Vera Vieira - Por uma cultura de paz
Vera com Clara Charf – feminista histórica –, hoje com 99 anos

Vera Vieira - Por uma cultura de paz

Para a ativista Vera Vieira, a paz se constrói com acesso à educação, à cultura, aos serviços de saneamento, à habitação e à saúde para todos, sem distinção de qualquer gênero

Vera Vieira é um nome de peso quando o assunto é feminismo e equidade de gênero, dentro e fora do Brasil. Formada em jornalismo e mestre em Ciência da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, ela foca seu ativismo em temas espinhosos por meio da metodologia de educação popular feminista. Paulista de Miguelópolis, Vera viveu dos 2 aos 18 anos em Ribeirão Preto. Trabalhou na CESP por 12 anos, onde sua última função foi jornalista, e atuou como revisora do Estadão

 

. Em 1988, imigrou para o Canadá, onde teve experiência como editora e proprietária do jornal Hora H News, voltado para a comunidade brasileira e portuguesa. “Participava de um grupo de mulheres de países de língua portuguesa para lutar contra a violência doméstica sofrida pelas imigrantes. Meu ativismo começou aí e também movido pelo fato de ser sobrevivente de violência doméstica sofrida em meu primeiro casamento. Não havia divórcio e mulher desquitada era muito malvista”, conta.

 

De volta ao Brasil em 1996, Vera foi convidada a coordenar a ONG Rede Mulher de Educação, onde aprendeu sobre educação popular feminista. Em 2008, passou a diretora da Associação Mulheres pela Paz, fundada por Clara Charf – feminista histórica –, hoje com 99 anos. No cargo até hoje, Vera poderá ser vista em ação na próxima quarta-feira, 2 , em Ribeirão Preto, durante a Oficina “Cultura de Paz na Luta contra a Violência às Mulheres e Meninas”, que a Mulheres Pela Paz realiza no Hotel Dan Inn, com apoio do Ministério das Mulheres e parcerias de entidades locais, como Casa da Mulher Ribeirão Preto, Comissão das Mulheres Advogadas da OAB Subseção Ribeirão Preto, entre outras.

 

 

Como se estabelece uma cultura de paz no dia a dia?

 

Precisa começar no interior de cada pessoa. Depois, perceber e modificar o comportamento para com as pessoas próximas. Assim, dá-se um efeito cascata para modificar a sociedade. A equidade entre mulheres e homens é essencial para a conquista da paz, pois deixaremos de ter relações entre as pessoas pautadas pelo binômio dominação-subordinação. Com isso, deixaremos de ser o quinto país com o maior número de feminicídios no mundo.

 

O planeta deixará de ter uma em cada três mulheres vítimas de violência. As mulheres deixarão de ganhar 20% a menos que os homens aqui no Brasil, na mesma função, mesmo tendo um número maior de anos de estudo. E por aí afora. A paz é feminista e interseccional. Paz não é apenas o oposto de guerra armada, pois significa vencer a guerra do dia a dia que ocorre com a discriminação de classe social, o sexismo, o racismo, a LGBTfobia, a violência contra mulheres e meninas. Paz é ter acesso à educação, à cultura, aos serviços de saneamento, à habitação, à saúde.

 

Como se cria uma estrutura de educação popular feminista?

 

Sim, já existem propostas práticas a respeito, pois as atividades acontecem alicerçadas nessa metodologia há décadas. A metodologia de educação popular tem por base a construção coletiva do conhecimento, levando em conta aspectos objetivos e subjetivos, pois considera-se que a realidade é construída pelas pessoas tanto pela via da razão como pela via da emoção. Utiliza dinâmicas de sensibilização como componentes importantes, visando explorar a riqueza da subjetividade das pessoas. Trata-se de uma forma dialógica de educar – com base na realidade das pessoas participantes, com elas e não para elas.

 

Assim, o conhecimento é gestado de forma coletiva, considerando-se a visão local, para inseri-la no contexto global e vice-versa. Visa à libertação do ser humano, ao atuar contra os efeitos de uma psicologia da opressão, por meio de um processo de conscientização de sujeitos ativos – políticos –, portanto, capazes de se organizar e transformar, eticamente, a história que está sendo construída permanentemente por seres humanos, sempre inacabados.

