Ribeirão Preto assume papel de destaque na produção de vacinas contra a Covid-19
Profissionais e instituições de Ribeirão Preto possuem ligação direta com o desenvolvimento de dois novos imunizantes contra o Coronavírus
Como um reconhecido polo nacional de saúde, Ribeirão Preto assume papel de protagonista na vacinação e no combate à Covid-19 em todo o país. Além de ter ligação na produção das duas primeiras vacinas desenvolvidas em solo brasileiro, o município também presta auxílio no Projeto S, que visa vacinar toda a população de Serrana; um estudo inédito em todo o mundo.
A vacina Versamune será desenvolvida pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP). Já a Butanvac será o imunizante concebido pelo Instituto Butantan, que tem como diretor o hematologista Dimas Covas Tadeu. Covas é professor titular na FMRP e presidente do Hemocentro de Ribeirão Preto.
Os novos imunizantes foram anunciados no mesmo dia, na quinta-feira, 26 de março. O primeiro anúncio foi feito pelo Butantan e o segundo, poucas horas depois, pelo governo federal. Até o fechamento desta edição, haviam sido aplicadas 114 mil doses da vacina contra a Covid-19 em Ribeirão Preto, sendo que 30 mil pessoas receberam as duas doses. Até o momento, o Brasil possui três vacinas aprovadas: a Coronavac, a AstraZeneca e a Janssen Vaccine.
Versamune: a vacina desenvolvida em Ribeirão
O anúncio oficial do desenvolvimento da Versamune, a vacina produzida em uma parceria da farmacêutica Farmcore Biotecnologia, com a FMRP e recursos do governo federal, foi feito pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes. Segundo o ministro, os testes devem ter início ainda neste ano e a expectativa por parte do governo federal é alta.
“Esperamos que os testes aconteçam ainda neste ano, pelo menos para ter uma abertura em emergência da fase 3. Havendo eficiência e segurança comprovadas, a vacina será usada aqui no Brasil”, afirmou Pontes. Segundo a Farmacore, o diferencial deste medicamento é que, por meio de uma combinação de componentes, a Versamune ativa especificamente as vias imunológicas necessárias para respostas das células e anticorpos neutralizantes.
“Ao contrário das tecnologias de vírus, nossa vacina gera uma resposta imune muito específica, direcionada e poderosa. Além de ser uma tecnologia mais segura em relação ao processo de produção, pois não exige níveis elevamos de biossegurança”, explicou Helena Faccioli, CEO da Farmacore.
O anúncio de que o governo federal enviaria recursos para a elaboração desse imunizante fez com que o Tribunal de Contas do Estado solicitasse esclarecimentos à USP sobre a utilização dos recursos. Em despacho assinado pelo conselheiro Antonio Roque Citadini e endereçado ao Reitor da USP, Vahan Agopyan, pede esclarecimentos sobre o montante e a origem dos recursos públicos alocados ao projeto e o valor despendido até agora no desenvolvimento do imunizante.
A reportagem da Revide entrou em contato com a assessoria da USP, mas foi informada de que todos os assuntos referentes ao caso devem ser tratados diretamente com a Farmacore. Em nota, a empresa informou que o investimento inicial do Governo Federal, exclusivo para as pesquisas não clínicas realizadas sob coordenação da FMRP, foi de aproximadamente R$ 3 milhões de reais. Para o ensaio clínico das fases 1 e 2, o consórcio está buscando recursos com o governo federal, estimados em R$ 30 milhões. “Com tudo certo, o investimento para a fase 3, por questões de um maior número de voluntários e toda a questão logística que esse processo demanda, deverá girar em torno dos 300 milhões de reais.”, declarou Helena.
Apesar de possíveis solavancos políticos, o medicamento tem despertado o otimismo dos profissionais da saúde. O professor da FMRP, Célio Lopes, que faz parte dos estudos da vacina em Ribeirão Preto, enxerga no imunizante a concretização de um esforço de toda a ciência brasileira.
"Representa a concretização dos esforços da ciência e tecnologia brasileira, que de forma translacional, está conseguindo trabalhar com produto inovador, desde a concepção da ideia e prova de conceito, até o teste clínico e produção industrial", ressaltou. O laboratório que Lopes coordena foi responsável pelo delineamento dos estudos pré-clínicos em animais, através do desenho e acompanhamento dos ensaios imunológicos da vacina. "É uma etapa importante para verificar como a vacina vai agir em animais, dando suporte para avançar para a fase em humanos", pontou o professor.
A Farmacore já solicitou à Anvisa autorização para início dos estudos clínicos em humanos. A fase 1 e 2 dos estudos clínicos devem contar com 360 voluntários saudáveis, com idade entre 18 e 55 anos, e depois em um segundo momento, de 55 a 75 anos. São duas doses com intervalo de 21 dias entre elas. No período de três a quatro meses, os voluntários serão avaliados para verificar se o medicamento não provoca nenhum tipo de efeito colateral e se os anticorpos serão gerados. Com bons resultados nessas etapas, será possível avançar para a fase 3, na qual o número de voluntários passará para cerca de dez mil.
"Esse teste dura em torno de seis meses e, com bons resultados, podemos pedir o uso emergencial à Anvisa. Com o uso autorizado, a vacina pode começar a ser distribuída pelo governo para a população", disse a CEO da Farmacore. Questionada sobre a capacidade de produção, Helena declarou que a escala e capacidade de produção será determinada em conjunto com um parceiro industrial. "Quanto às instalações, estamos em negociação com algumas indústrias brasileiras para essa etapa de produção em escala. O acordo deve ser fechado nos próximos 30 dias", concluiu.
Butanvac: a vacina do Butantan
A segunda vacina que está em desenvolvimento no Brasil também tem influência ribeirãopretana. O imunizante será produzindo pelo Instituto Butantan, que tem o hematologista Dimas Covas, como diretor. A vacina chamada de "Butanvac" promete ser fabricada com custos baixos no Brasil. Contudo, durante o anúncio do novo medicamento, foi anunciado que a tecnologia e o desenvolvimento da Butanvac seriam totalmente brasileiros. Porém, a informação estava descontextualizada.
Segundo nota emitida logo após a polêmica pelo próprio Instituto Butantan, a vacina será desenvolvida sem dependência de insumo importado e usará o vírus da doença de NewCastle desenvolvido por cientistas nos Estados Unidos na Icahn School of Medicine no Mount Sinai em Nova York. A doença de Newcastle também é uma doença respiratória aviária. Já a proteína S estabilizada do vírus SARS-Cov-2 utilizada na vacina com tecnologia HexaPro foi desenvolvida na Universidade do Texas em Austin.
Apesar da falha inicial de comunicação, a Butanvac mantém altas as expectativas de todos no setor da saúde, isso porque, ela usa uma tecnologia barata, segura e usual entre fabricantes de vacina no mundo todo: a inoculação do vírus em ovos embrionados de galinhas. Além disso, os estudos pré-clínicos em animais demonstraram que a nova vacina é mais imunogênica, ou seja, gera uma melhor resposta imunológica.
“Isso é inédito. Não existe nenhuma vacina no mundo contra Covid-19 que é produzida em ovo. Por que é importante produzir em ovo? Porque existem muitas fábricas que usam essa tecnologia para produção da vacina da gripe e, portanto, essa é uma saída em uma situação epidêmica”, declarou Covas. A expectativa é que a pesquisa clínica que comprovará a segurança e eficácia da ButanVac seja realizada em cerca de dois meses. “Não é o estudo de uma nova vacina da qual não se conhece nada. O estudo pode ser feito inclusive de forma comparativa com as demais vacinas que estão sendo usadas do ponto de vista da resposta imunológica”, acrescentou o diretor do instituto.
O desenvolvimento da vacina será feito pelo Butantan na mesma plataforma usada para a vacina da influenza, ou seja, a Butanvac empregará a mesma tecnologia utilizada na vacinada gripe. Todos os processos produtivos, desde a qualificação dos ovos embrionados, inoculação, crescimento viral, processamento e purificação viral, inativação, formulação, qualificação, controle de qualidade, produção em escala, envase, rotulagem, registro sanitário, serão realizados pelo Butantan. Com isso, o instituto garante que a vacina em desenvolvimento será produzida integralmente pelo Butantan no Brasil. "Garantimos o trabalho em conjunto com a Mount Sinai e o Butantan se orgulha desta nova etapa, que trará para o país um novo insumo tão importante em um momento tão delicado de pandemia", informou o instituto em nota.
Fotos: Luan Porto/ Gov. São Paulo