A degustadora de histórias

A degustadora de histórias

Um exemplo do poder da leitura de transformar vidas, Melissa Velludo, é uma ativista dos benefícios de um bom livro.

Mais para devoradora do que degustadora de livros — ela lê, em média, 15 livros por mês —, Melissa Velludo é um exemplo de vida transformada pela leitura. A literatura mudou o curso da sua história. Ela foi radialista durante muitos anos e dedicou outros tantos à sua área de formação inicial: o Direito, mas aos 36 anos, cansada da rotina de trabalho, assinou um Clube de Leitura.

 

A distração virou hábito, que se tornou profissão. Formou-se, pela terceira vez, em Letras, e empreendeu corajosamente, em plena pandemia, com a audácia de ir na contramão do histórico de fechamento de livrarias em Ribeirão Preto. Assim nasceu, em 26 de setembro de 2021, “A Degustadora de Histórias”, um cantinho muito especial no Centro da cidade, que funciona como sebo, livraria e espaço para eventos literários, onde as pessoas se encontram para participar de Clubes de Leitura, fazer trocas de livros e pegar as indicações imperdíveis da Mel de novos — ou clássicos —, títulos e autores. Nesta entrevista, a degustadora conta um pouco dessa trajetória de amor aos livros e transformação pessoal.  

 

Como aconteceu essa mudança de vida, de advogada a dona de livraria?

Sou de uma geração que tinha que escolher uma carreira e ficar nela, não podia abrir mão, como as pessoas hoje em dia fazem, pensando mais em trabalhar feliz. Ainda assim, minha transição foi muito tranquila porque faço o que amo. Voltei a ler em 2015, comecei a estudar Letras em 2018, e fui me preparando devagar para poder trabalhar com literatura. Todo mundo dizendo que eu estava doida. Fiz minha primeira formação em Direito, com 17 anos. Depois cursei Filosofia, e por amor à Literatura, fiz Letras. Essa foi a última mesmo! Escolhi fazer Direito para fazer justiça, mas descobri que o Direito apenas segue as leis e nem sempre faz justiça. Passei 21 anos advogando e estava muito estressada, precisando fazer algo diferente, então entrei em um Clube do Livro e me apaixonei pela literatura. Acabei vindo para Ribeirão Preto estudar e abrindo o site de vendas online de livros “A Degustadora de Histórias”. 

 

Você foi meio na ‘contramão’ da tendência de fechamento de livrarias físicas...

Hoje em dia está tudo na mão e a concorrência com o digital é grande, mas acho que o público leitor quer sentir o cheiro do livro — e cada editora tem um cheiro diferente. É outra coisa ter um livro nas mãos. Muitas livrarias fecharam, algumas estão com dificuldades, em recuperação judicial, mas são outro formato, a minha é uma livraria pequena, independente.

 

E qual a história da Degustadora de Histórias?

Durante a pandemia, conduzi um projeto junto com minha professora chamado “Degustadores de Contos”. Era um encontro online que acontecia aos domingos, às 17h, onde discutíamos um conto. A aceitação foi muito boa, e ele durou 55 semanas. Depois que tomei a segunda dose da vacina, decidi procurar um local e abrir a loja física. Montei na loucura e na coragem, já com a ideia de fomentar os clubes de leitura presencialmente. Nunca pensei que fosse verdade aquela frase: “Trabalhe com o que você ama que não vai mais precisar trabalhar na vida”, mas hoje me sinto assim.

 

Como foi a escolha do local para montar a livraria?

ou apaixonada pelo Centro e queria uma casa um pouco mais antiga, que tivesse um ambiente retrô, de nostalgia. A casa da rua Garibaldi achei pela internet, a porta de madeira foi o que mais me chamou atenção. Escolhi por ser um ambiente mais simples, com ar de aconchego, e por ficar próximo do Shopping Santa Úrsula. Tem sido bastante positivo, crescemos desde a abertura, mas claro que precisamos de mais e lutamos diariamente para as pessoas comprarem livros. Nosso estilo de vendas é mais literatura porque, como sou dessa área, vou indicando e puxando as pessoas para esse tipo de leitura. “A degustadora de histórias” hoje é um espaço — tanto físico como online —, criado para quem quer compartilhar histórias e apreciar as que cruzem seu caminho. Histórias são alimento para a alma e não devem ser engolidas, mas saboreadas. Não podem passar despercebidas ou invisíveis. Elas nasceram para ser degustadas. Era um sonho que jamais imaginei que conseguiria realizar, ainda mais em Ribeirão Preto, mas está materializado e vai além de uma simples livraria, virou um ponto de encontro das pessoas.

