Secretária de Saúde de Sertãozinho não tem certeza se cloroquina foi responsável pela queda na ocupação de leitos

Secretária de Saúde de Sertãozinho não tem certeza se cloroquina foi responsável pela queda na ocupação de leitos

Cidade que possui 10 leitos de Covid-19 teve redução acentuada na ocupação nos últimos dias, mas manteve número de óbitos

A taxa de ocupação de leitos em Sertãozinho apresentou uma redução nas últimas duas semanas. O município que esteve próximo da lotação máxima, agora possuí 50% dos leitos de UTI ocupados. Ao todo, a cidade possui 10 leitos de UTI exclusivos para Covid-19 e 17 leitos de enfermaria.

Desde o dia 22 de julho, a pedido do prefeito Zézinho Gimenez (sem partido), foi adotado o protocolo de medicação precoce do Ministério da Saúde de azitromicina e a cloroquina para tratamento dos pacientes, após avaliação clínica e prescrição médica.

O Portal Revide questionou a secretária de Saúde de Sertãozinho, Angélica Lazarini, se ela notava relação entre a redução na ocupação de leitos com a adoção dos medicamentos. Segundo Angélica, não é possível afirmar uma relação entre o uso da medicação e a liberação dos leitos.

“Não podemos afirmar que as quedas desses índices se devem exclusivamente à adoção da medicação precoce, porém, elas coincidem com esta, que foi uma entre tantas medidas adotadas pela Administração Municipal nesses últimos quatro meses de pandemia, como ampliação de leitos de UTI, cuidados intermediários e enfermaria Covid; ampliação da testagem, tratamento e monitoramento precoce da população, conforme recomendações do Ministério da Saúde; intensificação da fiscalização no cumprimento do Decreto Estadual por parte dos estabelecimentos comerciais, etc”, explicou.

Comparação

Quando o protocolo foi assinado pelo prefeito, a cidade possuía 45 mortes por Covid-19, segundo dados dos boletins epidemiológicos da prefeitura de Sertãozinho. Alguns dos pacientes também estavam internados em Serrana e Ribeirão Preto e vinham a falecer nessa cidades.

Observando os 15 dias após a adoção do protocolo, entre os dias 22 de junho e 6 de agosto, foram 20 mortes de pacientes internados em Sertãozinho. Observando o mesmo período antes da aplicação do protocolo, entre os dias 7 de julho e 22 de julho, foram notificadas 23 mortes em hospitais de Sertãozinho. 

Até o boletim divulgado na sexta-feira, 7, a cidade registrava 70 óbitos. Sendo 25 mortes desde a adoção do protocolo. Durante o mês de junho, considerado o pico da doença na Direção Regional de Saúde (DRS) XIII, que contempla 26 municípios da região, foram 8 mortes em Sertãozinho. Durante o mês de julho, foram 50 mortes e, até o momento, foram 8 mortes em agosto. Todas essas informações estão disponíveis na página do Comitê Técnico de Covid-19, no site da Prefeitura de Sertãozinho. Os números de mortes levam em consideração a data da notificação oficial no boletim. 

Repercussão

Após o anúncio de que Sertãozinho iria adotar o uso da cloroquina, médicos que integram o Comitê de Covid-19 do município pediram desligamento, no dia 22 de julho, do grupo. Os médicos se declaravam contrários ao uso do medicamento.

“No município de Sertãozinho, contraindicamos o uso em pacientes ambulatoriais com sintomatologia leve ou moderada nesse momento, seguindo recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS)”, escreveram os profissionais da Saúde.

Segundo nota da Secretaria de Saúde de Sertãozinho, o assunto da adoção do protocolo foi debatido com o Comitê. “A Prefeitura tem ciência que o assunto não possui consenso da classe médica, e não havendo obrigatoriedade de participação dos quatro servidores médicos infectologistas no Comitê Técnico Covid-19, acatou seus pedidos de desligamento", declarou a Secretaria de Saúde de Sertãozinho.

Na quinta-feira, 6, durante coletiva na Prefeitura de Ribeirão Preto, o secretário Municipal de Saúde, Sandro Scarpelini, que também é médico, criticou a adoção do protocolo na cidade vizinha.