 

E como se desconstrói “estereótipos discriminatórios”?

 

A raiz do problema está na construção social de gênero, que é reforçada pela cultura e vem sendo mantida historicamente. Essa maneira equivocada de construção da feminidade e da masculinidade coloca a mulher em condição de inferioridade ao homem. A maneira equivocada com que se aprende a ser mulher e a ser homem precisa ser desconstruída em todos os espaços: dentro de casa, na rua, nas escolas, nas igrejas, nas instituições públicas e privadas, nas leis, na literatura (na escrita e nas imagens), nos meios de comunicação de massa, nas mídias sociais.  As “qualidades” do homem – forte, violento, prático, bruto, objetivo – e da mulher – fraca, delicada, amável, sensível, passiva – vão estar presentes nas imagens das historinhas, músicas, lendas, ditados populares, romances, e estarão refletidas nas diferentes instâncias. Ao nascer, as mulheres já se encontram em desvantagem em relação aos homens.

 

Essa desigualdade vai acompanhar as mulheres na trajetória de vida, em termos das oportunidades e do nível de poder.  São as desigualdades de gênero, classe, raça, etnia, orientação sexual e identidade de gênero os principais fatores que vão determinar o grau de poder e oportunidades das pessoas em sociedade. Como são construções sociais, já que não se nasce com essas diferenças, podem ser mudadas, para se conseguir uma sociedade mais justa e igualitária. Assim, há a necessidade de se empoderar as mulheres em termos psicológicos, emocionais e financeiros, visando um mundo mais equilibrado entre mulheres e homens. “Empoderamento é a capacidade da pessoa realizar, por si mesma, as mudanças necessárias para evoluir e se fortalecer” (Paulo Freire).

 

Fala-se muito em educar as meninas para acessar seus direitos, mas como se educa os meninos para respeitarem os direitos delas?

 

Quando os homens se sensibilizarem a respeito da maneira equivocada com que aprenderam as noções de masculinidade, será um grande passo para o respeito aos direitos iguais. Aliás, meninos aprendem que não podem ser “sensíveis”. E podem. Podem chorar, expressar suas emoções. Com isso, homens também deixarão de ter uma expectativa de vida de quase dez anos menor do que a das mulheres.

 

Professoras e professores precisam chamar a menina para fazer o exercício de matemática e chamar o menino para ler a redação. As mães e os pais precisam pedir para o menino arrumar a cozinha e lavar o banheiro, e a menina para ir à rua fazer compras. As igrejas precisam parar de dizer que as mulheres precisam ser submissas. Os meios de comunicação de massa precisam escolher mulheres para falar de economia, política, ciência... É um trabalho de formiguinha. E vamos precisar de todo mundo, mulheres e homens, independente de cor, raça, escolaridade, religião, orientação sexual, identidade de gênero.

 

Acha que o Brasil já avançou ou está avançando nestes objetivos? O que falta?

 

O Brasil é reconhecido no mundo como um dos países com uma das lutas mais efervescentes pelos direitos das mulheres. Mas não podemos esquecer que a cultura patriarcal, centrada na figura masculina, desenvolve o machismo e os fundamentos da dominação masculina. O conceito da superioridade de gênero, instituído pelo patriarcado ao longo dos anos, e o sexismo ajudam a alimentar a ideia da desvalorização e preconceito contra as mulheres.

 

O patriarcado se manifesta em todos os âmbitos, na organização social, legal, política e econômica, etc, em diferentes culturas. Esse domínio começou no âmbito familiar privado e estendeu-se ao âmbito público com o passar do tempo. Durante muito tempo, a mulher foi impedida de ter acesso à educação formal, de trabalhar fora de casa, de votar, de ter autonomia sobre si e sobre o seu corpo. E isso ainda existe.

 

 

PARA ACESSAR A ASSOCIAÇÃO MULHERES PELA PAZ

www.mulherespaz.org.br

@associacaomulherespelapaz21


Foto: Divulgação

Compartilhar: