
Estudo da USP Ribeirão mostra que 64% dos recuperados de covid apresentam sequelas
Segundo resultados preliminares, principais sintomas persistentes são fadiga, falta de ar, dor de cabeça, perda de força muscular, dificuldade para enxergar ou incômodo nos olhos
Os resultados preliminares de uma pesquisa com pacientes recuperados de covid-19, acompanhados pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, revelam que 64% deles apresentaram sintoma persistente seis meses depois do início dos sintomas da doença.
Esses pacientes foram atendidos pelo ambulatório pós-covid (MINC) do Hospital das Clínicas da FMRP e, entre os principais sintomas persistentes constatados estão: fadiga, falta de ar, dor de cabeça, perda de força muscular, dificuldade para enxergar ou incômodo nos olhos. O projeto Recovida acompanha, desde maio de 2020, sobreviventes da covid-19 para observar as repercussões da doença e fazer o levantamento de dados.
Segundo a fisioterapeuta Lívia Pimenta Bonifácio, que desenvolveu o projeto em seu pós-doutorado na FMRP, o objetivo do projeto é acompanhar pacientes sobreviventes da covid-19 na sua apresentação leve e na forma mais grave da doença e observar sua sobrevida, bem como a ocorrência de possíveis repercussões físicas, psicológicas ou sociais relacionadas à infecção ou ao seu tratamento. “O Recovida é um projeto que foi pensado logo no início da pandemia no Brasil. Começamos a pesquisar e organizar o estudo em abril do ano passado, no final desse mesmo mês ele foi aceito pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e em maio começamos a coletar os dados”, contou a fisioterapeuta, em entrevista ao Jornal da USP em Ribeirão Preto.
Até o momento, ainda segundo a fisioterapeuta, há uma amostra de 177 pacientes acompanhados pelo Recovida, entre casos com apresentação leve, moderada e grave da covid-19. “Nossa meta é atingir 200 pacientes. No ambulatório MINC foram atendidos em torno de 230 pacientes no total, de maio a dezembro de 2020.”
Divisão e acompanhamento
Os pacientes foram divididos em grupos: leve, moderado e grave, para que fosse facilitado o entendimento da gravidade da doença pelos pesquisadores. “Estipulamos como critérios de classificação do estudo que os casos leves da covid-19 seriam aqueles pacientes com sintomas leves, que não necessitaram de suporte de oxigênio e não foram internados”, explicou Lívia. Ainda segundo a fisioterapeuta, os casos moderados são de pacientes com sintomas leves a moderados, que necessitaram de internação com suporte ou não de oxigênio. Já os casos classificados graves, são os pacientes com sintomas de moderados a graves, que necessitaram de internação, foram encaminhados ao CTI, necessitaram de intubação ou tiveram complicações seletas.
Após a aplicação dos critérios de classificação, a pesquisa identificou, no total de 177 pacientes, 14,7% de casos leves, 44,6% de casos moderados e 40,7% de casos graves. “No MINC, o paciente recebe um atendimento médico habitual que segue um protocolo de avaliação clínica, física, de coleta de exames específicos e de imagem numa periodicidade estabelecida de fase aguda até um mês do início dos sintomas, três, seis e 12 meses de acompanhamento, quando isso é possível, mas caso o paciente necessite de mais cuidados as consultas são mais frequentes”, explicou Lívia em entrevista ao Jornal da USP. Segundo ele, o Recovida segue este mesmo protocolo de periodicidade de acompanhamento dos pacientes, inclusive na verificação dos exames estabelecidos pelo protocolo.
Resultados preliminares
Os resultados sejam preliminares do estudo apontam que alguns sintomas são comuns e perduram por bastante tempo, e que podem deixar sequelas, mesmo após a recuperação do paciente da doença. “Temos pacientes com mais de seis meses do início dos sintomas e que ainda referem algum ou alguns sintomas persistentes”, relatou a fisioterapeuta. “Na fase aguda, vimos que os sintomas respiratórios são os mais comuns e mais marcantes, como tosse e a falta de ar (dispneia) assim como outros sintomas: febre, dor no corpo (mialgia), fadiga, dor de cabeça (cefaleia) e episódios de diarreia. Também há sintomas característicos da doença como alteração ou perda do paladar e do olfato.”
Após três meses do início dos sintomas, queixas respiratórias como tosse e falta de ar ainda permanecem, mas em menor porcentagem. “Nesse momento, novas queixas se apresentam, como perda de força muscular geral, algumas alterações na sensibilidade do corpo (parestesias), queda de cabelo e ressecamento da pele”, explicou a fisioterapeuta responsável pelo estudo. “E os sintomas característicos relacionados ao paladar e olfato estão diminuídos/reduzidos (hiposmia e hipogeusia), mas começam a retornar ao estado normal sentido pelo paciente.”
Assim, de acordo com a fisioterapeuta, os resultados preliminares do estudo feito em Ribeirão Preto indicam que em torno de 64% dos pacientes têm ainda algum sintoma persistente com seis meses ou mais do início dos sintomas da covid. “Os principais são fadiga, falta de ar, dor de cabeça, perda de força muscular e casos de queixas relacionadas à visão como uma dificuldade para enxergar ou incômodo nos olhos”, reforçou.
Tratamento
Esse acompanhamento ajuda a traçar estratégias de enfrentamento da covid-19, segundo explicou Lívia Pimenta Bonifácio. “Acredito que seja importante acompanhar estes pacientes porque não sabemos ainda até quando os sintomas persistem, se serão de fato sequelas da covid-19 e quais consequências podem gerar na qualidade de vida pessoal e profissional destes pacientes”, disse. “Apenas os estudos, as pesquisas científicas bem delineadas, orientadas e fomentadas trarão estas informações estritamente necessárias para o combate à covid-19.”
O estudo conta ainda com parcerias que complementam a avaliação do paciente. “A equipe da fisioterapia realizando exames de espirometria, oscilometria, teste de caminhada e teste de força, a de oftalmologia realiza exames mais específicos para acuidade visual dos pacientes com queixas visuais e a equipe de fonoaudiologia e CCP avaliam os pacientes que necessitaram de intubação ou traqueostomia para avaliar possíveis sequelas relacionadas à deglutição ou fonação”, contou a fisioterapeuta. “Outros estudos parceiros da imunologia e oncologia analisam dados relacionados à genética. O Recovida é um estudo do tipo ‘guarda-chuva’ que trabalha e compartilha dados com estes parceiros e oferece aos pacientes recuperados da covid-19 uma avaliação bastante completa.”
A pesquisa tem a orientação do professor Fernando Bellissimo-Rodrigues, do Departamento de Medicina Social da FMRP. Também colaboraram com o estudo os professores Valdes Bollela, Rodrigo de Carvalho Santana, João Paulo Souza, Afonso Dinis Costa Passos, Amaury Lelis Dal Fabro, Benedito Antônio Lopes da Fonseca e prof. João Santana. O trabalho teve ainda colaboração dos projetos parceiros: professora Ada Clarice Gastaldi, junto com fisioterapeutas e alunos do curso de Fisioterapia, professora Rosália Antunes-Foschini e Ílen Ferreira Costa, da Oftalmologia, e a aluna de Enfermagem Ana Paula Sulino Pereira.
*Com informações do Jornal da USP
Foto: Jornal da USP / Imagem cedida pela pesquisadora Lívia Pimenta Bonifácio