"Eu não sei o que aconteceu em Sertãozinho, mas certamente não é ciência. Ciência são os artigos publicados no New England, no Lancet, em revistas que levam em consideração a qualidade de pesquisa. Aquilo pode ter sido uma coincidência ou até mesmo uma ação da droga [...]. Pode ter sido cinco pessoas que morreram, porque lá só tem dez leitos. Se você der cinco altas num dia vai cair. Quando a gente fala em evidência, tem que ter muitos casos. Por exemplo, o paciente pode tomar a cloroquina, mais a ivermectina, mais o corticoide, mais a azitromicina: qual delas estaria funcionando?", declarou o secretário. Procurada, a Prefeitura de Sertãozinho informou que não iria comentar as declarações de Scarpelini.

"Nos Estados Unidos não estamos usando"

O médico Marcelo Bigal classifica como "estarrecedor" que o uso da cloroquina ainda esteja sendo discutido, o médico afirma que, até o momento, ainda não existe qualquer comprovação científica da eficácia do medicamento.

Bigal possui doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Ele mudou para os Estados Unidos para fazer  pós-doutorado e dedicou metade da carreira no Albert Einstein College of Medicine, em Nova Iorque. Recentemente, ele iniciou as atividades na indústria farmacêutica, sendo o CEO de uma companhia de biotecnologia. A empresa de Bigal tem o foco em distúrbios do sistema imunológico.

"O Brasil responde por 2,7% da população mundial. A despeito disso, respondemos por 13,7% dos óbitos, mesmo com a subnotificação. É uma mortalidade quase 500% maior do que deveríamos ter aqui, mesmo com o protocolo da cloroquina. [...] Quem quiser brigar, berrar e xingar pode. Faz parte das prerrogativas das pessoas que não seguem a ciência", critica o especialista. 

Bigal comenta que o medicamento não tem sido utilizado em larga escala pelas clínicas norte-americanas. "A ciência já conhece há muito tempo a cloroquina e sabe que, mesmo quando usada precocemente, ela não funciona contra a Covid-19. Ela não é advogada em nenhum outro país do mundo, aqui nos Estados Unidos não estão usando, nem na Europa", comentou. 

Ribeirão Preto

No dia 22 de julho, a Secretaria de Saúde de Ribeirão Preto informou que, até o momento, não pensa em incluir a utilização de hidroxicloroquina na rede pública de saúde do município.

"Tendo em vista a grande repercussão na mídia em todo o país sobre a utilização da hidroxicloroquina na prevenção e tratamento precoce ao novo coronavírus (Covid-19), a Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto, em consenso com o Comitê Técnico de Enfrentamento à doença, não incluirá, neste momento, a sua utilização na rede pública de Ribeirão Preto para pacientes do SUS nas situações citadas, com base nos estudos científicos promovidos pelas instituições abaixo:

Universidade de Oxford
Nenhuma terapêutica ainda foi comprovada como eficaz no tratamento de doenças leves causadas por SARS-CoV-2. Nosso objetivo foi determinar se o tratamento precoce com hidroxicloroquina (HCQ) seria mais eficaz do que nenhum tratamento para pacientes ambulatoriais com Covid-19 leve.


National Library Of Medicine
Pacientes com lúpus eritematoso sistêmico em uso de hidroxicloroquina ou cloroquina desenvolvem COVID-19 grave com frequência semelhante a pacientes que não tomam antimaláricos: é necessário explorar os benefícios antitrombóticos da coagulopatia por COVID-19. Resposta a: 'Curso clínico de COVID-19 em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico em tratamento prolongado com hidroxicloroquina' por Carbillon et al.

The New England Journal of Medicine
A doença de coronavírus 2019 (Covid-19) ocorre após a exposição ao coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2). Para as pessoas expostas, o padrão de atendimento é observação e quarentena. Não se sabe se a hidroxicloroquina pode prevenir a infecção sintomática após a exposição à SARS-CoV-2.

Contudo, a secretaria reforçou que, assim como recomenda o Ministério da Saúde, não há proibição para que médicos a prescrevam, com o consentimento do seus pacientes, sendo responsável por todos as consequência, o que já é inerente à profissão.


Foto: Divulgação

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