Conheça três ribeirãopretanas que superaram dificuldades e fazem a diferença
Exemplos de força e superação, Maris Ester, Silvia Diogo e Regina Brito resistem ao preconceito e à desigualdade

Conheça três ribeirãopretanas que superaram dificuldades e fazem a diferença

Elas lutam por espaço, educação, direitos e condições melhores de vida: a boa notícia é que estão conseguindo vencer

Neste Dia da Mulher, o Portal Revide conta a história de três ribeirãopretanas que superaram as dificuldades e participam de lutas diárias por espaço, educação, direitos e condições melhores de vida. 

Maris Ester de Souza



Dona de um brilho admirável e inspirador, Maris Ester de Souza, de 53 anos, diz que é movida pela a força e pela fé que encontrou na literatura. Diante de dificuldades, o amor também foi fundamental para que ela alcançasse seus objetivos. Hoje, Maris Ester colhe os frutos de uma história de superação e planta, diariamente, esperança no coração de seus alunos.

A professora, que hoje proporciona estudo e experiências dentro e fora das salas de aula, não teve as mesmas oportunidades tempos atrás. Maris começou a trabalhar como diarista aos 11 anos e, por isso, precisou abandonar os estudos. Nasceu e cresceu em uma família humilde, mas a arte e a literatura sempre a despertaram um brilho no olhar. Brilho que transmitia a quem a via a certeza de que ela poderia chegar muito longe.

Com o incentivo e a ajuda de patroas, amigos e familiares, Maris iniciou o supletivo aos 31 anos na Escola Estadual Dom Romeu Alberti, no Jardim José Sampaio Júnior, mas, ao terminar, precisou passar mais quatro anos longe dos estudos.

Vivendo um momento difícil de depressão, mesmo longe das salas de aulas, era nos livros que Maris encontrava um refúgio e foi por meio deles que ela ouviu um conselho que transformou a sua vida. “Eu me perguntava o que é que eu estava fazendo, buscava respostas para saber porque eu estava ali, não entendia essa minha paixão e envolvimento. E, foi ali, na primeira edição da Feira do Livro de Ribeirão Preto, que um jovem me comoveu ao acreditar em mim e me incentivar a voltar aos estudos”, conta Maris.

Após este dia, sabendo onde deveria e queria estar, ela lutou para iniciar uma graduação e, enquanto não conseguia, escreveu o livro “Nua para o criador, Vestida para a Humanidade”, que lotou o Sesc durante o lançamento. Maris, ao relembrar o momento, se emociona e conta que este dia jamais sairá de sua memória.

Ainda trabalhando como diarista, Maris tentou estudar Letras em Batatais, mas não conseguiu dar continuidade porque não tinha condições de pagar. “Eu não sabia como as coisas funcionavam, não tinha conhecimentos dos programas que ajudam os universitários. Eu tentei o Fies, mas não sabia que precisava confirmar pela internet”, conta.

Em 2006, no último dia de inscrições da faculdade Moura Lacerda, uma professora de Maris pagou a matrícula e lhe deu a oportunidade de abrir a porta mais importante de sua vida. Alguns outros amigos, comovidos pela luta diária de Maris, pagaram os dois primeiros meses de estudos dela. “Eu vi ali uma chance e agarrei com todas as minhas forças. Desde então, o meu pensamento é de que eu não posso retroceder, tive amigos que acreditaram em mim e precisava fazer valer a pena”, diz ela, emocionada.

Maris passou a trabalhar na biblioteca da Avenida Saudade e a fazer as matérias da faculdade de acordo com as suas condições financeiras. Logo depois, por meio de uma indicação, ela tentou uma vaga para participar da Fundação de Amparo ao Preso (Funap), na Penitenciária Feminina do Parque Ribeirão Preto, mas não obteve resposta. A vaga surgiu após um tempo, quando Maris foi até a penitenciária doar alguns livros e resolveu questionar sobre o processo.

Foi trabalhando no período da manhã na biblioteca, à tarde na penitenciária e depois no reforço que ela conseguiu dar continuidade aos estudos no período da noite. A rotina exaustiva não foi tão grande quanto a força e a vontade que Maris tinha de lecionar. E, se tornar professora, foi só o inicio da sua importante e brilhante trajetória.

Em 2017, Maris foi a primeira professora a ser homenageada na Feira do Livro de Ribeirão Preto. Ela conta que foi sentada ao lado de sua ex-professora que recebeu o prêmio. Sem acreditar no que estava acontecendo, ela disse que demorou a entender que tudo aquilo era para ela e, emocionada, também categoriza este momento como um dos que jamais sairão de sua memória.

Atualmente, além de dar aulas nas escolas Estaduais Jardim Orestes Lopes de Camargo e Nair Guilhermina Pinheiro Nogueira, ela faz parte da Academia de Letras do Brasil – Sessão Araraquara, da Casa do Poeta e do Escritor de Ribeirão Preto, da União dos Escritores Independentes de Ribeirão Preto (UEI) e da Academia de letras de Ribeirão Preto (Alarp).

Persistir e realizar o sonho de se formar fez com que Maris tivesse a oportunidade de transformar a vida de muitos jovens. “Meu intuito hoje é despertar o amor pelo conhecimento aos meus alunos. É levá-los a lugares que eles não teriam oportunidades. É fazer por eles, hoje, o que teria feito diferença em minha vida antigamente. Ver um aluno dizendo que tem paixão pela leitura por minha causa é o melhor e maior presente que eu poderia receber”, comemora.

A luta por espaço e pela educação continua. Maris as enfrenta com o mesmo brilho no olhar e determinação, mas com uma visão mais otimista ao ver que cumpre, com esplendor, a missão de despertar amor e de dar oportunidades melhores aos seus alunos.

Silvia Diogo



Aos 15 anos, sem entender muito bem o que ouvia de Dilma Bicalho Favacho, que foi quem iniciou a luta das mulheres em Ribeirão, uma palavra chamou a atenção de Silvia: direitos. Com o passar do tempo, ela entendeu que era em busca desta palavra que ela traçaria o seu destino.

Ao entender a importância do feminismo, ela foi à luta por mudanças. Militou dia a dia. Lutou por voz, respeito, dignidade e igualdade. Em 1986, ajudou a fundar o primeiro grupo de mulheres de Ribeirão Preto, chamado Coletivo Autônomo, no bairro Quintino Facci II. Dentro do grupo, ajudou a desenvolver projetos para capacitar mulheres e ajudá-las a entender o porquê da luta. Além disso, o grupo também fundou uma padaria comunitária.

Silvia conta que o processo foi e ainda é lento e peculiar. “A história é construída com o dia a dia do ser humano, tem seus altos e baixos. Precisamos entender isso para continuarmos firmes no movimento.”

Em 1994, ela ajudou na criação do Conselho da Mulher e conta que, quase 30 anos depois, a busca continua a mesma. Aquela palavra que a chamou a atenção aos 15 anos continua lenta para as mulheres. “Continuamos ganhando menos, continuamos sendo violentadas e continuamos sendo estupradas”.

Silvia diz que, mesmo o primeiro movimento de mulheres tendo sido formado por negras, elas continuam em último lugar na pirâmide social. “Desde a época da libertação dos escravos, quando ninguém sabia para onde ir, as mulheres tiveram que se organizar para ter algo. Fizeram quitutes, lavaram roupas. Se formos ver a questão da criação das grandes comunidades deste país, das grandes favelas, quem predomina é o povo negro. E não é porque o povo negro quis, é porque o povo negro não teve oportunidade. Demorou muito para sermos aceitos pela sociedade”.

Dentro de todos os grupos que participava, Silvia carregou a voz da luta, da persistência e da coragem. Em 2000, ela ajudou a fundar a Casa da Mulher, uma ONG que acompanha as mulheres que sofrem violência. “Nós as levamos à delegacia, defensoria pública, damos suporte e ficamos presente durante o primeiro atendimento, que é importante para que as pessoas vejam que aquela mulher não está sozinha. O tratamento é outro quando elas estão acompanhadas”, explica.

