Aprendiz de Estrela
A história de como a aspirante a advogada Maria Luiza Ferraz Musa Cintra decidiu mudar a rota de seu futuro para render-se de vez à vocação musical
Libriana tardia – mais um dia e nasceria em escorpião, mas preferiu 22 de outubro mesmo –, Maria Luiza Ferraz Musa Cintra tem de música quase seus 18 anos de vida. Tinha menos de 2 de idade quando sua mãe, Patrícia Musa Cintra, a matriculou em aulinhas da escola Viva Música. “Dizem que eu vivia batucando as coisas. Quando tinha uns 6 ou 7 anos, comecei a estudar piano. Depois fui para bateria, violão, canto e, mais recentemente, baixo... Sempre amei música, só nunca tinha pensado em viver disso no Brasil”, comenta ela, a mais de 6 mil km do “ninho”.
Desde o ano passado Malu Musa – como é mais conhecida – vive em Boca Raton, na Florida (EUA), onde cursa o terceiro ano da North Broward Preparatory School e se prepara cursar uma faculdade de Música norte-americana. Já iniciou sua aplicação (processo de seleção que inclui apresentação de documentos e outros tipos de avaliação do candidato) para a Universidade de Berklee, em Boston (EUA), para a qual já tem audição marcada neste mês de novembro. “Nossa, eu vou morrer nesses dois meses!”, comenta ela entre risos nervosos, que traem a ansiedade da espera pelo resultado, marcado para sair em 31 de janeiro.
Berklee virou a “faculdade dos sonhos” de Malu após ela ter participado, em julho passado, de um programa de férias de cinco semanas, durante as quais morou e teve aulas no campus, como se já fosse caloura. “Conheci muita gente incrível do mundo inteiro. Foi a melhor experiência da minha vida! Por isso Berklee é a top da minha lista”, declara, acrescentando que aplicará para outras faculdades também - universidades de Miami e Nova York são opções –, mas rezando para dar certo com a preferida.
Mudança de rota
E pensar que era para ser só um ano de intercâmbio nos Estados Unidos, para aprimorar o inglês e vivenciar outra cultura, já que o plano original era Malu voltar em 2024 para concluir o Ensino Médio no Colégio Albert Einstein, de Ribeirão Preto, onde cursou o primeiro ano. Até então, ela sempre pensou em cursar faculdade de Direito, a despeito dos 16 anos de estudos de música, dos shows que sempre deu em família e nos festivais anuais da escola do coração – Viva Música, cujos proprietários, Alcita Coelho e Carlito Rodrigues, ela tem como os maiores incentivadores depois de seu pais. “Na minha família falavam que eu tenho muito cara de advogada e sempre tirei notas altas. Nem sabia que existia faculdade de música, que eu pensava em manter como um hobby pelo resto da vida”, lembra.
A escolha da high school mudou tudo! “Quando fui à agência [de intercâmbio], falei que queria muito uma escola com foco em música e artes. Quando cheguei, comecei a ter mais da metade do meu currículo só com música, todos os dias, e cercada de gente muito boa! Fiz amigas que já estavam aplicando para faculdades de Música daqui. Pensei: ‘hummm... é mais interessante do que Direito’”, lembra, rindo da naturalidade com que decidiu mudar o rumo da vida.
Ajudou na adaptação o fato de ter optado por morar na escola, que oferece dormitório a alunos residentes. Malu lembra que ainda estava na vibe de “vamos explorar coisas novas na área artística” quando teve que escolher as disciplinas de sua grade, por isso fez desde aulas de Film Production – procurada por alunos de cinema – até as do projeto chamado Arts Academy, voltado para candidatos a faculdades de Música. Também ingressou no coral da escola. Em todas sentiu “em casa”. “Nos estabelecimentos em que estudei no Brasil, se tivesse uma outra pessoa na mesma sala que cantasse ou tocasse um instrumento, além de mim, era muito. Aqui é comum. E todo mundo sabe muito em sua área. Tanto o pessoal de esportes quanto o das Artes”, conta.
Sentir-se entre seus pares ainda ajudou Malu a trabalhar sua timidez com desconhecidos. “Sempre preferi cantar em um palco para mil pessoas do que fazer uma apresentação em PowerPoint numa sala com cinco pessoas. Então, no começo eu era tímida, mas foi fácil de adaptar porque fiz muitos amigos. Alguns deles já se formaram e foram embora, mas a maioria continua por aqui”, diz.
Virada de chave
Ter recebido incentivo de pessoas da área que respeita foi o incentivo que faltava para Malu se decidir de vez pela carreira artística. “Se eu cantasse uma música para minha família ou amigos, eles iam falar mesmo que estava bom. Quando cheguei aqui e vi pessoas incríveis, que desde pequenininhas se preparam para a faculdade de Música, cantando todo dia em bandas de escola, fiquei morrendo de medo. Pensei: ‘sou péssima, não tenho menor condição, nem vou tentar’. Mas fazendo aulas, convivendo e ouvindo feedback de pessoas que realmente entendem do assunto – principalmente minha professora de canto particular – achei que podia dar certo”.
Daí que, no meio do intercâmbio, Malu já chamou os pais para uma conversa e abriu que queria ficar mais o ano seguinte nos Estados Unidos e aplicar para uma faculdade de Música. Eles aceitaram a mudança de planos, não sem antes sentirem firmeza na decisão da filha. “Conversamos bastante e pontuamos os obstáculos. Ela sabe que o desafio é enorme e claro que rola aquele aperto de deixar seu filho ir [para outro país] com 16 anos, mas queremos que nossos filhos sejam aquilo que quiserem ser”, pontua a mãe, Patricia.
“Em casa sempre estimulamos nossos filhos a fazerem as coisas bem-feitas, mostrando que nada cai do céu e que o esforço e a disciplina invariavelmente nos levam onde queremos”, declara o pai, Licio Cintra, que não disfarça o orgulho de ver a filha batalhando pelo próprio caminho. “A iniciativa dela em abrir mão da vida mais tranquila e confortável no Brasil, morando em casa, e partir para os EUA para compartilhar um pequeno quarto com alguém que nunca havia visto, exemplifica o esforço e dedicação dela em busca do sonho”, arremata ele.
Determinada
Quando iniciou o atual ano letivo, a vibe de Malu já era outra. Na hora de escolher as disciplinas, já foi certa naquelas que as faculdades de Música mais valorizam. Ainda entrou para o time de vocalistas da banda de rock da escola e para a Pep Band, que toca nos jogos de futebol americano da instituição. “Continuo no coral, faço a Song Writing Class, que é para quem escreve música; tenho Music Theory, que é uma aula de teoria musical dada na faculdade, mas eles adiantam aqui, entre outras disciplinas. É um nível de College [faculdade] no High School [Ensino Médico]”.
Sua última iniciativa no esforço para atingir o sonho de Berklee foi gravar uma composição própria, em estúdio do Rio de Janeiro, com uma banda contratada pelo pai. Ela veio um final de semana para o Brasil só para isso, depois de ter orientado os músicos sobre como queria o arranjo, gravado com antecedência, sob sua supervisão à distância. Malu deu o nome de “Northern Star” à composição, cujo estilo descreve como “um pop que lembra Taylor Swift misturada com Billie Eilish”, sua cantora preferida da vida. Malu deve juntar a gravação a tudo o que já apresentou para sua aplicação a Berklee ou outra universidade.
Para o futuro pós-faculdade, ela já ousa sonhar com trabalhos em musicais. Chegou a fazer um curso de teatro musical no Célia Helena, em São Paulo, durante a pandemia, quando ainda pensava nas artes como hobby. “Foram três meses de curso online. Muito legal! Eu melhorei muito minha técnica. Amo cantar musical, mas meu preparo de atuação ainda é insuficiente para o palco”, reconhece, realista, mas cheia de gás para correr atrás do que ainda precisa melhorar para se tornar uma estrela de fato. Enquanto isso, já é feliz demais sendo só aprendiz.
Arquivo Pessoal