 

Você aprendeu a gostar de ler por influência de algum familiar?

Não sou um bom exemplo nesse sentido porque na minha família quase ninguém lê. Até hoje é uma luta para fazê-los ler. Eu sempre li muito na infância, mas não foi por influência da família. Na casa da minha avó tinha uma estante enorme, cheia de livros, eu também os pegava nas bibliotecas da escola e do município. Sou de Itápolis, uma cidade pequena, onde era difícil o acesso à leitura, mas eu lia de tudo, desde bula de remédio até literatura. No período como advogada lia apenas materiais técnicos, a literatura ficou de lado. Só fui retomar essa paixão com quase 40 anos. 


Acha que os pais estão mais dedicados a ensinarem seus filhos a gostarem de ler, hoje em dia?

inha percepção é que vem melhorando muito, mas ainda falta atenção com isso. As crianças hoje em dia estão lendo mais, muitos pais chegam na livraria porque os filhos pediram para levá-los para escolherem um livro e, às vezes, saem com 10 livrinhos. Os mangás também são muito procurados. Não concordo com a afirmação de que “o brasileiro não lê”, ele lê sim, tenho essa experiência aqui em Ribeirão Preto com 10 Clubes de Leitura lotados. As pessoas leem sim, mas falta incentivo. Por isso, é tão importante a criança ver seus pais não apenas no celular, mas lendo um livro também. É muito importante os pais lerem, para os filhos lerem também.

 


“Acho que o público leitor quer sentir o cheiro do livro — e cada editora tem um cheiro diferente”, afirma Melissa Veludo

 

Hoje em dia há muita competição da atenção dos leitores com streamings e redes sociais...

Sim, muitas vezes você chega em casa cansado e é mais prático ligar a TV do que pegar um livro, que exige um momento de concentração, pelo menos nos primeiros cinco minutos, mas, atualmente, consigo dividir as coisas. Sempre pego um livro para ler 20 minutos antes de dormir, senão parece que meu dia foi inútil. Esse foi um hábito construído. Comecei a ler com 36 anos. Eu me obrigava a ler por uns 30 minutos todas as noites. Desligava o celular e a televisão e me concentrava na leitura. Isso foi se tornando um hábito e, hoje em dia, não consigo mais parar. Por isso, digo que há esperança, com certeza, para quem diz que não consegue ler. Estou fazendo de tudo para colaborar com o aumento do índice de leitura na nossa cidade e participar dos Clubes de Leitura ajuda muito, porque há um prazo para se ler cada livro.

 

Quais são os Clubes de Leitura na Degustadora de Histórias?

Os clubes são meu xodó. Temos 10 clubes com temas diferentes, entre eles, “Clássicos estrangeiros”; “Clássicos brasileiros”; “A voz das minorias”; “Letra em Cena”; “Vamos ler distopias?”; “Livros & Vinhos”; “Especial de literatura brasileira contemporânea”, “Os Degustadores de Livros”. A pessoa escolhe o livro que quer ler e vem para os encontros, que acontecem às quintas-feiras e aos sábados. Alguns são mensais, outros são bimestrais, geralmente damos um mês para a pessoa ler. O público é distinto, desde os 10 até os 85 anos, e as pessoas dizem que gostam porque ouvem outras opiniões e saem um pouco da zona de conforto. Os clubes promovem a socialização. As pessoas acabam formando uma rede de amigos. A única exigência é comprar o livro com a gente, para manter a livraria.

 

Você também promoveu um Festival Literário...

Aproveitamos a Feira Internacional do Livro, em agosto, para fazer um “Mini Festival Literário”, onde recebemos a Marcela Dantés, que é uma autora mineira, o Caetano Cury, autor de Téo & O Mini Mundo, o Sérgio Anauate e a Carmen Cagno, que deu um curso de crônicas. O público veio para livraria também nessa semana e gostou. Temos um cardápio especial com cafés literários, nossa escada de livros e também fazemos trocas de usados em bom estado por crédito para compra de livros novos.

 

E qual o papel da literatura, na sua opinião?

A literatura transforma a sociedade. Como dizia Antônio Cândido, grande crítico literário: “A literatura retrata a sociedade da época”. Um livro de ficção pode ser uma história acontecendo na esquina, com várias pessoas, todos os dias. Lendo, você consegue refletir sobre seu tempo. Temos uma vida só, mas na literatura podemos vivenciar muito mais, sentir o sofrimento de uma pessoa, e criar empatia na nossa vida, no dia a dia. A literatura mexe com a vida das pessoas, mesmo sem elas perceberem. 


Fotos: Luan Porto

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