"Dezembrite" ou a síndrome do fim do ano
“São nos nossos tropeços que ganhamos habilidades importantes para viver uma vida plena”, diz a psicóloga

"Dezembrite" ou a síndrome do fim do ano

Balanços de fim de ano são atitudes comuns e, muitas vezes, necessárias para o autoconhecimento, tomada de decisões e mudanças

O ano chega ao fim e com ele o hábito de fazer um balanço dos 12 meses que passaram, além de organizar os planos e projetos para o ano está por vir. A época traz também um misto de sentimentos que vão das expectativas para o futuro às frustrações de planos não concretizados durante os últimos 11 meses.

 

Esse mix de sentimentos é tão comum que já ganhou, informalmente, o nome de “dezembrite” ou “síndrome do fim do ano” e afeta mais pessoas do que se imagina. Para a psicóloga Aliene Lago, é preciso acolher estes sentimentos, além de cuidar da saúde física e mental. Segundo ela, se conhecer é importante para desenvolver recursos para lidar com qualquer situação da vida, seja as que já passaram e deixaram marcas ou as que surgirão nos 365 dias que estão por vir.

 

Balanços são comuns no fim do ano. Há alguma explicação do ponto de vista psicológico para essa atitude?

Qualquer fim, de qualquer espécie, nos relembra que ciclos finalizam e recomeçam. Então fins de temporada nos fazem entrar nesse modo reflexivo. Ao mesmo tempo que dói, é o que nos faz recalcular a rota caso seja necessário. Dezembro é o mês de retorno. Retorno à casa dos pais, à cidade natal, às expectativas do ano que passou, enfim, um retorno a si. É um convite para o autoconhecimento e reflexões muitas vezes negligenciadas durante o ano.

 

Como lidar com a frustração de planos feitos no início do ano e que não foram bem-sucedidos?

Caso você não tenha cumprido tudo o que prometeu no início de ano, só tenho uma coisa a dizer: bem-vindo ao clube, você não está sozinho(a) nessa. Só de saber que tem mais gente na mesma situação que você já gera um alívio. Além disso, caso algo não tenha saído conforme planejou, quer dizer então que uma lição pode ser aprendida. É nos nossos tropeços que ganhamos habilidades importantes para viver uma vida plena. E será que aquela meta não realizada pode ser um aviso para reavaliar os planos e como você os tem executado? Lembre-se que não temos o controle de tudo e isso nos exige balanceamentos constantes.

 

Muito se fala em Síndrome do fim do ano, uma sensação de término que pode impactar na saúde mental. Qual sua opinião sobre isso?

Realmente o fim do ano pode desenvolver sentimentos ambíguos, pois as festas, presentes, união com familiares, férias etc. podem simbolizar felicidade, alegria, esperança e gratidão; entretanto, a autocobrança, pressão para comparecer em eventos, dificuldades financeiras, comparações, saudade de familiares que já partiram etc. podem gerar angústia, estresse, tristeza, solidão e irritação.

 

Planejar metas e traçar planos para o ano seguinte é uma atitude saudável? Que limites devemos ter em criar e alimentar nossas expectativas?

Metas são motivadores e nos ajudam a manter o foco. É o que nos dá força para levantar da cama. Contudo, metas incompatíveis com o que a pessoa realmente quer ou que são inalcançáveis geram pressão e cobrança. A dica é refletir racionalmente sobre quais metas você tem condição de cumprir. Objetivos fáceis demais não estimulam, mas desejos irreais nos paralisam e geram frustração. Além disso, a flexibilidade das metas pode auxiliar nas expectativas. Não temos previsão exata do futuro e, muitas vezes, seremos obrigados a mudar, não somente a rota, mas o destino final. Às vezes a meta de janeiro pode ser diferente do que buscamos em dezembro. Seja flexível, objetivo e realista.

 

“Seja flexível para replanejar a trajetória ou os objetivos. Hoje você é diferente do que foi ontem e, sendo assim, seus sonhos podem se alterar”

 

Houve algum impacto do pós-pandemia nesse comportamento como, por exemplo, excesso de planos e expectativas?

Ninguém estava preparado para uma pandemia. Ela nos obrigou a replanejar tudo. Ao mesmo tempo que ela nos relembra que a vida pode ser finita, ela também nos recorda que nem tudo está sob nosso controle. De um lado temos a sensação de que precisamos aproveitar ao máximo e, em contrapartida, a sensação de que não se pode exigir que um plano saia exatamente como planejamos.

 

Há estratégias que podem ser seguidas para que projetos/sonhos possam ser concretizados e não se transformem em frustração no final?

Ter metas realistas nos motiva. Esteja consciente de quais objetivos são fáceis, quais são irreais e quais são possíveis de alcançar. Caso você queira uma meta ousada, “quebre-a” em pequenos passos possíveis de se realizar diariamente. Tenha desejos de curto, médio e longo prazo. Exponha para pessoas de confiança quais são suas metas e peça a opinião delas, isso nos ajuda a ter uma visão de fora da situação. Faça uma reflexão para entender o que você realmente quer. É muito comum sermos pressionados para ter um objetivo específico, porém, muitas vezes, essa meta não compactua com nossos desejos mais íntimos. Por último, seja flexível para replanejar a trajetória ou os objetivos. Hoje você é diferente do que foi ontem e, sendo assim, seus sonhos podem se alterar.

 

Um ano é feito de 365 dias diferentes. Como manter a saúde mental em dia ao longo desse período?

Primeiramente, cuide da sua saúde física. Corpo e mente estão conectados e, sendo assim, um influencia no outro. Se alimente bem, tenha hábitos alimentares saudáveis e tenha prazer na alimentação. Também não se esqueça de fazer exercícios de forma regular porque todas aquelas substâncias positivas que um treino desencadeia são impactantes para a saúde mental. Tenha uma rede de apoio concisa e de confiança, conte com ela sempre que necessário. Se afaste de pessoas tóxicas e esteja perto de quem você goste. Tenha hobbies diários. Ter um trabalho que você ama e/ou ter atividades diárias que geram prazer são importantes para a mente. Por último, invista em autoconhecimento. É sabendo quem você é que você conseguirá manter uma trajetória estimulante e contempladora. Caso sinta necessidade, procure ajuda profissional. Ir a um psicólogo ajudará você a se conhecer e a desenvolver recursos para lidar com qualquer situação da vida.

 


Fotos: Susanna Nazar

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