Uma vida digna de filme
A história de vida de Ana Mariana transformada em documentário pelo bisneto João Vitor

Uma vida digna de filme

O jovem artista João Vítor Zanato retratou a vida de sua bisavó, Ana Mariana, de 103 anos, em uma série-documentário que foi premiada em um festival internacional no Rio de Janeiro

*Matéria publicada na edição 1097 da revista Revide.

Dona Ana Mariana de Jesus entrou em seu quarto, no bairro Jardim América, em Ribeirão Preto. Antes de seguir viagem, beijou cada um dos santos que tem em uma mesinha. Depois, sentiu-se pronta para entrar em um avião pela primeira vez na vida, aos 103 anos de idade. E a viagem tinha um motivo mais do que especial. Com sua família, seguiu para o Rio de Janeiro, para participar do maior festival de webséries do mundo, o Rio WebFest, que aconteceu no último dia 28 de novembro. Seu bisneto, o ator, diretor, roteirista, professor e produtor audiovisual independente João Vítor Zanato, de 22 anos, fez uma série-documentário sobre ela durante a pandemia. Indicado na categoria “Melhor Performance (Não Ficção)”, o trabalho “Ana Mariana: Histórias de Uma Vida” foi premiado.

A série tem quatro episódios. Foi escrita e dirigida pelo jovem e está disponível no YouTube. Segundo Zanato, o processo de construção do projeto ganhou força em 2021, quando sua família foi solapada pela trágica notícia da perda de três familiares, vitimados pela Covid-19, no período de duas semanas. “A ideia de documentar a vida da minha bisavó nasceu há um bom tempo. Em 2016, quando eu estava no Ensino Médio, a casa da minha bisa passou por reforma. Comecei a registrar imagens daquele processo com uma filmadora amadora. Mas, com a vida corrida de vestibular, deixei o projeto na gaveta. Em abril deste ano, quando minha tia-avó Nelzira morreu em decorrência do coronavírus, coloquei na cabeça que precisava tirar o projeto do papel. Além de tentar reconstruir a imagem misteriosa de uma bisavó centenária a partir de arquivos familiares, o documentário seria uma forma de homenagear minha tia-avó, bem como todos os mais de 600 mil mortos neste país durante a pandemia”, detalha.

Para Zanato, ser premiado em um trabalho com tanto significado emocional é importante não só para sua carreira, mas para toda a família, já que a série é uma grande tentativa de reconstrução do arquivo familiar. E a viagem ao Rio teve um forte significado para dona Ana Mariana. Muito católica, ela teve a oportunidade de conhecer o Cristo Redentor. “Minha bisavó está lúcida, mas tem dificuldade de locomoção. Ela nunca havia viajado de avião, tampouco ido ao Rio de Janeiro. Foi um gesto de coragem e muito amor levá-la ao Rio. Ela é uma mulher com uma fé católica inabalável. Conhecer o Cristo Redentor foi a realização de um sonho que parecia impossível. Já no festival, pairava no ar uma comoção generalizada com a presença dela. Dona Ana Mariana foi, sem dúvidas, a grande estrela do Rio WebFest 2021. O teatro inteiro ficou de pé para nos aplaudir”, recorda.

O documentário estreitou ainda mais os laços entre o artista e a bisavó, que sempre tiveram uma relação muito forte. “Ela mora junto com meus avós, Sueli e Ademozar. Por boa parte da vida, minha mãe e eu moramos com eles. Então, sempre estive perto da minha bisavó e ficava fascinado pelas histórias que ela contava do tempo da roça. Há, na figura dela, uma áurea um tanto sagrada. Acredito que minha bisavó seja o exemplo de uma figura trágica que ainda existe na contemporaneidade, já que sua existência combina tanto a beleza de viver a vida com toda a sua potência quanto o horror de ter enfrentado tantas tragédias (a morte de três filhos, duas ditaduras, a atual pandemia). Acho que a maior lição que tiro da convivência com ela é a resiliência. É encontrar força nos lugares mais inusitados para poder seguir vivendo”, filosofa Zanato.

Nascida em 5 de abril de 1918, com 10 filhos, 20 netos, 27 bisnetos e 10 tataranetos, dona Ana Mariana tem muita história para contar. Ela afirmou que adorou a experiência de ver sua vida transformada em documentário. “Eu me sacrifiquei muito na minha vida e criei meus filhos. Graças a Deus, todo mundo bem educado, trabalhador e direito. Sou muito feliz. Meu bisneto filmou a minha casa todinha, meu altar, meus santos. E ele me falou, também, que ia fazer uma homenagem para minha filha Nelzira, que morreu neste ano. Graças a Deus, estou viva e com saúde. Também fiquei toda contente de conhecer o Rio de Janeiro e peço a Jesus e a Nossa Senhora para abençoar a todos nós. Agradeço ao prêmio que recebi. E que Jesus abençoe meu bisneto com muita força e coragem”, disse. A cortinas da vida de dona Ana Mariana continuam abertas a novas histórias. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos


Foto: Arquivo

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