"Manda Nudes": Histórias de quem expôs a intimidade
Sexting pode trazer prejuízos à vida de adolescentes

"Manda Nudes": Histórias de quem expôs a intimidade

Mundo virtual oferece possibilidades de exposição, o que pode gerar consequências na vida social de quem toma essa decisão

Com a tecnologia avançada, muitas pessoas têm suas fotos nuas expostas nas redes sociais, sem o seu consentimento, o que acaba gerando um transtorno pessoal e social. O compartilhamento de fotos íntimas em sites e aplicativos, como o WhatsApp, mais que dobrou nos últimos quatro anos. Foi o que constatou um levantamento feito pela ONG Safernet Brasil, entidade que monitora crimes e violações dos direitos humanos na web. Os dados também foram analisados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

O estudo mostra que, em 2013, a Safernet atendeu 101 casos de pessoas que tiveram a intimidade exposta indevidamente. O número mais que dobrou em relação a 2012, quando a ONG contabilizou 48 pedidos de ajuda.

Vítimas

Vítima de sexting (mensagens sexuais), a jovem de 23 anos J.B. teve seu vídeo exposto nas redes sociais após o término de um namoro. Ela conta que ficou surpresa pela situação, principalmente quando soube que o vídeo estava circulando há mais de uma semana na rede, sem o seu consentimento.

“Enquanto estava com meu ex-namorado, tentando reatar o namoro, depois da procura dele por mim, recebi a ligação de uma prima avisando que o vídeo circulava pela internet, e que toda minha família havia assistido”, conta.

A menina diz que no primeiro momento se sentiu assustada e quis tirar satisfação com o ex-namorado. “Ele me disse que um vizinho havia conseguido o vídeo quando foi consertar seu computador. Falou que iria procurar um advogado, quando na verdade, o vídeo havia saído do seu celular”, comenta. Após a circulação do vídeo, a jovem tentou recorrer ao judiciário, mas por falta de informação não teve resultado.

A estudante de 25 anos A.C.M.S. também sofreu com o problema de sexting. Após ganhar a coroa de rainha de um rodeio no interior de São Paulo, ela teve suas fotos íntimas divulgadas na internet, sem a sua autorização. “Todos começaram a receber um e-mail, onde havia essas fotos, principalmente, as pessoas desconhecidas”, diz.

A.C.M.S relata que quando viu as fotos ficou ‘sem chão’ e que logo pensou em se matar. “Me senti um lixo. No primeiro momento pensei em cometer suicídio, mas me contive e logo pensei na minha família”, afirma.

Diferente da jovem de 23 anos, a estudante A.C.M.S foi a delegacia fazer um Boletim de Ocorrência, porém não deu procedência a processos jurídicos, pois não queria se expor com a situação. “É muito triste o que as pessoas são capazes de fazer com as outras. A decepção que sentimos de nós mesmos é muito grande, mas depois disso tudo, me sinto mais forte, mais madura”, acrescenta a garota de 25 anos.

Crime

Apelidada de ‘Carolina Dieckmann’, a lei 12.737, em vigor deste abril de 2014, após a atriz ter seu computador hackeado e suas fotos íntimas divulgadas pelas redes sociais, criminaliza a invasão de dispositivo informático alheio para obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do titular.

Segundo a psicóloga Ana Beatriz Burin, ter um conteúdo privado exposto sem consentimento é crime. “Pelo menos com a lei as pessoas têm a convicção de que a internet não é uma ‘terra sem lei’”, afirma.

Quem fizer isso pode pagar multa e ser preso por três meses a um ano.  A divulgação de fotos e vídeos com teor sexual sem o consentimento do dono também pode ser interpretada pela Justiça como um crime. A situação se enquadra como difamação ou injúria, de acordo com os artigos 139 e 140 do Código Penal.

Invasão na vida social

Além de prejudicar a vida da vítima, a exibição da foto ou do vídeo afeta o lado emocional e social. A psicóloga explica que o ‘nudes selfie’ faz parte de uma prática cultural utilizada pelos jovens, porém existem consequências negativas. “Isso abre caminho para outras questões graves, como o abuso, a pedofilia, entre outros problemas,” destaca Ana Beatriz. 

Já a mestra em psicologia Ana Flávia de Oliveira Santos, destaca que os sentimentos despertados por pessoas que tiveram suas fotos expostas por parceiros (as) geram uma quebra de confiança a partir da exposição indesejada da intimidade. “Os sentimentos despertados muitas vezes são da ordem da incompreensão, intrusão, assombro, confusão e vergonha”, afirma.

J.B conta que seus estudos foram prejudicados, além do assédio que sofreu pelas pessoas. “Em menos de um ano eu fui assediada verbalmente por homens, mulheres e crianças pelas ruas. Eles me apontavam e me davam diversos apelidos. E quando comecei a fazer faculdade, o vídeo também chegou lá, assim alguns conhecidos ficaram também ficaram sabendo,” relata a jovem.

A menina acrescenta que atualmente já consegue falar sobre o assunto com a ‘cabeça erguida’, e tirou de aprendizado o que aconteceu com ela.

Com a jovem A.C.M.S não foi diferente. Ela comenta que teve o apoio de sua família, mas muitas pessoas a culparam, e se afastaram dela. “Eu sei como é ler comentários mais feios e baixos, como é ficar sem dormir, sem comer, lembrando que todos estão rindo de você. Eu sei o que é não querer sair de casa, com medo de a família ser exposta”, destaca.

Ela diz ainda que existe o preconceito entre as pessoas. “A sociedade se esqueceu de que por trás de tudo isso, existe o um sentimento”, acrescenta.

‘Nudes selfie’

Para a mestra em psicologia, em razão das mudanças ocorridas na forma de comunicação entre as pessoas, principalmente com a evolução da tecnologia, o ‘ nudes selfie’ se faz presente nas relações da sociedade atual. “É necessário que se busque entender essa comunicação, as motivações existentes e as relações estabelecidas”, diz.

Ana Flávia afirma ainda que não raramente as pessoas envolvidas em situação de vazamento de fotos íntimas necessitam de atendimento psicológico. “Em muitos casos, ainda, há dificuldades em se denunciar casos de exposição indevida ou mesmo em solicitar algum auxílio ou compartilhar com pessoas muito próximas, como familiares e amigos”, frisa.

Ela conclui que o impacto social e psicológico pode ser elevado, apontando para a necessidade de que o fenômeno seja pensado e compreendido.


Foto: Arquivo Revide

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