USP-RP critica adoção de tratamentos sem comprovação científica contra a Covid-19

USP-RP critica adoção de tratamentos sem comprovação científica contra a Covid-19

Carta foi assinada por 25 doutores da USP Ribeirão Preto, HC e Faepa. Leia documento na íntegra

Uma nota assinada por 25 doutores da Universidade de Ribeirão Preto rebateu as críticas direcionadas à instituição pela não adoção dos "kits covid" e demais tratamentos alternativos sem comprovação científica contra a Covid-19.

Divulgada nesta quarta-feira, 12, a nota alerta que a desinformação e o compartilhamento de conteúdo sem comprovação nas redes sociais, também é danoso à população.

O texto conta com o respaldo de professores, médicos, diretores, chefes de departamentos e demais profissionais da saúde da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (FMRP-USP), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da  (HCFMRP-USP) e das entidades gerenciadas pela Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência (FAEPA).

Os especialistas relataram que têm sofrido pressão por parte da população para a adoção de medicamentos que ainda não possuem comprovação científica, como ivermectina, nitazoxanida, zinco, vitamina D e ozônio.


Leia a nota na íntegra:

"Nós, abaixo assinados, Professores, Médicos, Diretores, Chefes de Departamentos e demais profissionais da saúde da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) e das entidades gerenciadas pela Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência (FAEPA) vimos a público manifestar nosso repúdio às insinuações expressadas por certos órgãos de imprensa e nas mídias sociais no sentido de que estaria ocorrendo irresponsabilidade dos serviços públicos de saúde pela não adoção dos chamados “kits covid”, que, de acordo com a opinião manifestada nesses veículos, seriam eficazes na prevenção das formas graves da COVID 19. Para tanto, são propalados conteúdos com repetidos exemplos de cidades do Brasil onde, de acordo com opiniões de prefeitos e moradores, resultados favoráveis têm sido obtidos com a distribuição populacional desses medicamentos.

Cumpre esclarecer que estas opiniões não têm embasamento científico robusto, tendo sido refutadas por estudos bem recentes, metodologicamente muito bem conduzidos, que, unanimemente, apontam completa ausência de efeito protetor ou curativo de drogas como hidroxicloroquina e azitromicina em qualquer fase evolutiva dos casos de COVID 19. Com base unicamente na opinião de alguns, tais informações defendem ainda a utilização de produtos como ivermectina, nitazoxanida, zinco, vitamina D e ozônio, nunca submetidos a estudos controlados, agredindo o bom senso e as modernas práticas científicas. Além da falta de qualquer suporte científico à utilização desses medicamentos, que justificassem sua distribuição para a população, os benefícios apregoados em algumas cidades não resistem minimamente a uma comparação objetiva de indicadores epidemiológicos da Covid-19, com outras cidades de população similar que não os utilizam.

A insistência em transmitir ao público estas falsas informações constitui grave irresponsabilidade por parte dos criadores desses conteúdos e de alguns órgãos da imprensa, posto que levam a opinião pública a acreditar em soluções pretensamente milagrosas e a ingerir drogas que, além de ineficazes para a COVID 19, possuem efeitos colaterais potencialmente graves. E ainda mais, a experimentar uma falsa sensação de segurança que possivelmente leve a um relaxamento das medidas comprovadas cientificamente como de alto impacto na interrupção da cadeia de transmissão, como o distanciamento social, o uso contínuo de máscara e a correta e constante higienização das mãos.

Ressaltamos que, com os recursos que temos disponíveis e com o grande esforço e engajamento das equipes hospitalares e administrativas, os resultados assistenciais obtidos pelos hospitais do Complexo HCFMRP-USP-FAEPA demonstram um cuidado seguro e de qualidade aos pacientes internados por COVID-19, comparáveis aos dos melhores hospitais do Brasil e de países desenvolvidos. Adicionalmente, o protocolo de manejo de pacientes com COVID do HCFMRP é frequentemente revisado por uma equipe de especialistas, e também atualizado de acordo com as mais recentes publicações científicas e boas práticas médicas. Finalmente, temos um compromisso firmado com a Sociedade que nos leva a utilizar os melhores tratamentos disponíveis e não nos furtaríamos em ofertar esses medicamentos se houvesse a menor base que os justificasse.

