Ribeirão Preto tem 1,8 mil pessoas em situação de rua, aponta Semas
Das 132 mil pessoas no CadÚnico em Ribeirão Preto, 514 são pessoas em situação de rua

Ribeirão Preto tem 1,8 mil pessoas em situação de rua, aponta Semas

Município tem 19% da população vivendo com renda de até R$ 660 mensais

Segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), Ribeirão Preto possui, atualmente, 1.838 pessoas em situação de rua. O levantamento leva em consideração os indivíduos que foram abordados pelo menos uma vez nos últimos 150 dias. O número, contudo, oscila muito.

 

Em 2022, foram atendidas 3.988 pessoas nessa situação, segundo dados da Prefeitura. Entre os motivos que levam essas pessoas às ruas, os mais citados são desemprego, problemas familiares, doença e o vício em drogas. A diversidade indica que o problema deve ser tratado de forma multissetorial, no âmbito da assistência social, saúde pública, economia e respeito aos direitos humanos. 


Especialistas apontam a necessidade de se conter o fluxo de pessoas que vão parar na rua, com auxílios financeiros e programas de moradia popular. Atualmente, Ribeirão Preto possui 58.040 famílias — 132.024 pessoas —, no Cadastro Único do governo federal. O Cadastro Único é um registro que permite ao governo saber quem são e como vivem as famílias de baixa renda no Brasil. Ele foi criado pelo Governo Federal, mas é operacionalizado e atualizado pelas prefeituras. Participam deste cadastramento famílias que vivem com renda mensal de até meio salário-mínimo por pessoa.

 

Ou seja, 19% da população de Ribeirão Preto vive com uma renda de até R$ 660 mensais. Das 132 mil pessoas cadastradas na cidade, 514 são pessoas em situação de rua, segundo a base do Cadastro Único de agosto de 2023. Segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência Social de Ribeirão Preto, o Bolsa Família atende cerca de 23 mil famílias na cidade, com um valor mensal de R$ 600.


O programa também concede um adicional de R$ 150 pelo Benefício Primeira Infância, que engloba 4.542 crianças em Ribeirão Preto, totalizando R$ 681 mil no último mês. No Estado de São Paulo, mais de 1 milhão de crianças, de zero a seis anos, foram contempladas, em 951 mil famílias, com um repasse total de R$ 176,93 milhões em abril. Em todo o país, são 7,2 milhões de famílias com pelo menos uma criança nessa faixa etária, resultando em um investimento de R$ 1,3 bilhão. Pesquisas realizadas pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP) mostram que 70% dos filhos de famílias beneficiárias do Bolsa Família, em 2005, já não dependiam do programa na idade adulta. 


Segundo Gláucia Berenice, secretária de Assistência Social, a pasta conta hoje com uma rede de atendimento e suporte às pessoas em situação de rua, onde se destacam: o Serviço Especializado em Abordagem Social, Centro POP, Acolhimentos Institucionais, Serviço de Recâmbio, Programa Recomeço (acolhimento em comunidade terapêutica para tratamento de dependência química), Encaminhamento para Cursos no Centro do Qualificação, Atendimento Intersetorial com a Saúde no Atendimento em UPA, CAPS dentre outros programas. “Ainda possuímos os protocolos de enfrentamento de frentes frias, altas temperaturas e prevenção e atenção a pacientes com tuberculose”, acrescenta Gláucia.


Uma preocupação da população, e da Prefeitura, está relacionada à região Central, mais especificamente a área conhecida como Baixada, onde grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade e usuários de drogas transitam e se abrigam. Segundo a secretária, o Serviço Especializado de Abordagem Social promove ações constantes de busca ativa na região e novos fluxos com serviços intersetoriais estão sendo criados para atender de melhor forma a região.

 

“O acesso aos serviços da política de atendimento a pessoa em situação de rua ocorre por diversas portas de entrada. Através de denúncias no Fale Assistência Social (161), buscas ativas das equipes do serviço especializado em abordagem social, assim como demanda espontânea ou voluntária nas portas dos serviços como Serviço Especializado em Abordagem Social, Centro POP, Recâmbio e Recomeço. É importante ressaltar que todo atendimento é de forma voluntária e depende do aceite do usuário”, pontua a secretária.


Paralelamente a estas ações, a Prefeitura vem trabalhando na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024. Estima-se que o município terá um orçamento de R$ 4,8 bilhões, com cerca de R$ 114 milhões sendo repassados à SEMAS. Questionada sobre de que maneira a LOA de 2024 contempla essa parcela da população, Gláucia respondeu que “a LOA atende a população de rua prevendo aplicação em serviços de acolhimento, como as Casas de Passagem, Creas POP e serviços de abordagem social”.

 

 

(In)visibilidade


O problema das pessoas em situação de rua passa, ainda, pela normalização do absurdo, onde cruzar com uma pessoa sem teto, que não sabe quando será a próxima refeição, em uma das cidades mais ricas do país, passa a ser algo rotineiro. Tal alienação torna essa população invisível. Para a arquiteta e urbanista Adriana Bighetti, diretora da AEAARP, pensar em um projeto de cidade que contemple as pessoas em situação de rua, passa por ações de reintegração social, de resgate da autoestima dessas pessoas, além de melhorar as condições de quem quer sair e de quem decide ficar na rua.

 

“A sociedade pode agir como um agente de transformação, com trabalhos voluntários, doações de alimentos, e resgate da cidadania. A saída da rua é um processo que deve ser construído em conjunto com a sociedade”, pontua Adriana. A urbanista destaca a viabilidade de projetos sociais em parceria com a iniciativa privada.

