Conhecer para valorizar

Conhecer para valorizar

A história e a memória das localidades precisam ser abordadas sistematicamente nos currículos das Redes de Ensino para a promoção da formação cidadã

Vice-Presidente da Academia Ribeirãopretana de Educação (ARE) e presidente do Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais (IPCCIC), a pesquisadora Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa é, também, organizadora, autora e coautora de vários livros e artigos nas áreas de políticas públicas de educação, cultura, memória e identidades, e foi Diretora de Patrimônio Cultural do Município de Ribeirão Preto, junto à Secretaria Municipal de Cultura.

 

Pós-doutorada em Administração das organizações, gestão e políticas públicas pela FEA-USP, mestre e doutora em História Política pela Unesp, ela ministra cursos de Formação Continuada para Secretarias Municipais de Cultura e de Educação, na área de gestão e planejamento estratégico. Tudo isso a credencia aos comentários, na entrevista a seguir, sobre a relevância do resgate histórico e o papel das escolas para criar relações de pertencimento das pessoas às comunidades onde vivem, contribuindo para formação cidadã. 

 

Qual a importância do projeto Bairros, da Revide, para a cidade?

 

O bairro representa o lugar de convivência, onde as relações de confiança e trocas acontecem. Por intermédio dele, o morador estabelece relações de pertencimento com a cidade e desenvolve o sentido de comunidade. Experiências vividas na cidade, fatos relacionados ao cotidiano, a diversidade de atividades, as narrativas locais contribuem para que o bairro se torne, também, um espaço educativo, promovendo a formação cidadã.

 

A socialização da informação histórica e cultural gera novas mentalidades, novas perspectivas em relação ao caráter público, coletivo, dos espaços da cidade. Ao promover ações que difundem a história dos bairros, a Revide não apenas valoriza a memória coletiva dessas localidades, como também contribui com o fortalecimento dos vínculos entre o cidadão e o lugar onde vive.  

 

Quais os desafios desse tipo de trabalho de resgate de valores históricos/emocionais?

O grande desafio é garantir que várias perspectivas sobre o bairro e suas identidades sejam resguardadas. As memórias de uma determinada comunidade são múltiplas e diversificadas. Fazem referência aos grupos formadores do bairro, como, também, aos novos moradores.

 

Em um trabalho como este, é preciso ter em mente que serão levantadas e registradas memórias e, a partir delas, construídas narrativas que precisam refletir a diversidade cultural do bairro, aumentando a representação. É preciso tomar cuidado para que a memória de um único grupo não seja tomada como a memória de todos.

 

E como esse tipo de trabalho pode ser um benefício de curto, médio ou longo prazo?

Os benefícios mais imediatos são a ampliação do conhecimento e o despertar do interesse pela história e pela cultura da nossa cidade. Contudo, para garantir impactos mais duradouros, é necessário garantir que a história do bairro chegue ao máximo possível de pessoas do bairro, principalmente nas escolas. As Redes de Ensino de Ribeirão Preto (particular, estadual e municipal) precisam gerar condições para que as crianças aprendam com a sua cidade, que a história e a cultura local sejam temas do currículo. 

 

A Vila Tibério tem todo um valor histórico, arquitetônico, cultural, mas também problemas decorrentes do abandono. Como o bairro e a cidade podem contornar esse problema? É preciso conhecer para valorizar. É preciso conhecer para, depois, sentir-se pertencente. Para isso, o morador da Vila e os cidadãos de Ribeirão, de uma maneira geral, precisam se apropriar, sentirem-se corresponsáveis pelo lugar onde vivem.

 

O IPCCIC já fez um projeto semelhante. Como foi fazê-lo? Qual o resultado alcançado?

 

Dentre as várias atividades que realiza, o Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais (IPCCIC) desenvolve um projeto contínuo de pesquisa e difusão chamado “Memórias”. Por meio de entrevistas, os resultados já renderam três publicações: “Memórias de uma escola”, sobre o Otoniel Mota; “Memórias dos Cafezais”, sobre as pessoas que viviam nas fazendas de café; “Memórias de um Theatro”, que abordou narrativas de pessoas que frequentaram e/ou trabalharam no Pedro II. A

 

o longo de 2023, realizaremos o “Memórias da Fé”, projeto que levanta e registra narrativas de variadas manifestações religiosas na região de Ribeirão Preto. O material tem sido disponibilizado física e digitalmente. O que observamos é que esse projeto é transformador, tanto para quem realiza, como para quem é entrevistado. Além disso, os livros que registram as memórias em narrativas diversas se tornam material para futuros trabalhos como, também, para realização de projetos patrimoniais.

 

Não basta reconhecer o valor histórico de imóveis, mas mantê-los. Ribeirão Preto mostra que não sabe fazer isso. Museu do Café, Hotel Brasil e Lar Santana são alguns exemplos. Por quê?

 

O reconhecimento e a sua proteção legal, por meio do tombamento, é o primeiro passo. Garante que o imóvel não seja demolido ou descaracterizado. Contudo, a valorização ocorre quando há conhecimento e pertencimento. Para isso, a educação patrimonial é fundamental. Sobre a conservação, há uma questão para reflexão. Os imóveis tombados em qualquer lugar, não apenas em Ribeirão Preto, devem entrar na agenda de prioridades das políticas públicas

 

. Isso normalmente não acontece porque o patrimônio histórico está sempre sendo “atropelado” por outras prioridades. Talvez, por serem imóveis, exista uma falsa sensação de segurança, de que é possível postergar o investimento, sem causar maiores danos. Contudo, quanto mais tempo o local fica sem manutenção, maior será o gasto com a restauração. Além disso, falta a conscientização de que investir na conservação e na valorização do patrimônio histórico gera renda e trabalho para a comunidade.

 

Todo mundo sabe que o caminho é educar a população a valorizar seu patrimônio histórico, mas, na prática, isso não acontece. Como mudar essa realidade?

 

No âmbito da educação formal, é preciso que a história e a memória da localidade sejam temas abordados sistematicamente nos currículos das Redes de Ensino. No âmbito da educação não formal e informal, o ideal seria que o poder público e a sociedade civil encarassem o desafio de olhar para Ribeirão Preto como um espaço educativo, tornando-se um espaço vivo para a promoção da formação cidadã, que envolve o processo de apropriação e, consequentemente, de corresponsabilidade na produção da cidade.


Vocês têm algum projeto na área de Educação nesse sentido?

 

O IPCCIC – e seus parceiros – realiza formações para Redes Municipais em educação patrimonial, memória, identidades e políticas públicas. Além disso, disponibiliza gratuitamente em seu site toda a sua produção sobre a cidade e a região. Comemoramos, em 2023, dez anos de vida do IPCCIC. O volume de obras e de pesquisas gerado nesse tempo é muito relevante. Para organizar esse material e facilitar o acesso ao público, estamos lançando, este ano, o Portal C, que será um espaço virtual para as cidades da região terem acesso a vídeos-documentários, livros, artigos e pesquisas.

 

Comente um pouco sobre o trabalho do IPCCIC e o significado de Cidades Criativas e Identidades Culturais. O IPCCIC começou suas atividades focando no desenvolvimento de cidades criativas, caracterizadas como aquelas que investem na cultura e na criatividade como matéria-prima estratégica para a aceleração do desenvolvimento sustentável. Posteriormente, incluímos questões relacionadas aos Direitos Humanos, Educação e Meio Ambiente.

 

Isto nos levou a desenvolver o conceito de Cidade Humana. Esse conceito se baseia em sete princípios: colocar o ser humano em primeiro lugar; religar o ser humano ao meio ambiente; desenvolver o sentido de comunidade; fomentar a economia cocriadora; promover a cidadania cocriadora e educar em suas múltiplas formas e espaços. Tudo isso baseado no sétimo e mais importante princípio, o amor como atitude pedagógica.

 

De que forma o instituto vem contribuindo para Ribeirão Preto ter esse perfil?

 

Temos nos dedicado ao estudo de vários aspectos do município. Há cinco anos, fizemos um amplo diagnóstico sobre Ribeirão Preto, a partir da nossa metodologia de gestão de cidades, certificada pelo Banco do Brasil. Foram elaborados quatro cadernos com levantamento, análise e proposição de ações, todos entregues ao poder público. Também participamos das ações em rede promovidas em parceria com o Instituto 2030.  


Foto: Revide

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