Cientista alerta para elevação nos casos de coronavírus em Ribeirão nas próximas duas semanas

Cientista alerta para elevação nos casos de coronavírus em Ribeirão nas próximas duas semanas

Segundo o pesquisador Domingos Alves, medidas de isolamento social deverão ser prolongadas ou até mais endurecidas a depender dos resultados dos próximos dias

Devido ao extenso currículo de pesquisas na área de computação aplicada à saúde, o professor da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, Domingos Alves, tem sido requisitado pela mídia de todo o país para falar sobre o avanço do novo coronavírus.

Alves é doutor em Física pela USP, e possui dois pós-doutorados, um pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e outro pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, nos quais ele realizou estudos sobre sistemas de informação ligados à saúde. 

Com base nas análises realizadas até o momento, o pesquisador aponta para um pico dos casos confirmados e mortes durante o mês de abril e maio. Além disso, Alves acredita que há possibilidade de as medidas de isolamento social serem prolongadas, além do dia 7 de abril, data determinada pelo governo do estado.

Atualmente, pesquisador mantém um site no qual que publica as suas pesquisa e previsões sobre o crescimento do coronavírus no Brasil. A pesquisa é feita em parceria com de cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade de Brasília (UnB).

No site, os pesquisadores monitoram em tempo real os dados fornecidos por fontes oficiais sobre a propagação do vírus no país. Além disso, utilizam ferramentas de análise cientificamente embasadas como forma de auxiliar os gestores, autoridades e a população de uma maneira geral, no enfrentamento do que eles chamam de "guerra" ao covid-19. Só na cidade de São Paulo, os pesquisadores projetam que os casos confirmados saiam de 1,5 mil para cerca de 5 mil nos próximos dez dias.

Paralelo à pesquisa nacional, Alves está ansioso para realizar o estudo em Ribeirão Preto. No momento, ele aguarda a resposta de uma carta que enviou à Secretaria Municipal de Saúde solicitando por dados mais detalhados. Sobre o município, ele faz um alerta: “Ainda estamos no começo da epidemia”.

Até a terça-feira, 31, eram 30 casos confirmados em Ribeirão Preto e mais 17 aguardando a contraprova. Além disso, houve um aumento de 126 para 141 casos de síndrome respiratória aguda grave na cidade.

Em entrevista ao Portal Revide, Alves fez um alerta para que as autoridades tratem a doença de maneira “estoica”, ou seja, sem despertar grande emoção ao analisar os dados. Alves explica que afrouxar as medidas de isolamento, caso haja uma diminuição de casos, pode causar um problema ainda maior. “Criar expectativas pode ser um tiro no pé”, comentou.

O cientista também frisou o perigo que a doença representa para a população, independentemente da idade, e para o sistema público de saúde, que pode entrar em colapso caso. “Não é uma gripezinha, é uma pneumonia muito forte. A ponto de os aparelhos respiratórios não serem o suficiente”, advertiu.

REVIDE: Poderia explicar como essa pesquisa foi formulada e como chegaram aos resultados divulgados?

ALVES: Para fazer o monitoramento e análise da covid-19, o interessante foi ter não somente dados do País, mas sim, de cada município. No momento, estudamos os índices nacionais, do Estado de São Paulo e dos quatro maiores pontos de disseminação (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Fortaleza). Avaliamos também a cidade de Belo Horizonte que pode ser um novo polo. Se quisermos tomar quaisquer medidas de controle, devemos observar os casos nos municípios separadamente.

No momento, observamos o final de uma primeira etapa da disseminação na qual a quantidade pessoas que viajavam e se movimentavam entre municípios e estados diminuiu. Essa segunda etapa é a contágio dentro dos municípios.

REVIDE: O senhor acredita que as medidas tomadas, principalmente, por governadores e prefeitos do país são as necessárias para evitar uma maior contaminação da população?

ALVES: É bom enfatizarmos que essas medidas são extremamente importantes. Inclusive, em alguns municípios deveriam ser ainda mais rígidas.

Existe uma ansiedade muito grande para que isso termine logo, mas com base na metodologia existente, ainda não é possível observar os efeitos das medidas de isolamentos.

Para que isso seja possível, devemos esperar em torno de duas semanas para ver os efeitos dessas medidas. Temos de ser muito estoicos nesse momento. Nem nos animarmos demais, nem nos apavorarmos.

Eu advogo com toda a certeza que tenho que as medidas de contenção tem que ser mantidas por mais, pelo menos, duas semanas. E, depois, poderemos fazer inferências de quais foram os efeitos. Caso os resultados sejam positivos, podemos continuar, caso não tenham ajudado, seria hora de endurecer o isolamento.

  – “Em cenários otimistas que temos feitos, o final da ascensão da curva está previsto para o final de maio. Em cenários pessimistas, para o mês de novembro”

REVIDE:  No início se falava em "achatar a curva", o senhor acredita que conseguimos atingir esse cenário?

ALVES: A questão de achatar a curva é fundamental para que o sistema de saúde não entre em colapso. O achatamento da curva é uma questão de sobrevivência. Precisamos de tempo para que esses hospitais de campanha estejam prontos e todo mundo esteja preparado para atender a demanda.

Temos que criar medidas efetivas e robustas para ver se estamos caminhando para o achamento da curva ou não. Criar expectativas agora pode ser um tiro no pé.

REVIDE: Com base nos números que se tem hoje, há alguma estimativa de quando seria o melhor momento para determinar o fim das medidas de isolamento?

ALVES: Vai ter muita gente nessa semana e na próxima que vai fazer previsão do término da quarentena com base nos dados da Itália e de Wuhan. Isso pode colocar a população brasileira em perigo.

O que aconteceu em Wuhan não vai acontecer em lugar nenhum do mundo. O governo chinês começou a agir a partir do quinto caso, foram muito rápidos.

Aqui, estamos olhando para os números da China e da Itália e não estamos dando a devida importância que a epidemia está concentrada em pequenas regiões. Nos Estados Unidos são três regiões, na Itália é a Lombardia, na China é Wuhan.

No Brasil temos quatro e estamos estudando também a possibilidade de Belo Horizonte se tornar um novo polo disseminador da doença. São fenômenos similares aos dos Estados Unidos.

Com isso, em cenários otimistas que temos feitos, o final da ascensão da curva está previsto para o final de maio. Em cenários pessimistas, para o mês de novembro.

  –“Não existe nenhuma evidência científica, nenhum estudo produzido por nenhum país que esteja estudando o caso, sobre a utilização isolamento vertical”

REVIDE: Sobre o sistema público de saúde, quais fatores podem acelerar um cenário de colapso?

ALVES: Recentemente, o ministro da Saúde [Henrique Mandetta] foi muito feliz em uma colocação. Ele ressaltou que nós passamos por três grandes tempestades no Brasil: a covid-19, a dengue e que estamos entrando na sazonalidade da gripe.

Estamos estudando as notificações da maior epidemia de dengue em Ribeirão Preto, em 2016, da maior epidemia de gripe e quantos leitos foram utilizadas em cada delas.

Pode ser que não tenhamos tantos casos de covid-19 na região, mas nosso sistema de saúde pode colapsar se as três epidemias ocorrem mesmo tempo. Essa inferência foi feita pela diretora do Departamento de Vigilância Sanitária de Ribeirão Preto, Luzia Romanholi.

REVIDE: Algumas autoridades e empresários defendem o isolamento vertical, ao invés do horizontal. Ou seja, que deveriam ficar em casa apenas os idosos e pessoas do grupo de risco, deixando os mais novos voltarem a trabalhar. Com base nos seus achados científicos, o que o senhor pensa a respeito disso?

ALVES: Não existe nenhuma evidência científica, nenhum estudo produzido por nenhum país que esteja estudando o caso, sobre a utilização isolamento vertical. Todos os governos sérios do mundo mostram o contrário.

Como cientista eu peço que me tragam uma evidência científica, um estudo de que isso funciona. Assim, eu iria avaliá-lo e, dependendo do caso, mudar de ideia.

São apenas factoides criados por empresários que estão mais preocupados com o seu negócio do que com o bem da sociedade.

REVIDE: E sobre e sobre a informação de que, caso as pessoas jovens saiam nas ruas, elas criaram “resistência” ao vírus, qual a avaliação do senhor?

ALVES: Eventualmente, você pode pegar resistência à doença. Porém, todo mundo aposta que os mais velhos são os únicos a ficarem debilitados. Temos várias internações no Brasil de pessoas abaixo da idade preconizada.

A covid-19 não é uma gripezinha, é uma pneumonia muito forte. A ponto de os aparelhos respiratórios não serem o suficiente.

As pessoas que falam que os mais novos deviam sair para pegar resistência deviam ser enquadradas, pois geram um problema de saúde pública. Porque os jovens até podem pegar resistência, mas eles vão espalhar o vírus para muitas outras pessoas.

Em média, um infectado espalha a doença para duas ou três pessoas. Mas isso é uma média, já existem casos de pessoas que infectaram muito mais. Há um caso na Coréia do Sul, de um líder religioso que infectou cerca de 160 pessoas. Em São Paulo, o Hospital Albert Einstein estuda um caso de várias pessoas que foram infectadas em um único casamento.

 


Imagem: Revide

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