Unidos pela Santo Antoninho

Unidos pela Santo Antoninho

Sociedade civil contribui para recuperação da igreja mais antiga de Ribeirão Preto, mas Conppac só autoriza uma parte das obras necessárias por falta de levantamento feito por profissional

Enquanto Ribeirão Preto segue, há décadas, perdendo imóveis de valor arquitetônico e histórico-cultural para a ação do tempo e da especulação imobiliária, um grupo de voluntários luta há anos para preservar e conseguir revitalizar, sem ajuda do poder público, a construção religiosa mais antiga da cidade ainda em atividade: a igreja Santo Antoninho Pão dos Pobres, localizada à avenida Saudade, 202, bairro Campos Elíseos.

 

Com mais de 120 anos de existência, a edificação coleciona patologias de cons- trução típicas de um imóvel abandonado, mas este abandono ocorre apenas por parte do poder público, pois há cerca de cinco anos um grupo de profissionais da construção civil tem atuado de forma voluntária no esforço de planejar e concretizar obras de reforma e restauração no local. E, de acordo com o padre Gilberto Kasper, as atividades religiosas na igreja nunca cessaram, apesar dos 37 roubos registrados nos últimos 17 anos e das fake news que já alardearam que a construção havia ruído, estava abandonada, conde- nada ou fechada para celebrações.
 

O engenheiro José Roberto Romero, da empresa Newmix Engenharia Diagnóstica, é quem tem liderado as iniciativas de arrecadação de recursos para obras na igreja e conquistado profissionais de sua área para a causa, por meio de doação de serviço, mão de obra e materiais. Entre eles estão os engenheiros Adriano Zanirato, José Mario Barone Zanato, Marcelo Medeiros de Souza, Marta de Souza Oliveira, os técnicos Antonio Ítalo Delarcina e Carla Dreossi, além do irmão de José Roberto, Antonio Carlos Romero.


Até o momento, recursos da ordem de R$ 180 mil já foram levantados junto à comunidade, por meio de doações, realização de eventos para arrecadação de fundos e até leilão de um Fusca 1977 doado especialmente, mas a con- cretização da maior parte das obras necessárias tem estacado ante questões burocráticas e inoperância do poder público municipal, segundo Romero e o padre Gilberto Kasper.

IMPASSE

Foi o padre Gilberto quem iniciou, logo que nomeado, em abril de 2008, os primeiros movimentos no sentido de reformar a igreja Santo Antoninho. Em 2009, porém, ele descobriu, “por acaso”, já que nunca houve notificação oficial a respeito, que o conjunto arquitetônico integrado por ela – incluía o imóvel onde funcionou a Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas (incendiado em 7 de setembro de 2019 e demolido em 2022); e o Mosteirinho (antigo alojamento de monges) – estava tombado provisoriamente pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural (Conppac). Por isso,qualquer obra no local passou a deman- dar autorização prévia do órgão.

 

Começou ali o que o padre chama de um “calvário de 15 anos de idas e vin- das, reuniões intermináveis, quando não desmarcadas, visitas dos membros do Conppac e de secretárias de Cultura” à igreja, que nunca resultaram em autorizações para as obras necessárias. O descaso teria se arrastado por várias gestões do Conppac e inúmeros projetos de restauração apresentados sem sucesso, até o advogado Lucas Gabriel Pereira assumir a presidência do órgão, em 2022. De acordo com Romero e padre Kasper, O novo presidente passou a dar mais aten- ção ao grupo que luta pela igreja.
 

 

Só no final de 2023 Lucas autorizou três, dentre as várias obras de reforma e restauração de que a igreja necessita, segundo conclusões do Laudo Técnico de Patologia e Recuperação Estrutural da Edificação, elaborado ao longo de três anos por Romero, com ajuda dos também engenheiros Marcelo Medeiros de Souza e Marcos Mazer e do arquite- to Anderson Abe. Concluído em 2022, o laudo constatou que a construção reúne todos os tipos de manifestações patoló- gicas que podem existir em uma cons- trução – trincas, fissuras, infiltrações e da- nos por umidade excessiva na estrutura, recalques de fundação, bolor, corrosão das armaduras, desagregação, vesículas e empolamentos na pintura, ausência de vergas e contravergas –, mas o Conppac só autorizou as seguintes intervenções: reforço estrutural das duas colunas que separam o Presbitério da Nave Central, pesando dez toneladas cada uma, feito pelo engenheiro Darci Donizeth Fausti- no, da Base Fundações; construção de rampa de acessibilidade com um segun- do portão de entrada e corrimão, para facilitar o acesso de fiéis com dificulda- des físicas; e remoção de infiltrações com mofos e pintura provisória da sacristia. A próxima será o conserto completo do telhado, que também foi autorizado e já tem verba reservada.


As demais obras necessárias, o Conppac informa que só autorizará após realização de uma prospecção estrati- gráfica (técnica de restauração que con- siste na remoção gradual das camadas de pintura de uma obra, a fim de identi- ficá-las e removê-las, uma a uma, para se chegar à original), o que, segundo Rome- ro, é inviável no momento. “Não temos em Ribeirão Preto um profissional que faça isso. Enquanto estamos procurando alguém para fazer esse estudo, as fissu- ras de menor abertura acabam virando trincas (fissuras de maior abertura) e a deterioração vai piorando”, preocupa-se.

CONPPAC

Advogado especialista em Direito Municipal, Ética e Efetivação em Direi- tos Fundamentais, o atual presidente do Conppac, Lucas Gabriel Pereira, re- conhece que os presidentes anteriores do órgão não deram a devida atenção ao grupo que batalha para a recupe- ração da Santo Antoninho. “Todos dis- seram que iam ajudar e não ajudaram. Eu fui o único que abri as portas para eles e sentei para conversar. Agora, eles [o grupo que trabalha pela igreja] apre- sentaram um projeto inicial, mas par- cial, porque é claudicante. Não tem a prospecção, também conhecida como levantamento pictórico, ou, se preferir, levantamento de camadas. São nomes técnicos das prospecções, que é quan- do nós fazemos o trabalho de arqueo- logia das camadas”, explica.


De acordo com Lucas, a prospec
ção “é um trabalho imprescindível”, que deve ser feito em todo patrimônio. “Se acharem algum desenho durante esse processo, por exemplo, precisamos resgatá-lo para reconstruí-lo. Quando você faz esse trabalho corretamente, o próximo passo é fazer tudo isso que eles estão levantando no laudo: retirada de bolor, tratamento de fissuras e trincas, etc. Senão vamos ficar enxugando gelo, fazendo uma coisa aqui outra ali sem re- solver o problema em definitivo”, afirma o atual presidente do Conselho. “Apesar da pendência sem previsão de solução, o padre Kasper se diz grato, até aqui, pela dedicação do grupo mobilizado em torno da recuperação da igreja.

 

 

 

 
   
 


Foto: Joaquim Lima

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