Passo a passo

Passo a passo

Para integrantes do Movimento Negro, Ribeirão Preto ainda engatinha na direção da promoção da igualdade racial e não apresenta grandes conquistas a serem celebradas no Dia da Consciência Negra

Temas como racismo, discriminação, igualdade social, inclusão de negros na sociedade respeito e valorização da cultura afro-brasileira e africana são frequentemente abordados nas mídias e nas escolas perto do dia 20 de novembro — Dia da Consciência Negra —, data celebrada como feriado em muitas cidades brasileiras, mas que perdeu este status em Ribeirão Preto a partir de 2016, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), em decorrência de representação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP), algo considerado um retrocesso pelo Movimento Negro. “Lembro quando pequena, há 30 anos, subíamos a rua General Osório tocando tambores e falando de Zumbi dos Palmares. O movimento negro construiu esse feriado, até o ex-prefeito Welson Gasparini decretá-lo, mas, sob o argumento de prejuízos pelo excesso de feriados municipais, retroagiram nesta importante conquista do ativismo negro. O feriado era um convite a todos — negros e negras, ou não —, a refletirem sobre as relações raciais no Brasil e as mazelas geradas pelo racismo em nosso país. Hoje, a data comemorativa é mal trabalhada pelas escolas e pelo Estado, mas não pela sociedade civil organizada, que continua chamando a população à consciência de brasilidade, para a inclusão dos afro-descendentes no projeto nacional brasileiro com cidadania plena”, enfatiza a advogada e produtora cultural Renata Sangoranti, presidente do Centro Cultural Orúnmila.


Para Renata, o primeiro passo dado, de fato, que pode ser considerado um avanço na luta antirracista é o reconhecimento do racismo como um problema estrutural e a adoção de uma postura institucional antirracista. Fora isso, o que se vê, na sua opinião, são mais retrocessos do que avanços. “Uma das principais ferramentas contra o racismo é a informação. Pessoas não-negras bem informadas podem se tornar grandes aliadas no combate ao racismo, afinal, o racismo foi criado e difundido por elas e não por nós. Outra coisa que acredito ser de extrema importância é garantir representatividade negra nos espaços de decisão”, afirma.

 


Pós-graduada em História e Cultura Afro-brasileira e Africana, membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, Promotora Legal Popular e idealizadora do coletivo só para mulheres negras União das Pretas-RP, Patrícia Cardoso reitera a importância da luta antirracista ser uma bandeira de todos. “Não resolve o problema somente levantar # ou bater no peito se proclamando antirracista. É preciso atitude — não só a de negros e negras, como dos não negros, principalmente —, temos muito o que avançar para o mínimo de equilíbrio real entre as raças, classes, gênero, sexualidade e esta responsabilidade não pode ser somente de quem não as causou ou não entende que é vítima. Precisa ser de toda a sociedade e de cada um de nós no nosso universo de relações interpessoais”, diz Patrícia.

 


Ações simples, como questionar os assassinatos e encarceramento em massa da população negra, o aumento da violência contra mulheres negras e LGBTQIAP+, a precarização do emprego, e buscar conhecer onde a maioria da população negra mora e em quais condições, podem fazer diferença, na opinião da historiadora. “Olhar para os lados e perceber onde e o que estão fazendo as pessoas negras. Isso também é ser antirracista. Precisamos pressionar políticos e instituições públicas e privadas e possibilitar às escolas a implementação da lei 10.639 para que mais crianças negras se sintam inseridas no ambiente escolar, para que não sejam vítimas do racismo por colegas e professores, para que não desanimem de estudar. Professores precisam ter autonomia para ensinar as crianças de forma libertadora, livre de preconceitos e racismo, para que conheçam a história do povo africano e afrodiaspóricos, e se sensibilizem buscando sempre o aperfeiçoamento, isso é ser antirracista”, enfatiza a historiadora.

Políticas Públicas

 


Para a presidente do Centro Cultural Orúnmila, Ribeirão Preto não possui uma política real voltada para equiparação racial. “A nível nacional, havia a Secretaria da Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que foi extinta na atual gestão, e temos esperança de retornar. Em Ribeirão, a nossa reivindicação mais importante é a criação desta Secretaria Municipal, para dialogar com as demais pastas de maneira transversal”, pondera. Até o governo Dárcy Vera, segundo Renata, havia uma Assessoria de Promoção da Igualdade Racial ligada diretamente ao gabinete; o projeto Baobá de implementação da lei 10.639 e o Comitê Técnico da Saúde da População Negra, que debatia sobre anemia falciforme, uma doença específica da população negra que atinge 10% dos afrodescendentes. “Através deste comitê, conseguimos que se fizesse, no teste do pezinho, o exame de eletroforese, que detecta a doença nas crianças, mas várias lutas e conquistas históricas foram por água abaixo. Há anos a cidade não tem Carnaval. Os Conselhos Municipais foram aparelhados com presidentes do governo e não da sociedade civil. Enfim, para quem faz movimento social foi e é tenebroso, porque tínhamos conquistas concretas que foram perdidas, e tudo isso poderia ser reativado através da criação da SEPPIR”, ressalta Renata.

 

Lei de Cotas Raciais 


Viviane Patrícia da Silva, advogada especialista na área do Direito Público, destaca a revisão e renovação da Lei de Cotas Raciais, depois de 10 anos em vigência, como uma necessidade. “A legislação de cotas foi aprovada em 2012 e é natural ser reavaliada de tempos em tempos para não gerar desigualdade inversa. Essa discrepância está longe de acontecer no Brasil, mas sua revisão é importante para que seja legitimada por todos como uma Política Pública Reparatória. Ela é indispensável à diminuição da desigualdade e discrepância social e além do acesso de mais pessoas negras às universidades, incentivou a criação de cotas em outros espaços, como no Serviço Público”, pontua.

 


Para ela, as cotas promovem o maior acesso da população negra às universidades, o que é positivo, mas um ponto que precisa ser reavaliado é o da regulamentação das bancas de heteroidentificação, uma fragilidade da Lei que abre margem a discrepância, gerando a falsa sensação de estar aumentando o acesso de negros a estes locais quando, na verdade, são pardos. Segundo Viviane, o percentual de estudantes pretos nas universidades, em 2010, era de 8,39% e de pardos 2,31%. Em 2015, os números aumentaram para 5,35% pretos e 21,71% pardos e em 2019 para 7,13% pretos e 31,02% pardos. “O Movimento Negro (MN) e estudiosos da questão racial no Brasil convergem ao entendimento de que o fator determinante para uma pessoa sofrer racismo é a sua característica física. Quanto mais característica afro uma pessoa possui, mais racismo ela vai viver e as cotas são destinadas a ampliar o acesso para estas pessoas, de fenótipo preto. O que o MN pede é a regulamentação por lei ou decreto da criação das bancas de heteroidentificação, para assegurar as vagas a quem de destino. Se a pessoa não tem fenótipo negro, muito provavelmente ela não tem dificuldades de acessar espaços como escola e trabalho, porque não é uma questão econômica, mas racial”, conclui a advogada. 

Compartilhar: