Ribeirãopretanos pedem o fim da corrupção, mas ainda cometem pequenos delitos
Especialista em direito civil aponta que "jeitinho brasileiro" está enraizado na sociedade
Atualmente, comentar em postagens nas redes sociais é um hábito tão comum quanto dizer bom dia. Às vezes, no entanto, perde-se o bom dia, mas não se perde o comentário. Diariamente a página no Facebook do Portal Revide, por exemplo, recebe esta infinidade de comentários. Alguns elogiando certa matéria, outros pedindo mais informações – que, no geral, estão no texto da notícia – e, também, os comentários dos indignados com “tudo isso ai”.
No quesito “tudo isso ai”, entre outras coisas, uma parcela dos leitores inclui a violência, insegurança, crise, política e a corrupção. Mas, dadas as devidas proporções, até que ponto nós também não somos os corruptos do dia a dia? Pequenos delitos ou o “jeitinho brasileiro” já estão tão presentes no cotidiano da sociedade que, muitas vezes, nem consideramos esses atos como uma forma de corrupção.
Os argumentos utilizados por quem comete estes delitos corriqueiros, são, novamente, dadas as devidas proporções, muito semelhantes aos dos políticos acusados por corrupção. Precisam fazer o que fazem, porque é assim que o sistema funciona. Se não fizerem, outro virá em seu lugar e o fará.
Um jovem que pretende cursar carreira na segurança pública admitiu ao Portal Revide que comprou o diploma em uma instituição de ensino sem registro no Ministério da Educação (MEC). Segundo R.C, como era difícil concluir o ensino médio, preferiu pagar para a empresa que entregava diplomas em prazo recorde.
Um profissional da área da informática admite outro desvio: fez carteirinhas falsas para ele e amigos.“O arquivo em CorelDraw [programa de edição de imagens] para fazer a carteirinha correu muito entre o pessoal”, revela F.C, 31 anos. Segundo ele, os preços altos nos ingressos obrigavam as pessoas a falsificarem o documento. Além disso, ele e os amigos, que eram familiares com a edição de imagens, confirmam a infração mais cometida. “O que a molecada queria mesmo era RG falso para entrar em casa noturna”.
Apesar disso, o estagiário reconhece o erro e admite que isso faz parte do passado. “Antigamente, eu usava porque não via problema nisso, agora eu sei que é errado e independente de qualquer coisa. Mesmo que o preço seja abusivo, o certo é procurar outros meios e não quebrar a lei. Até por algo como pagar meia em um cinema que eu ia poucas vezes no mês”, responde F.C
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Conversando com ex-funcionários de empresas de TV a cabo, também foi possível conhecer outra irregularidade “corriqueira”. S.S, 24 anos, é técnico em elétrica e revela o esquema. Funcionários da empresa vendiam cartões para desbloqueio de aparelhos receptores. O cliente assinava um pacote de TV básico e comprava o cartão “por fora”, por um “preço camarada” do profissional.
Perguntado se a empresa não notava a falta dos cartões, o técnico respondeu, “se desviam milhões em obras, um cartão não é nada”. Entretanto, o técnico entende que a venda dos cartões se trata de uma forma de corrupção, mas ele se explica. “Eu sei que é errado, mas a questão já começa errada desde o princípio. Se fosse um preço realmente justo e acessível, não precisaríamos fazer isso. Ou que pelo menos se oferecerem uma qualidade digna do preço pago”, comenta S.S.
Além da TV, o rapaz também tem "gato" – ligação clandestina – de energia em casa. "Sei que não é certo, a gente paga muito caro por um serviço que no caso era para ser acessível. O Brasil é um grande produtor de energia, o preço deveria ser menor", diz.
Pequenas corrupções
Em uma pesquisa informal realizada pela reportagem do Portal Revide, foram ouvidas 27 pessoas de diversas faixas etárias. Do total, 26 afirmaram já terem cometidos algum “pequeno crime”. Dentre os mais jovens, colar em provas e furtar pequenos itens de lojas, como chocolates, canetas e balas foi a atitude mais recorrente. Falsificar a assinatura dos pais também apareceu como uma das infrações mais cometidos.
Um ponto mais perigoso do que simplesmente roubar balas é a combinação álcool e direção; 59,3% dos entrevistados admitiram já ter ingerido bebida alcoólica e dirigido na sequência. Enquanto 33,3% confirmam já terem se informado nas redes sociais sobre onde haveria a Blitz da Lei Seca. Ou seja: além de cometerem o delito, agem deliberadamente para driblar a fiscalização.
Segundo a coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos e professora de Direito Civil do Moura Lacerda, Ana Carolina Pedrosa Massaro, as pequenas infrações da população brasileira, tais como estacionar em vagas proibidas ou não devolver o troco, não são um reflexo do cenário de corrupção política nacional, mas, sim, “o berço de todo esse desvio de conduta ética. Com efeito, os políticos são membros da sociedade brasileira e, por isso, comportam-se de acordo com o senso comum e os costume desta comunidade”, esclarece a professora.
Análise
A professora Ana Carolina analisa as pequenas corrupções pontuando que o “jeitinho brasileiro” é uma prática enraizada no seio da sociedade. “Infelizmente, mais do que um traço cultural, esse desvio ético-comportamental está relacionado à escassez – ou até mesmo ausência – de instrução quanto a valores éticos”, explica.
Para a historiadora Sandra Molina, a única diferença entre o político corrupto e a pessoa que se vale do jeitinho, são as proporções. "A pessoa que desvia 50 folhas de sulfite no escritório também está cometendo um crime. Contudo, se é alguém que te rouba no meio da rua; cadeia. Se é um político que faz isso; cadeia. Mas se sou eu, aí não. Eu sou uma pessoa de bem”, destaca Sandra.
Apesar disso, a historiadora o pondera que o problema do jeitinho é mais profundo, antigo e complexo do que se pensa. Além do mais, não é um problema recente ou exclusivamente brasileiro. "A corrupção não tem a ver com o desenvolvimento de um país, já que ele também acontece em países tidos como desenvolvidos”. Segundo Sandra, a diferença é que o processo de transparência nestes países já é consolidada por instituições respeitadas e que funcionam.
Observando o problema de outro ponto de vista, a psicóloga Marlene Trivellato defende uma educação baseada no exemplo, que condicione as futuras gerações ao caminho ético de uma maneira natural. Dessa forma, é necessário criar condições para que a criança tenha contato com valores que justificam as regras e, ainda, que as pessoas que apresentam estes valores sejam confiáveis, demonstrando utilizá-los no seu cotidiano.
"Pensemos em um pai que explica o valor de respeitar a ordem da fila da cantina na escola, mas na viagem da família à praia, fura a fila do congestionamento de carros, passando pelo acostamento, o que é proibido. Como a criança vai compreender e regular seu comportamento frente a esses exemplos?” questiona a psicóloga.
Foto: Acervo Revide