Para Silvia, a questão do movimento de mulheres hoje é uma questão de vida. Tendo em mente que não dá para esperar o poder público agir, cada mulher que elas conseguem tirar da violência e ajudar a se encontrar no mundo é o melhor presente para elas e para a sociedade.

“A luta é permanente”, diz Silvia. Ainda em busca dos direitos, ela almeja trabalhar em um contexto em que as mulheres sejam atendidas de todas as formas possíveis. “Enquanto nós não tivermos coragem e espaço para discutir alguns assuntos, não vai adiantar uma ONG, porque seremos nós contra um universo inteiro. O que nós queremos é que essas mulheres deixem de ser mortas, deixem de sofrer estupros, tenham igualdade e dignidade, é isso que nós queremos”, enfatiza.

Regina Brito



Entre tantas lições da vida, a maior e mais importante para Regina foi sobre como sobreviver. Em busca de autonomia e igualdade, ela resiste às vulnerabilidades do dia a dia com resiliência, e luta, diariamente, por melhores condições e pela superação do racismo e do sexismo.

De origem humilde, Regina carrega duras marcas que hoje abrilhantam a sua história. Após sofrer preconceitos, ela resolveu transformar a dor em força. Sempre atenta às lutas sociais, Regina foi fundamental para a criação do Serviço de Atenção à Violência Doméstica e Agressão Sexual (Seavidas) e esteve à frente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Ribeirão Preto.

Para ela, “saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetidas a exigências, compelida a  expectativas alienadas. Mas é também, e sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar sua história e recriar-se em suas potencialidades”.

Com muita dificuldade, Regina se formou em Serviço Social. Ela conta que frequentemente era preciso se ausentar das salas de aula por estar com a mensalidade atrasada. Formou-se em 1978 e, de 1980 a 1986, trabalhou com medicina social em um projeto de atendimento domiciliar. Entrou no Hospital das Clínicas e hoje atua no Centro Médico Social Comunitário Vila Lobato, além de participar do Conselho de Diversidade Sexual de Ribeirão Preto, ser Vice Presidente da ONG Vitória Régia, Coordenar o Seavidas e fazer parte do Grupo Mulheres do Brasil.

Em 1990, uma notícia marca e desestrutura Regina. A alta incidência da Aids, juntamente com a notícia de que seu irmão era portador do vírus, foi como um terremoto na vida da família. E ela, mais uma vez, transformou o caos em força e coragem. Regina decidiu que ajudaria a transformar o Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (Gapa) e que lutaria pela vida das pessoas que carregavam a doença.

O irmão de Regina morreu em 1993, mas isso fez com que a luta dela permanecesse. Dentro do Gapa, ela ajudou na conquista ao direito do coquetel, medicação que controla o efeito do vírus no organismo e que, até então, tinha um valor altíssimo.

Em 1999, ela ajudou a fundar a ONG Vitória Régia, onde atua até hoje. O grupo foi o primeiro em Ribeirão Preto a dialogar e trabalhar em prol da prevenção das doenças sexualmente transmissíveis. Foi por meio do reconhecimento de sua atuação nos movimentos sociais e de saúde que Regina foi convidada a fazer parte da criação do Grupo de Estudos e Atenção à Violência Sexual (Geavidas) e, em 2015, ganhou o prêmio de profissional do ano pelo trabalho exercido no projeto, que hoje atua como serviço especializado e auxilia diariamente no combate à violência sexual. “O serviço está pronto para atender todas as pessoas, porém, a maioria que o procura são mulheres negras. Os direitos não são iguais”.

Para Regina, a luta continua até que as coisas mudem. Hoje, aos 66 anos, ela olha tudo o que fez e sorri. As oportunidades que ofereceu, os espaços que abriu e os serviços de qualidade para pessoas que ela proporcionou, isso ninguém apaga.

Consciente de que a porta para o conhecimento da própria história seja fundamental para o movimento, ela resiste.


Foto: Líria Machado

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