Um assunto tão delicado!
A psicóloga Isabela Pinheiro: 'guardar é pior'

Um assunto tão delicado!

Conversamos com a psicóloga infantil Isabela Carolina Pinheiro sobre a difícil tarefa de comunicar a crianças sobre um caso de câncer na família

Em seu consultório, recebe muitas solicitações de responsáveis sobre como dar a notícia de doença ou morte aos filhos?

Já sim, mas não eram os pais. Era um dos avós da criança, que estava muito doente, tinha câncer, e aí a mãe me pediu essa orientação. Mas foi pelo processo: como contar que a avó está doente. A avó não faleceu, mas estava bem debilitada. Então eu tenho trabalhado essa questão com a criança, do possível luto, do que pode acontecer.

 

Acredito que avós, que também ocupam um lugar importante na vida da criança, causam o mesmo impacto quando adoecem, né?

Sim. Nessa família, a avó mora com a família. A criança começou a perceber que a avó estava diferente, ficando menos em casa, e a criança começou a perguntar para a família o que estava acontecendo. Foi onde entrei. A família me perguntou: “Isa, o que a gente faz? A gente não contou nada. A gente fala que ela está velhinha”. A primeira coisa que falo é que a gente não pode esconder. Porque essa criança pode entrar numa atmosfera de fantasia. Ela começa a achar que a culpa é dela. “A minha avó não está ficando muito em casa porque eu fiz malcriação ontem”, era um dos relatos que ela trazia na terapia. Ela ficou muito triste. A gente precisa contar a verdade porque a criança percebe o ambiente. Se a criança já ouviu falar a palavra câncer, a gente precisa entender o quê. Aí pode até nomear, mas com falas objetivas. “A vovó tem câncer, mas ela já está em tratamento, por isso que ela tem que ir ao hospital. Nós estamos confiantes que os remédios vão ajudar”.

 

E a fantasia pode ficar muito pior na cabeça da criança?

Muito. Vai saber o que a criança está imaginando que está acontecendo.

Muito. Vai saber o que a criança está imaginando que está acontecendo.

 

Por mais que a conversa seja positiva, como se blinda a criança do que ela pode ouvir fora de casa, quando, por exemplo, ela comenta com um coleguinha que a avó tem câncer, por exemplo?

Sempre digo aos pais/responsáveis para estarem preparados para as perguntas. Se a criança tiver um ambiente familiar acolhedor, não autoritário e de validação, a gente já tem uma atmosfera positiva. Então ela vai se sentir segura de chegar em casa e contar algo como: “Nossa, mãe, meu amigo falou que a tia [com câncer] morreu e que a vó vai morrer também”. Os pais devem dar esse espaço de atenção e perguntar: “Ah é? O que exatamente ele contou? Me explique e vamos conversar”. Eu percebo que os pais se assustam muito com as perguntas inesperadas e acabam dando respostas muito superficiais – “não vai morrer, não. Não fala bobeira!” – ou não dando respostas. Não respondendo continua a lacuna. Então, se vier uma pergunta inesperada, calma! Não precisa dar a resposta naquele momento exato. Pode dizer: “nossa, filho, que pergunta! Eu não sei te responder, mas vou procurar saber”. E não esqueça de responder! Uma possibilidade de fala é: “o câncer é uma doença complicada, que assusta um pouco, dá um certo medo. Eu mesmo tenho medo, mas a vovô está em tratamento. A gente acredita muito que esses remédios vão dar certo. O que aconteceu com a tia do seu amigo foi muito triste, mas não significa que vai acontecer com todo mundo que tem câncer”. Eu orientaria neste sentido. Respostas improvisadas, jamais! Porque abre mais espaço ainda para a fantasia.

 

E quando a criança não leva para os pais? Não por falta de acolhimento, mas por ser uma criança mais retraída, que não sabe expressar o que está sentindo e nem que pode perguntar. O que fazer?

Eu aconselharia os pais conversarem com a escola, até para monitorar como está a criança. Dizer: “estamos passando por esta situação em casa e não sabemos até que ponto isso a está afetando”. É muito importante todos os adultos do convívio da criança saberem, porque o professor fica com olhar mais atento. Ele pode inserir algo a respeito em alguma aula, em algum momento, até mesmo sobre as mudanças que acontecem no corpo de quem faz tratamento de câncer, por exemplo. Já tive caso de avós que faleceram e os pais me ligaram para perguntar se levavam ou não a criança ao velório, o que falar, como proceder nesse momento. Eu defendo sempre ser sincero com a criança na medida do entendimento dela. Não se pode falar que a pessoa foi viajar, que está internada. O impulso dos pais é suprimir a dor dos filhos, porém, a criança precisa passar por isso também, por esse luto, por esse processo, e ser acolhida. Dizer com clareza que a vovó – ou o papai ou a mamãe, se for um desses o caso – morreu, que isso é muito triste, que a gente não vai ver mais aquela pessoa, que terá saudades. E quando fica com saudades a gente pode ouvir uma música que lembra, pode ver fotos, fazer um desenho, sentir saudade juntos e conversar. Outra coisa muito importante que falo muito para os pais é que precisam dar um modelo [de como lidar] para a criança. Eu percebo que alguns, quando vão chorar, o fazem escondido, ou quando questionados disfarçam: “não estou chorando não”. Tudo bem a criança saber e receber uma explicação. Não que você vá chorar sempre na frente da criança, mas se a criança perguntar, diga a verdade. “Sim, triste, estou sentindo saudades. Você pode me dar um abraço para ver se isso ameniza?”. Dessa forma estamos dando um modelo do que ela pode fazer quando ficar triste também: buscar alguém, pedir um abraço. Senão o que ela vai aprender? Que não pode chorar. Mas guardar é pior. Ela precisa ser consolada.