Ainda que se deva respeitar o direito de cada profissional médico em prescrever a medicação que julgar adequada para seus pacientes, assumindo individualmente a responsabilidade pelos seus atos, não se pode compactuar com políticas públicas que destinem recursos substanciais para tratamentos sem comprovação de sua eficácia, ao invés de aplicá-los em equipamentos e terapêuticas já consolidados para o enfrentamento dessa grave doença.

Que fique claro, portanto, que este tipo de informação é altamente danoso à comunidade e produz um enorme desserviço aos esforços das instituições de saúde comprometidas com o bem-estar da comunidade e com o combate à grave pandemia pela qual passamos".

Assinam a nota: Jorge Elias Júnior, vice-diretor FMRPUSP; Rui Alberto Ferriani, diretor FMRPUSP e Presidente do Conselho Deliberativo HCFMRP; Antônio Pazin Filho, diretor de Atenção à Saúde HCFMRP;Benedito Carlos Maciel, superintendente HCFMRP; Valdair Francisco Muglia, diretor científico FAEPA;   Ricardo de Carvalho Cavalli, diretor executivo FAEPA;  Elaine Christine Dantas Moisés, diretora geral CRSMRP-MATER; Wilson Salgado Júnior, diretor do HE Ribeirão; Dra. Maisa Cabete Pereira Salvetti, diretora geral HE Américo Brasiliense;  Marcos de Carvalho Borges, diretor geral HE Serrana;  Helton Luiz Defino, chefe depto ortopedia e anestesiologia; Fabiana Cardoso Pereira Valera, chefe do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia Cabeça e Pescoço; Lourenço Sbragia Neto, chefe do Depatarmento de Cirurgia e Anatomia; Francisco José Cândido dos Reis, chefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia; Sonir Roberto Rauber Antonini, chefe do departamento de Puericultura e PediatriaRodrigo Tocantins Calado, chefe do Departamento de Imagens Médicas, Hematologia e Oncologia Clínica.


Secretaria de Saúde de Ribeirão Preto

No dia 22 de julho, a Secretaria de Saúde de Ribeirão Preto informou que, até o momento, não pensa em incluir a utilização de hidroxicloroquina na rede pública de saúde do município.

"Tendo em vista a grande repercussão na mídia em todo o país sobre a utilização da hidroxicloroquina na prevenção e tratamento precoce ao novo coronavírus (Covid-19), a Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto, em consenso com o Comitê Técnico de Enfrentamento à doença, não incluirá, neste momento, a sua utilização na rede pública de Ribeirão Preto para pacientes do SUS nas situações citadas, com base nos estudos científicos promovidos pelas instituições abaixo:

Universidade de Oxford
Nenhuma terapêutica ainda foi comprovada como eficaz no tratamento de doenças leves causadas por SARS-CoV-2. Nosso objetivo foi determinar se o tratamento precoce com hidroxicloroquina (HCQ) seria mais eficaz do que nenhum tratamento para pacientes ambulatoriais com Covid-19 leve.


National Library Of Medicine
Pacientes com lúpus eritematoso sistêmico em uso de hidroxicloroquina ou cloroquina desenvolvem COVID-19 grave com frequência semelhante a pacientes que não tomam antimaláricos: é necessário explorar os benefícios antitrombóticos da coagulopatia por COVID-19. Resposta a: 'Curso clínico de COVID-19 em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico em tratamento prolongado com hidroxicloroquina' por Carbillon et al.

The New England Journal of Medicine
A doença de coronavírus 2019 (Covid-19) ocorre após a exposição ao coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2). Para as pessoas expostas, o padrão de atendimento é observação e quarentena. Não se sabe se a hidroxicloroquina pode prevenir a infecção sintomática após a exposição à SARS-CoV-2.

Contudo, a secretaria reforçou que, assim como recomenda o Ministério da Saúde, não há proibição para que médicos a prescrevam, com o consentimento do seus pacientes, sendo responsável por todos as consequência, o que já é inerente à profissão.

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Foto: Acervo Revide

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