Humano de ferro

Humano de ferro

Após sofrer uma tentativa de assalto e ficar em coma, Sérgio Buonarotti aproveitou o momento difícil de recuperação para renascer e redescobrir os valores da vida

O triatleta amador e empresário Sérgio Buonarotti tem um capítulo importante de sua trajetória retratado no longa-metragem “1538°C - The Iron Human”. Produzido pela Grattitude Filmes, o documentário é uma iniciativa dos jornalistas Lucas Bretas e Samuel Prisco. Por meio de depoimentos, imagens e simulações, eles recontam a história de Sérgio, que sofreu uma tentativa de assalto quando pedalava com alguns amigos, em uma manhã de agosto de 2011, no Anel Viário Sul, em Ribeirão Preto. Na confusão, Sérgio levou um tiro que transfixou o tórax.

Com riqueza nos detalhes e na captação de sentimentos de cada personagem envolvido na trama, a obra mostra a superação de seu protagonista, desde os dias no hospital (foram 64 cirurgias e uma recuperação espantosa para os padrões convencionais da Medicina) até a disputa da prova de Iron Man, seis anos depois, em Florianópolis, percorrendo as distâncias de 3,8 quilômetros de natação, 180 quilômetros de ciclismo e mais 42 quilômetros de corrida. Na entrevista, Sérgio Buonarotti fala sobre os desafios enfrentados e como foi participar do desenvolvimento do documentário da própria história.

Qual foi a sensação ao saber que sua trajetória se tornaria um documentário?

Como o meu acidente foi muito grave e as situações foram extremas, eu sempre tive uma postura bastante discreta sobre o caso. Mas, o pessoal da Grattitude Films fez um projeto que realmente me convenceu a contarmos isso de uma maneira que trouxesse uma mensagem de superação, gratidão e de muita fé, que pode servir de motivação para as pessoas que passaram ou ainda passarão por desafios extremos.

Quais foram as principais motivações que te fizeram não desistir?

Para eu poder recuperar a vida, foi necessário a união de muitas pessoas, médicos, enfermeiros, todos os tipos de profissionais de saúde, amigos e, principalmente, da minha família. Nesse cenário, de muita energia positiva, mesmo nas horas mais difíceis, quando eu mesmo pensava em desistir, alguém me alertava ou algum exemplo deste ambiente me saltava aos olhos, fazendo com que eu sempre estivesse motivado a continuar a luta pela minha recuperação. Se todos estavam lutando com o melhor de si, por que eu iria parar? Também é importante lembrar que eu, por ser atleta, sempre tive uma boa visão sobre superar obstáculos.

O que mudou na sua visão de vida depois de passar por essa longa jornada?

Essas experiências são dolorosas e difíceis, mas são muito transformadoras. Passamos a perceber que, em uma fração de segundos, nossa vida e a vida de toda a nossa família se transformam drasticamente. Quando se vive essa situação extrema, tem alguns dias que as notícias que chegam nos deixam de uma tal maneira, que a única arma que temos para a luta, naquele momento, é a fé. Quando só se tem a fé, é aí que acontecem as maiores transformações na nossa visão de mundo. Ficamos mais atentos a como estamos expostos a necessidade dos outros, quem realmente somos e o que faremos dali para a frente. O sentimento de gratidão ao se alcançar um grande objetivo, que dependeu de muitas pessoas para se realizar, é algo inexplicável para a continuidade da nossa passagem humana.

Qual mensagem você quer passar para as pessoas quando fala sobre o ocorrido?

Que a esperança não é a última que morre, “a esperança nunca morre”. Busco mostrar a importância da união de forças para atingir os mais difíceis objetivos, ou seja, trabalho em equipe e cada um dando o melhor de si. Por último e mais importante, queremos transmitir o sentimento de gratidão no filme, da maneira mais explícita possível, porque é isso que transforma a vida de quem passa por essas experiências. Quero deixar claro que para poder recuperar a minha vida e conseguir hoje enxergar mais longe, os reais valores dela, tive que subir em ombros de gigantes (usando meia frase do Isaac Newton). Dentre esses muitos gigantes, eu quero destacar todo o time da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, minha esposa, e o Lucas Bretas e o Samuel Prisco, que são da Grattitude Films, que enfrentam com muito valor as dificuldades de se fazer trabalhos artísticos no Brasil, e que permitem que essa boa história chegue a todos os que possam se interessar.

Se pudesse voltar ao passado, mudaria alguma coisa na sua trajetória?

Não mudaria. Tenho a consciência de que aprendi tudo na caminhada da vida. Que todo mundo que conheci e tudo que me aconteceu influenciou na possibilidade de recuperar a vida e poder dizer que nasci de novo. Não sei se conseguiria ver a vida como eu vejo hoje sem que tivesse acontecido esse acidente. Então, reconheço que tudo aquilo que aconteceu no passado tem poder transformador, basta desenvolvermos a sensibilidade de ver o que realmente somos e onde queremos chegar. Apesar da tragédia, conheci pessoas maravilhosas, reconheci valores humanos que eu não dava muita atenção. Enfim, aproveite o momento difícil para renascer. 


Foto: Luan Porto

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