Uma vida pelo cinema

Uma vida pelo cinema

Sem nunca ter deixado Ribeirão Preto, Edgard Castro construiu uma carreira significativa como produtor e incentivador da sétima arte no Brasil

"Sou um produtor de cinema. Na verdade, minha formação é em Direito, pela Faculdade Laudo de Camargo (Unaerp), mas um dia, por volta de 1968, eu voltava do escritório quando me questionei: "Eu já não gosto dos meus problemas, por que vou ouvir os problemas dos outros?". Larguei essa história e fui para a Inglaterra buscar uma inspiração sobre o que fazer da vida.


 

Na volta para Ribeirão, decidi passar na Itália, para uma visita ao amigo Jirges Ristum – pai do cineasta André Ristum –, exilado após o golpe militar de 1964. Encontrei-o trabalhando simplesmente com [Bernardo] Bertolucci, [Michelangelo] Antonioni, [Roberto] Rosselini, que começavam no cinema. Fiquei louco! Voltando à cidade, comecei a montar com os amigos Renato Cabrera Filho, Virgílio Sena e Luiz Antônio Livieri um projeto de exibição, e criamos aqui o drive-in Auto Cine Aquarius – depois também em Uberlândia e Campinas.


 

Em dado momento, o Renato e eu decidimos produzir um longa-metragem. O Brasil tinha, então, um histórico de ótimos filmes nacionais, mas naquele início dos anos 1970 o que dava dinheiro era a pornochanchada. Escolhemos adaptar o livro chamado “A Carne”, do Júlio Ribeiro, que as moças liam escondido por ter um apelo sensual. E justo naquele momento, no Brasil, o governo criou a cota de tela, que obrigava a exibição de um percentual de filmes nacionais a cada quantidade de estrangeiros. Foi uma revolução! Decidimos, então, montar uma produtora e nasceu a Ômega Filmes.


 

Depois de “A Carne” (1975), fizemos “Paranoia” (1976), com argumento de Carlos Heitor Cony, direção do Antônio Calmon, os atores Norma Bengel, Anselmo Duarte e grande elenco. Produzimos, em seguida, o “Bacalhau”, uma sátira de “Tubarão” (Steven Spielberg, 1975), que foi um sucesso estrondoso – Spielberg mandou buscar uma cópia para ver. Depois fizemos “O Cortiço”, uma superprodução com Betty Faria, Mário Gomes e outro grande elenco da TV Tupi. Quando o terminamos, Renato desistiu de fazer cinema, porque dá um trabalho que você não acredita! Muito mais tarde eu produziria também “O Homem Voa?” (2001) e “Tempo de Resistência” (2003) – primeiro filme a estrear o digital no Festival de Gramado –, dirigidos por André Ristum.


 

Antes, me envolvi com o governo do Estado visando criar polos de produção cinematográfica, porque me dei conta de que temos em profusão “a matéria-prima” da sétima arte: cinema é fotografia, fotografia é luz, luz é sol. Em Ribeirão Preto você consegue filmar até umas 4h30 da tarde – em outros lugares só até 3h30, 4h. Então criamos os Estúdios Kaiser de Cinema, que funcionou de 2005 a 2015 na antiga Cervejaria Paulista. Produzimos ali “Onde Andará Dulce Veiga” (2007), do Guilherme de Almeida Prado, e “O Divórcio”, da Luiza Shelling Tubaldini.


 

Pesquisando, também descobri um jeito eficiente de alavancar o polo de produção audiovisual, através de um sistema que os americanos inventaram nos anos 1940: as Film Commission (FC). Sua proposta é: “vem filmar aqui, que eu facilito sua vida: peço um desconto no hotel, providencio alimentação para a equipe, levanto algum patrocínio e até desenrolo a burocracia”. E o cineasta, sempre precisando economizar, dá preferência à região que oferece facilidades.


 

Montei a São Paulo Film Commission em 2005, mas não tinha braço para “levantar” o estado inteiro. Quando encerramos as atividades dos Estúdios, porque o imóvel foi vendido, cedi o nome para o Escritório de Cinema de São Paulo. Depois, participei da montagem da FC de Brasília, com a Ana Cristina Costa e Silva e, juntos, montamos a Abrafic (Associação Brasileira de Film Commission) – fomos a cada um dos estados incentivar que criassem as suas.


 

Em Ribeirão, a Film Commission é do IPCCIC (Instituto Paulista de Cidades e Identidades Culturais), que integro. No começo do ano passado, tive a ideia de usar os curtas da série “Ligados pela História” – que Adriana Silva, Toninho Torres e eu produzimos no instituto sobre cada um dos 34 municípios da nossa região metropolitana – para criar um “banco de locações”. Assim, o cara que quer filmar uma plantação de pitaia, por exemplo, não tem que sair procurando, basta pesquisar nele.


 

Paralelamente, fomos descobrindo muita gente fazendo cinema pela região: os Irmãos Gullane, a Luísa Tubaldini, a Kauzare Filmes, os gêmeos do cinema, entre outros. Eu, atualmente, estou produzindo “Love Kills”, com Tubaldini – ganhamos o prêmio Ventana Sur com ele – e tem quatro longas-metragens e uma série de TV sendo rodados na região, neste momento, com apoio da Film Commission. O polo de cinema não é mais um sonho, mas uma realidade que já começou."

Compartilhar: