Elas provam que "profissão de homem" é coisa do passado

Elas provam que "profissão de homem" é coisa do passado

Após uma série de conquistas pontuais ao longo dos séculos XX e XXI, as mulheres ocupam cada vez mais funções antes desempenhadas por homens

Celebrado nesta terça-feira, 8, o Dia Internacional da Mulher foi instituído no início do século XX, em uma conferência na Dinamarca, motivada por uma série de reivindicações registradas na Rússia, nos Estados Unidos e em parte da Europa.

Uma série de acontecimentos, como em Nova Iorque, com a morte de aproximadamente 150 tecelãs, vítimas de um incêndio, fez aumentar a discussão acerca dos direitos das mulheres naquela época. Elas ganhavam um terço do que recebiam os homens, mesmo exercendo a mesma função, e eram submetidas a uma carga de 16 horas diárias.

A Organização das Nações Unidas (ONU) designou, portanto, em 1977, o dia 8 de março como o Dia Internacional das Mulheres, mostrando que a luta por direitos iguais, iniciada em meados de 1860, foram ações que ainda repercutem e inspiram uma nova luta por direitos.

Para a historiadora e defensora da causa feminista de Ribeirão Preto, Michelle Borges, tais ações, embora tenham sido imprescindíveis, buscavam minimizar a disparidade existente entre os homens e mulheres, dando condições para que se estabelecesse certa horizontalidade na teia de poder a qual todos eram submetidos. “Prova disso foi a concessão do direito ao voto às mulheres em 1932 e, em especial, as alterações ocorridas no Código Civil, que, até a década de 1960, sob o pretexto da incapacidade, nos reduzia a uma existência na qual éramos entendidas como mera extensão e vitrine de nossas famílias e, de modo mais particular, de nossos maridos, os quais possuíam legitimidade para se impor e conduzir nossos interesses e nossas vidas”, destaca Michelle, mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia.

Conquista 

A tatuadora Fernanda Lourençon conta que quando decidiu se aperfeiçoar e seguir na carreira que desempenha atualmente, ouviu diversos comentários sobre a sua decisão de se profissionalizar no ramo – um ofício, até então, desempenhado somente por homens, pois, no ano 2000, Fernanda se tornou a primeira mulher a exercer a função em Ribeirão Preto.

“Na época eu trabalhava em um estúdio de tatuagem como recepcionista e já gostava de tatuagem e de desenhar. Pedi pra aprender, muitos davam risadinhas e comentavam algo do tipo: ‘deixa ela aprender, ela é mulher, não vai virar nada. Uma mulher fazendo tatuagem?’”, recorda a tatuadora, sentada em um sofá espaçoso, em seu estúdio, no Boulevard.

Ao fundo, uma parede acumula 13 prêmios conquistados ao longo de sua carreira. “De certa forma eu me fortaleci com os comentários maldosos e com as piadinhas”, completa a tatuadora.

Alçando voo

Há cinco anos em Ribeirão Preto, a empresária do ramo da gastronomia, Priscila Gabriela Caravaca, decidiu deixar a Argentina. Com o sonho de seguir na carreira militar, ela passou um ano e meio estudando para ingressar na Força Aérea Argentina. Contudo, ao conquistar o tão sonhado acesso, decidiu pedir baixa. “É um ambiente extremamente difícil para as mulheres, que são tratadas como homens. Creio que seja o pior ambiente para uma mulher atuar”, conta.

Caravaca se recorda ainda que o cenário era discrepante. Na primeira baixa havia 400 homens e 50 mulheres. Já na segunda baixa, foram dispensados 30 homens e 15 mulheres. Em seguida, ela solicitou que fosse dispensada. Foi quando decidiu se mudar para o Brasil e iniciar seu curso para Piloto Privado.

A historiadora Michelle Borges aponta para uma série de aspectos que dificultam a entrada das mulheres em algumas áreas e reforça que um dos ramos mais difíceis, de fato, é o militar. “Assistimos a inúmeros obstáculos sendo colocados não só para que as mulheres não consigam dar entrada na esfera pública, como e principalmente, para que não ocupem atividades tão bem casadas à imagem masculina”, explica.

Após desistir da carreira militar, Priscila cursou gastronomia e montou em Ribeirão Preto um negócio no ramo gastronômico, com tempo investiu no sonho de pilotar. Em seu apartamento, no Centro da cidade, exibe uma coleção de aviões em miniatura. “Esse eu levava comigo em todas as aulas de voo. Porque o meu sonho sempre foi pilotar um parecido”, aponta para um avião parecido com um modelo da empresa argentina Aero Boero – que de 1956 a 2000 fabricava aeronaves civis leves e também aeronaves para a agricultura.

Faltando 25 horas de voo para concluir o procedimento e se tornar Pilota Privada, Priscila conta que pretende atuar no ramo agrícola. “Poucas mulheres no Brasil atuam na aviação agrícola e é um ramo que desejo trabalhar”, revela.

Sobre as dificuldades para a entrada da mulher neste nicho do mercado de trabalho, ela ressalta o ciúme que os homens sentem. Pois, ela conta que muitos não aceitam o fato de uma mulher desempenhar o mesmo papel. “Sempre há o comentário de que a mulher conquistou a vaga porque saiu com o chefe. Não aceitam que é por competência”, destaca.

Após adquirir habilidade e passar por todo o procedimento necessário, Priscila almeja pilotar aviões comerciais. “Na Argentina já é normal, mas, no Brasil ainda temos um pouco de preconceito. As pessoas ainda demonstram certo receio quando uma mulher anuncia que comandará um voo. Certa vez ouvi dizer de um homem que deu escândalo e desceu do avião, porque não queria voar com uma mulher pilotando”, lamenta.

Mesmo enfrentando dificuldades, o ramo da aviação civil tem recebido cada vez mais mulheres.

Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), em abril de 2015 o número de mulheres em atividade nos diversos setores da aviação – Piloto Privado e Comercial de Helicóptero e Aviões, Piloto de Linha Aérea, Comissário e Mecânico de Manutenção Aeronáutica – era de 6,5 mil.

Mesmo sendo minoria, pois, o setor possui aproximadamente 30 mil homens, as mulheres vem desempenhando cada vez mais estas funções.

Para Heloísa Carvalho, que desde a infância alimentava sua paixão por aviões, decidiu no ensino médio que queria ser pilota e se graduou em bacharel em Ciências Aeronáuticas pela Universidade de Londrina. Ela concorda que a aviação era um ambiente dominado por homens, mas, segundo ela, recentemente as mulheres começaram a ocupar. “Nunca sofri preconceitos. Aliás, me surpreende a maneira como sou tratada, apoiada e incentivada. Isso é muito bacana”, destaca. Priscila também está concluindo suas horas de voo para atuar como pilota.

Satisfação

Do outro lado da cidade, Edna Stella, passa o ponto na Frateschi Trens Elétricos, uma fábrica de modelos em miniatura de locomotivas para os entusiastas do ferriomodelismo.

Há oito meses como auxiliar de montagem, a funcionária se diz satisfeita com a nova função. “Já atuei no ramo de vendas e me surpreendi com a oportunidade de trabalhar em uma fábrica. Sempre houve aquela imagem de a mulher ser mais caseira e ser apenas mãe, apenas esposa. Que tem os seus valores. Mas, conquistar novos setores, assumir a direção de uma empresa e fazer parte de um processo produtivo é muito bacana”, conta.

Avanços

Com alguns avanços pontuais ao logo do último século – ingresso das mulheres em instituições de ensino superior a partir de 1879, a conquista do direito ao voto em 1932 e pelas mudanças das relações estabelecidas dentro do casamento com o advento da Lei n 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada) –, as mulheres agora lutam por novas conquistas.

A historiadora Michelle Borges acredita que novas mudanças estão para acontecer. "Acredito que as transformações que já dão sinais, ainda que tímidos, de mudança ocorrerão na esfera da cultura. Percebo que há certa tendência em se estabelecer orientações de gênero e de igualdade a partir da mais tenra idade, condição que, com o tempo, e é pelo que eu torço, irá desconstruir todo esse maquinário social exercido em nome e para o machismo, ainda que inconscientemente", analisa.  

Para uma sociedade com mais igualitária na questão de gênero, Michelle acredita que as bases da transformação estão na cultura, por ser o melhor e maior acervo imaterial que dialoga com as posturas e decisões dos indivíduos em sociedade.  “Logo, embora urgente, me contento apenas em admitir que esses sinais já possam ser observados. De resto, é continuar a lutar”, completa.


Foto: Julio Sian e Acervo Pessoal

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