Remédio para gota tem resultado positivo contra a Covid-19, aponta estudo feito no HC
Ao todo, 35 voluntários participaram do estudo, metade usou a colchicina e a outra metade, um placebo

Remédio para gota tem resultado positivo contra a Covid-19, aponta estudo feito no HC

Medicamento diminuiu inflamação pulmonar causada pela doença; testes devem ser ampliados nos próximos meses

Um estudo clínico coordenado pelo Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) da USP e realizado no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), entre o meses de abril e julho deste ano, mostrou que um medicamento utilizado para tratar crises de gota combateu a infecção pulmonar e diminuiu o tempo de hospitalização de pacientes com as formas moderada e grave de Covid-19.

Segundo o Jornal da USP, os resultados do estudo foram apresentados em agosto na plataforma MedxRiv, que disponibiliza artigos ainda não revisado por outros cientistas. Foram incluídos 38 pacientes, obrigatoriamente internados no HC e que precisavam de oxigenação suplementar por conta da Covid. Três deles precisaram ser transferidos para a UTI e não chegaram à fase final do estudo. Os 35 voluntários foram divididos em dois grupos: além de receberem os medicamentos do protocolo institucional de tratamento, metade tomou a colchicina e a outra metade, um placebo. Nesse tipo de estudo, chamado duplo-cego, nem os médicos, nem os pacientes sabem a que grupo cada voluntário pertence.

De acordo com o que explicou em entrevista ao Jornal da USP, o pesquisador associado do CRID e coordenador da pesquisa, Renê de Oliveira, boa parte dos pacientes que tomaram a colchicina tiveram alta após seis dias de internação, contra oito dias no grupo placebo. "Além disso, os voluntários tratados com a droga em teste necessitaram de apenas três dias de oxigenoterapia, contra até dez dias no grupo placebo”, disse.

Para Paulo Louzada Junior, pesquisador do CRID e professor da FMRP, os resultados surpreenderam. “É importante ressaltar que o fármaco não foi indicado como preventivo ou para tratar formas mais leves de Covid-19. Se ela funciona nesses casos, não temos esse dado”, destacou em entrevista ao Jornal da USP.

Como funciona

A gota é caracterizada por ataques recorrentes de artrite aguda provocadas pelo depósito de cristais de ácido úrico nas articulações, causando inflamação, dor e inchaço. Com isso, há o recrutamento, pelo sistema imune, de células de defesa, como os neutrófilos, que chegam para combater o processo como um todo. Há também um aumento de citocinas inflamatórias no sangue, que aceleram a inflamação. Neste caso, a colchicina é administrada para desinflamar e impedir que mais neutrófilos cheguem aos tecidos.

Renê de Oliveira explicou que com a Covid-19, algo parecido acontece, só que nos pulmões:  "uma invasão das células do sistema imune e um aumento das interleucinas (IL )1-β, IL-6, IL-18, além do fator de necrose tumoral (TNF)”. Segundo o profissional, observa-se também uma elevação nos níveis da proteína C-reativa, um marcador de inflamação sistêmica. “Por ser uma droga segura, bem tolerada e com poucos efeitos colaterais, decidimos investigar se ela teria um efeito benéfico para pacientes com a doença.”

Estudo
Segundo a USP, para ser incluído no estudo, o critério principal era ser um paciente nas fases moderada ou grave e que necessitasse de internação por causa de uma pneumopatia induzida pelo Covid-19.  “Do grupo que usou a colchicina, o paciente que ficou mais tempo internado foi 12 dias, mas boa parte deles recebeu alta depois de seis dias”, explicou Oliveira. “Além disso, eles deixaram de utilizar oxigênio, em média, em três dias antes do grupo placebo.” Houve, também, a redução nos níveis da proteína C-reativa nos pacientes que utilizaram a colchicina.

Dos 35 voluntários que concluíram o estudo (18 do grupo placebo e 17 do grupo tratado com colchicina) poucos tiveram efeitos adversos. “O efeito colateral mais comum observado em quem tomou colchicina foi a diarreia”, relata Louzada Junior. “Isso já era esperado, porque também acomete pacientes que utilizam a droga para tratar a gota.”

A diminuição no tempo total de internação pode trazer benefícios ao sistema de saúde ao aumentar a rotatividade de leitos e reduzir os gastos. “Cada paciente em enfermaria custa cerca de R$ 1 mil reais por dia, e na UTI, o valor aumenta em seis vezes. Isso sem contar os insumos utilizados”, explica Oliveira.

Segundo a USP, o estudo se mostrou eficaz por conta da rotatividade de leitos. 

De acordo com o Jornal da USP que, daqui a dois meses, os profissionais vão prosseguir com a pesquisa e enviarão um pedido de autorização à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Assim que aprovado, o planejamento é recrutar cerca de 200 pacientes para fazer mais testes.

O infectologista e pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz André Siqueira destaca que o estudo ainda é pequeno, mas o fato de ter sido randomizado e duplo-cego elimina os possíveis vieses de seleção e observação que podem acontecer em estudos abertos. “De fato, é um estudo pequeno, mas já aponta para necessidade de organizar uma pesquisa com mais participantes”. E enfatiza. “Não adianta começar um estudo gigantesco com algo que já de saída não tem nenhuma evidência positiva.”

*Com informações do Jornal da USP


Foto: Arquivo Revide

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