 

Existe um momento em que a criança descobre sobre a morte, independentemente de ter um caso de doença ou de morte na família. Como lidar com isso?

Depende muito do contexto. Tenho alguns pacientes entre 5, 6 anos de idade que quando começam a expressar sentimentos assustam. Um exemplo: alguém faz algo que eles não gostam e eles respondem com um “vou te matar”. Já recebi pais desesperados por terem ouvido essa resposta dos filhos. Mas o que isso pode ser? Modelo. Outras crianças podem ter falado isso na escola ou, às vezes, ela assistiu um desenho com briga em que falaram isso.  Percebo que cada vez mais cedo as crianças falam de morte e morrer por conta dos tantos jogos onde um mata o outro. Um caos! Mas às vezes a criança descobre o nome, mas não sabe exatamente o que é. Elas ainda não têm essa percepção do que é, de fato, a morte. Entendem que é uma coisa ruim, mas crianças de 5, 6 anos não entendem o verdadeiro sentido, que implica não ver mais a pessoa, ter saudade, tristeza e que isso pode acontecer de verdade. Agora, depois dos 7 anos, as crianças começam a compreender melhor o que acontece. Aí a conversa pode ser um pouco mais profunda.

 

Qual a importância de buscar ajuda de um profissional nesses casos?

Eu acho importante fazer alguns alertas. Vamos supor que houve um diagnóstico ruim dos pais e foi feita a conversa com a criança. É uma conversa que precisa ser objetiva. Acho que não dá para tentar explicar tudo na primeira conversa porque a criança não vai assimilar. Então no início é falar: é uma doença, que não é contagiosa, que é do próprio corpo. “Por que isso aconteceu?”. A gente não sabe. Seja sempre sincero nesse sentido. À medida em que as etapas vão avançando – tipo, começou o tratamento; começou a ter que ficar longe de casa; começou da queda de cabelo, vai ter que passar por uma cirurgia – a gente vai explicando. E sempre no limite da dúvida da criança. Então eu falo que a gente explica e dá o tempo de ver como a criança vai acomodar aquilo na cabeça dela.

 

E quando é um coleguinha da idade que passa por uma doença? A abordagem é diferente?

Aqui, também a abordagem sempre deve ser com honestidade e acolhimento, que são preventivos ao trauma. Pode acontecer de a criança sentir mais medo por se tratar de alguém igual a ela. Ela pode associar algum sintoma e achar que também está doente. Por isso, nesse caso, é preciso prestar muita atenção ao sono da criança, se ela começa com algum hábito que não tinha antes, como roer unha, não conseguir dormir sozinha, colocar muitos objetos na boca, observar movimentos do corpo, coisas que podem ser sinais de ansiedade. Aí é muito importante procurar uma ajuda profissional para que essa criança tenha um espaço para ser ouvida e conseguir nomear o que ela está sentindo. Às vezes, ela até entende o que está acontecendo, mas não sabe expressar. E na terapia ela vai aprender formas de expressão

 

E quando os filhos são adolescentes?

É preciso falar a verdade independentemente da idade. Claro que se criança for muito pequena, a linguagem é uma. A gente vai mudando a linguagem ao que a criança entende. Quando for muito pequena, pode-se recorrer ao lúdico: “a vovó, o papai, a mamãe vão ao hospital tomar remédio para ficar forte e ganhar poderes”, numa referência aos super-heróis, por exemplo. Com o adolescente a gente pode explorar o que ele já sabe sobre aquele assunto. Acho que é da psicologia toda vez que começar a conversa saber antes de onde partir, sabendo “o que você sabe sobre isso? Como posso te ajudar a partir daqui?”. Uma coisa importante, tanto com crianças quanto com adolescentes, é dar previsibilidade. Avisar, por exemplo: nos dias em que eu for ao hospital, você vai ficar na casa da vovó”. Já dá esse parâmetro. E não dizer assim: “às vezes você vai chegar em casa e eu não vou estar”, ou “você vai precisar ficar longe da mamãe um tempo”. Dizer só isso [sem objetividade] pode gerar muita ansiedade.

 

Como saber se a conversa foi assertiva e positiva?

Perguntando à criança o que ela entendeu. Isso é muito válido. As etapas são: dar a notícia, explicar e perguntar: “o que você entendeu? O que você achou disso? O que você sentiu ou não?”. Ouvir a criança. Esse posicionamento será um norte para as perguntas que virão depois.


Luan Porto

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