A força feminina
Sandra enfatiza a importância de políticas públicas a favor das mulheres e cobra uma mudança na postura da sociedade

A força feminina

A luta contra o patriarcado, a revolução sexual, as políticas públicas e a sororidade foram alguns dos temas abordados pela professora Sandra Molina

Em 8 de março, celebra-se o Dia Internacional da Mulher. A data é cercada de simbologia, de desafios a serem superados e, também, de muitos avanços no decorrer dos anos. Na entrevista a seguir, quem discorre sobre o assunto é Sandra Molina. Graduada em História no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), possui mestrado em História Social do Trabalho, também pela Unicamp, e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Docente titular da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), é pesquisadora e conselheira do Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais (IPCCIC).

Por que, por tantos anos, a mulher ficou restrita ao papel de dona de casa e mãe?

É uma questão cultural mesmo, baseada em uma formação patriarcal. No caso do Brasil, especificamente, grande parte da nossa sociedade, por muitos séculos, foi subordinada à terra: latifúndios, monocultura e mão de obra escrava. Sociedades que seguem esse formato têm uma característica extremamente patriarcal e machista. Então, por muito tempo, as mulheres não tinham acesso à educação. Elas recebiam apenas conhecimentos que eram chamados de prendas domésticas. Eram criadas para serem parideiras (gerarem os filhos) e boas donas de casa. A figura feminina ficou estereotipada à função de servir de forma abnegada. Se pensarmos nesse cenário, vemos o quanto as mulheres, no decorrer dos anos, tiveram que lutar para se livrarem desses paradigmas, alcançarem sua autonomia e conquistarem a posição que ocupam hoje. 

O movimento feminista é um marco importante nesse processo?

Antes de comentar sobre o movimento feminista em si, preciso destacar que várias mulheres foram feministas sem se dar conta de que isso era um movimento. Os registros mostram a participação de mulheres na luta pela independência do nosso país e na inconfidência mineira, por exemplo. Mulheres foram para a linha de frente na Guerra do Paraguai para atuarem como enfermeiras, cuidando dos soldados na batalha. Essas mulheres, e outras tantas que deixaram suas marcas em diferentes capítulos históricos, já eram revolucionárias. Com suas ações, individualmente, construíam essa transformação na sociedade. O movimento feminista, como entendemos hoje, em coletivo, aconteceu na virada do século XIX para o século XX, especialmente na década de 1920. Foi nessa época que as mulheres passaram a se posicionar de maneira mais organizada e coletiva. Elas se recusavam a se vestir e a se comportar como era o esperado. Elas queriam se libertar dos padrões que tinham sido estipulados e não mediram esforços na busca por esse objetivo. No pós Segunda Guerra Mundial tivemos, também, a revolução sexual, com a criação da pílula anticoncepcional. Você passa a ter a mulher podendo controlar o seu corpo e podendo escolher, ou tentando pelo menos decidir em muitos países, sobre ter ou não filhos. Elas vão para o mercado de trabalho e ocupam cargos antes dominados pelos homens. Do ponto de vista simbólico, foi importante, sim, queimar os sutiãs em praça pública para que todos soubessem que as mulheres não iriam mais abaixar a cabeça, não se deixariam domesticar.

Em um primeiro momento, podemos dizer que essa caminhada rumo à igualdade de gêneros está bastante interligada à questão do voto?

Sem dúvida. As sufragettes, mulheres que lutaram pelo sufrágio (voto) feminino, foram pioneiras desse movimento e isso faz todo o sentido. Elas queriam o direito ao voto, porque o voto produz as leis e as leis que vão dar cidadania à essas mulheres. O voto feminino, no Brasil, passou a ser reconhecido oficialmente a partir do Código Eleitoral de 1932, mas foi incorporado à Constituição de 1934, no período Vargas. Aproveito esse assunto para fazer um alerta importante: não é a lei que muda a sociedade. Ela impulsiona, sim, mas não muda. De nada adianta uma lei se não houver uma transformação na postura, no comportamento, na forma com que a sociedade enxerga as mulheres. Essa virada de chave ainda é muito difícil aqui no Brasil. Infelizmente, vemos muitas mulheres com o machismo enraizado, treinando suas filhas para serem mulheres machistas. Vemos também, homens sendo criados dentro da chamada masculinidade tóxica que perpetua a subordinação feminina, a subordinação feminina e a negação da sensibilidade masculina. Esse ciclo persiste e é refletido no preconceito, nas restrições e nos altos números de casos de violência contra a mulher.

Nesse sentido, as políticas públicas são essenciais?

Com certeza. E essa mudança passa, necessariamente, pela educação. Vou citar como exemplo a educação sexual para evitar a gravidez na adolescência. Isso parece óbvio, mas não é. Desenvolvo um trabalho social na comunidade do Aeroporto. Lá, muitas mulheres ainda se recusam a usar camisinha feminina, mesmo sabendo que aquele é um recurso para sua proteção. Vejo mulheres que apanham de seus maridos, que são analfabetas funcionais, que não têm formação nenhuma e que não rompem esse ciclo. As filhas estão indo pelo mesmo caminho. Só a educação pode mudar essa realidade. As políticas públicas precisam acontecer, nas escolas, nos hospitais, nas comunidades. Precisamos resguardar a mulher adulta, principalmente as de baixa renda. Medidas legais como pagamento de pensão, bolsa família e o nome nos registros das casas conseguidas em programas de financiamento público importam, mas não bastam. Elas precisam ter suas habilidades desenvolvidas, sua formação técnica ampliada e seu emocional fortalecido. Precisam acreditar que são merecedoras e capazes de construir um futuro melhor, para si e seus filhos. Muitas delas são chefes de família. Trabalham em três turnos para sobreviver. Vivem em situação de extrema fragilidade. Ao mesmo tempo, precisamos preparar a mulher do futuro, para construir uma geração mais consciente e evoluída. Temos que fortalecer o empoderamento, o sendo de competência, nas mais diversas áreas do saber. Elas só vão avançar se tiverem a chance de aprender.

E a questão da sororidade?

A sororidade é muito positiva. O que acontece com uma, de alguma maneira, atinge todas as outras. Trocamos a ideia de competição por colaboração. Essa nova perspectiva é uma grande conquista.

Poderia citar alguns exemplos de mulheres inspiradoras, que representam, de alguma forma, essa jornada?

São tantas e tantas as mulheres que lutaram em silêncio, que ousaram dizer não. O mais bonito nesse ato de festejar a mulher é pensar, como já foi dito, que estamos sobre os ombros de gigantes. A mulher que eu sou hoje, certamente, só pode existir porque antes de mim vieram tantas outras que lutaram pelo direito de voto, pelo direto à educação, à pesquisa, à liberdade sexual. Somos fruto de tudo isso. Essas mulheres não ficaram restritas ao racional. Elas trouxeram o sentimento para a equação. Citar alguns exemplos não é tarefa fácil, mas posso falar de Cora Coralina que se tornou uma das maiores poetisas do nosso país. Temos a Madre Teresa de Calcutá, que revolucionou o mundo por meio da fraternidade. Temos Simone de Beauvoir, que nos instigou a questionar o nosso papel na sociedade. E temos muitas outras. Temos que agradecê-las e honrá-las, construindo um futuro melhor. 


Foto: Arquivo Revide

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