“Aqui dentro, a cidade pulsa”
Fatu Antunes: “não foram poucos os desafios ao longo dos anos. O mais constante é a escassez de recursos”

“Aqui dentro, a cidade pulsa”

Coordenadora da Biblioteca Padre Euclides há mais de duas décadas, Fatu Antunes relata sua trajetória de resistência e afeto no comando de uma das bibliotecas mais antigas do interior paulista

“Cheguei a Ribeirão Preto em 2001. Estava em busca de pertencimento quando descobri a Biblioteca Padre Euclides. Entrei, percorri suas estantes e me senti acolhida ali. Conhecer aquele espaço e sua história me deu a certeza de que havia encontrado não apenas um lugar de livros, mas um lugar de estar e sentir a cidade. Soube, ainda nos primeiros meses, que aquele patrimônio, tão importante para Ribeirão Preto, vivia um momento de quase abandono. Foi o que me moveu a me envolver com as atividades culturais da biblioteca. A riqueza do acervo, a arquitetura, o simbolismo de tudo aquilo... Seria impossível ficar indiferente. Quis, de alguma forma, contribuir para que o espaço voltasse a ser um polo de convergência para a leitura, as artes e a cultura popular.

 

A Biblioteca Padre Euclides é a mais antiga da cidade. Completou 122 anos no último mês de maio. Seu acervo, com 30 mil títulos, oferece ao público o que há de melhor em literatura, filosofia, história, ciências humanas e sociais. Mas a biblioteca vai além: é um espaço dinâmico, que acolhe oficinas, palestras, rodas de leitura, lançamentos e apresentações. Ela resiste ao tempo, às crises, às indiferenças e segue a serviço da cidade.

 

Não foram poucos os desafios ao longo dos anos. O mais constante é a escassez de recursos. Desde a fundação, a biblioteca sobrevive com dificuldade, dependendo de doações, editais e muito esforço voluntário. Também enfrentamos o desafio de atrair um público disperso pelas novas tecnologias. Era preciso reinventar a biblioteca, torná-la viva, aberta, inclusiva.

 

Houve momentos em que temi pelo seu fim. Em 2009, perdemos um repasse da Prefeitura que até hoje não conseguimos recuperar. Agora, enfrentamos outro período de incertezas, mas prefiro acreditar que o fechamento não é uma opção. Bibliotecas não devem ser fechadas. São guardiãs da memória e do futuro.

 

 

MODERNIZAÇÃO

 

A mais recente etapa desse caminho de resistência foi marcada pelas obras de modernização iniciadas em abril de 2024 e concluídas em setembro, graças a recursos da Lei Paulo Gustavo Estadual. Foram restaurados mais de 700 m² do piso de madeira original, além da renovação completa da iluminação e dos banheiros, incluindo a adaptação para pessoas com deficiência. Essa reestruturação não é apenas estética ou funcional: é também simbólica, pois reafirma o compromisso da cidade com a preservação de um bem cultural essencial à formação cidadã e ao acesso democrático ao conhecimento. A nova fase da biblioteca também reflete sua capacidade de adaptação aos tempos. O espaço abriga agora não apenas o vasto acervo de 30 mil títulos, mas também uma gibiteca e uma zineteca.”

 

HISTÓRIA E PATRIMÔNIO

 

“Entre os tesouros que me emocionam no acervo estão a “Retirada da Laguna”, de Visconde de Taunay, com dedicatória autografada a Dom Pedro II, e uma edição da “Suma Teológica”, de Tomás de Aquino, em latim, de 1871. São obras raras que contam muito da história do Brasil e do pensamento ocidental.

 

O dia a dia na BPE é intenso, mesmo com um público de leitura local mais modesto. O número de empréstimos cresceu, e as atividades culturais têm atraído estudantes, professores e artistas. Também temos a feirinha de livros, em que vendemos obras a preços simbólicos e reinvestimos tudo em novos títulos. E há a parceria com a Reformatório, uma editora de São Paulo que se encantou com a biblioteca e doou parte de suas vendas para o nosso caixa. Nada disso seria possível sem os voluntários, presença indispensável para que a rotina funcione.

 

Sim, já pensei em desistir, mas basta cruzar a porta da BPE para o ânimo renascer. Pela sua história, pela força que ela representa, pelo vínculo afetivo que tenho com este lugar. Ela é um espaço de memória, formação cultural e convivência.

 

Olho para o futuro com esperança. Acredito que o poder público e a iniciativa privada vão reconhecer o valor da biblioteca e contribuir para sua sustentabilidade. É um dever coletivo.

 

Àqueles que ainda não conhecem a Biblioteca Padre Euclides, faço um convite: venham. Conheçam, entrem e sintam o cheiro dos livros, percam-se nas estantes, participem das atividades. Apropriem-se do espaço, porque ele é nosso. A cidade pulsa aqui dentro.

Compartilhar: