítimas, me traz uma sensação de propósito e significado. 


 
Ainda vemos muitos casos de violência contra a mulher. Na sua opinião, estamos enfrentando um problema crescente ou a coragem para denunciar e os meios de apoio aumentaram?

Podemos dizer que houve, sim, um aumento dos registros de violência contra mulher, a maior parte dos casos tendo a “visibilidade restrita” como característica. Ou seja, os fatos acontecem dentro da residência, dificultando a ação policial preventiva. No entanto, um aspecto a ser considerado é a ampliação do acesso à informação, e com a divulgação de campanhas de combate à violência doméstica, a vítima passa a perceber os fatores de risco a que está submetida, identificando e nominando a agressão, bem como buscando proteção e mecanismos de defesa da Lei Maria da Penha, o que vai refletir positivamente no número de ocorrências registradas. 

 


Em Ribeirão Preto, o NAEM (Núcleo de Atendimento Especializado à Mulher) acompanha mulheres vítimas de violência doméstica


 
O que você acha que gera essa violência? Questão cultural, machismo, impunidade?

A violência contra as mulheres, em especial a violência doméstica, acontece porque em nossa cultura muita gente ainda acha que os homens são superiores às mulheres, ou que eles podem mandar na vida e nos desejos das mulheres, e que a única maneira de resolver um conflito é apelar para a violência. É comum alguns homens serem valorizados pela força e agressividade e muitos maridos, namorados, pais, irmãos e outros, acham que têm o direito de impor suas opiniões e vontades às mulheres e, se contrariados, partem para a agressão verbal e física.  


Em Ribeirão Preto, especificamente, como você enxerga a situação. Há aumento de casos ou mudança de comportamento e conscientização? 


Em Ribeirão Preto, por existir uma Vara Especializada em Violência Doméstica, a solução deste tipo de delito tornou-se mais célere, refletindo estatisticamente no volume de processos, bem como no aumento no número de casos expostos na mídia. Desse modo, com a divulgação do trabalho da Patrulha Maria da Penha, do nosso 3° Batalhão da Polícia Militar, bem como da rede de proteção disponível, a tendência é que haja um maior empoderamento feminino, aumentando as denúncias e, consequentemente, reduzindo os feminicídios. 


 
Qual é a principal necessidade de uma mulher que se encontra nessa situação?

Na maioria das vezes, a dependência financeira do conjugue. A mulher acha que não vai conseguir sustentar a si mesma e/ou os filhos. Em Ribeirão Preto, existe o NAEM (Núcleo de Atendimento Especializado à Mulher) que acompanha mulheres vítimas de violência doméstica. Este núcleo é ligado à Secretaria de Assistência Social e oferece, entre outros serviços, atendimento às mulheres com ou sem boletim de ocorrência e/ou medida protetiva, oferecendo todo suporte jurídico, assistencial e psicológico. 


 
E qual a importância da sociedade em geral diante desse cenário?

O papel da sociedade é fundamental para disseminar a cultura de paz, de proteção às mulheres, de igualdade de gênero, desmotivando qualquer tipo de agressividade. Quando uma sociedade se move contra todo tipo de violência se torna inclusiva. 


 
Qual conselho você daria às mulheres?

Sigam seus próprios valores, sonhos e se coloquem em primeiro lugar, independentemente da situação. O melhor investimento do mundo é aquele que fazemos em nós mesmas, por isso, nunca deixem de investir no seu trabalho, carreira e formação profissional. E para todas as mulheres, afirmo que ninguém merece sofrer violência, reconheçam o desrespeito e o abuso; e denunciem qualquer tipo de agressão, pois sua vida recomeça quando a violência termina! 


Fotos: Luan Porto

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