 

“Temos exemplos de pessoas que trabalhavam como catadores e, hoje, estão dentro das usinas de reciclagem. Essas usinas trazem uma condição de trabalho muito melhor do que a que está colocada na rua”, finaliza. O historiador e sociólogo Wlaumir Souza ressalta um amparo que contemple múltiplos setores da administração pública e sociedade civil. “A questão da pessoa em situação de rua é complexa e exige uma atividade multidisciplinar que passa pela questão da assistência social, da psicologia, na busca de reintegrar o indivíduo à sociedade enquanto sentido de vida. Além disso, é importante pensar nas condições materiais que o levaram até essa condição, como o desemprego e o subemprego”, analisa. 


Fazendo coro à necessidade de um amparo multidisciplinar, a historiadora Sandra Molina defende a elaboração de políticas públicas sólidas, calcadas em um levantamento minucioso da população em situação de rua de Ribeirão Preto. “O município precisa saber qual é esse universo, a faixa etária, gênero, quantos estão envolvidos com dependência química e de onde vieram. Sem isso, não é possível desenvolver uma política pública integrada, que busque o bem-estar social”, detalha.

 

“Fica mais caro trazer essa pessoa de volta para o sistema, uma vez que ela foi excluída dele. Uma pessoa que está na rua e quer arranjar emprego encontra dificuldades simplesmente por não ter um endereço. Só conseguimos incluir essas pessoas no orçamento público, se as conhecermos”, avalia Sandra, frisando a urgência de um levantamento científico dessa população. “Política pública decente é feita com números efetivos, o resto é achismo, é juízo de valor — e juízo de valor para lidar com população de rua é o que mais temos nesse país. Nós somos ótimos em julgar, mas péssimos em entender o que, efetivamente, acontece com essa população para buscar solucionar o sofrimento dela”, conclui.

 


Em 2022, foram atendidas 3.988 pessoas em situação de rua em Ribeirão Preto

 

Ações sociais


O terceiro setor, composto por ONGs e movimentos sociais, desempenha um papel crucial em Ribeirão Preto na luta pela habitação e na assistência às pessoas em situação de rua. Essas organizações são peças-chave na abordagem dos desafios da exclusão social, trabalhando para garantir acesso à moradia adequada.

 

Ao unirem esforços, contribuem não apenas para a transformação do cenário urbano, mas também para a reabilitação daqueles que enfrentam a dura realidade das ruas. Seu compromisso e dedicação são evidências de que, coletivamente, é possível construir uma comunidade mais justa e acolhedora, onde a moradia seja um direito universal e ninguém fique à margem dessa conquista.


O Instituto Limite é uma associação civil, sem fins econômicos, focada, em especial, na promoção, proteção, defesa e garantia dos direitos de crianças e adolescentes. Com o tempo, a Instituição ampliou sua ação e atuação para todo o município e para outros públicos-alvo. Atualmente, o Instituto também atende usuários de drogas e pessoas em situação de rua. “Atendemos de maneira séria e cuidadosa cada pessoa. Ajudamos, em média, 500 usuários por mês”, explica Izaias Cruz, vice-presidente do Instituto Limite. “Para mim, o Instituto Limite significa a realização do sonho de atender e trabalhar com as pessoas de forma digna”, acrescenta.

 

Em uma linha parecida, o grupo Simplesmente Amor, desde 2015, ajuda pessoas em situação de rua inspirados na palavra de São Francisco de Assis. "Sou catequista e ao falar com meus cateequizandos sobre a vida de São Francisco de Assis, que se dedicou aos menos favorecidos, pensei que precisava fazer alguma coisa, além de só falar. Comecei eu e meu enteado com 30 pães e cinco litros de leite. Porém vimos que tinha muita gente na rua, e fomos aumentando a quantidade a cada final de semana", explica Renata Roque, fundadora do Simplesmente Amor.

 

Hoje o grupo prepara todos os sábados cerca de 800 lanches, 240 litros de suco para essa população. "Algumas vezes levamos marmitas. Levamos roupas, agasalho, cobertor", acrescenta a fundadora. Renata conta que a situação piorou depois da pandemia e a Simplesmente Amor atende cerca de 200 pessoas por semana. "Tenho a certeza de que juntos podemos fazer muito por aqueles menos favorecidos, e com um único propósito: o amor", destaca.


Outro aspecto do problema, está na situação das pessoas que conseguem uma moradia, mas em condições consideradas “irregulares” pelo poder público. Atualmente, estima-se que sejam mais de 80 ocupações irregulares em Ribeirão Preto. O Movimento Livre Nova Ribeirão Preto, coordenado por Marcelo Baptista dos Santos, desde 2004, milita em prol dessa população. Desde a sua fundação, o movimento já conseguiu auxiliar cerca de 600 famílias a conseguirem sua casa própria.

 

O grupo ocupa espaços da Prefeitura e do Estado, a fim de chamar a atenção do poder público para que o direito constitucional à moradia seja cumprido. As últimas ocupações do grupo foram feitas em 2009, desde então, eles orientam e organizam os integrantes do movimento na luta pela moradia. “Aqui nós não damos o peixe, nem a vara, mas ensinamos até a plantar o bambu!”, comenta Baptista. O grupo atualmente gerencia cinco ocupações na cidade. 


Foto destaque: Luan Porto - Revide

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