Para economistas, próximo gestor das finanças de Ribeirão Preto terá primeiro ano desafiador
Com a dívida pública municipal em um patamar ‘saudável’, segundo especialistas, novo governo precisará de habilidade para reajustar salários e adequar despesas às mudanças tributárias
O novo governo a assumir as contas municipais de Ribeirão Preto, em 2025, encontrará uma dívida pública alta, mas equilibrada por ser baseada, em sua maior parte, em investimentos na cidade. Por outro lado, deverá enfrentar dois importantes desafios logo no primeiro ano de gestão: reajustar salários e adequar as despesas às mudanças na lei tributária. É o que pensam economistas ouvidos pela reportagem a respeito do que aguarda a administração a ser eleita no pleito municipal deste ano com relação às contas públicas.
A dívida pública é o montante de dinheiro que o governo toma emprestado para cobrir o déficit fiscal, ou seja, a diferença entre a arrecadação e as despesas. Quando as despesas de um governo (federal, estadual ou municipal) superam sua arrecadação, ele contrai dívida para honrar seus compromissos. De acordo com o atual secretário municipal da Fazenda de Ribeirão Preto, Afonso Reis Duarte, a dívida fundada herdada em 2016, pelo primeiro governo do prefeito Duarte Nogueira, era de R$ 967,2 milhões. Já a do final de 2023, foi de R$ 900,5 milhões.
Para o economista Edgard Monforte, professor associado da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo), embora o endividamento atual da prefeitura esteja dentro de um limite “saudável”, o próximo ano deve trazer desafios adicionais à nova administração. “Deve ocorrer uma piora em função de reajustes salariais atrasados que devem ocorrer no primeiro ano da próxima gestão. Nesse sentido, o próximo governante terá um primeiro ano de governo com uma restrição maior de caixa”, prevê. Monforte enfatiza que a adequação das receitas à nova realidade de despesas será o principal desafio desse primeiro ano e pode resultar em um período inicial de administração sem grandes investimentos.
O economista Luciano Nakabashi, professor doutor do Departamento de Economia da FEA-RP/USP, concorda que a relação da dívida em relação ao orçamento não é preocupante. “A dívida é principalmente com empréstimos e financiamento para obras e equipamentos permanentes. Quase 70%. Então, além de não ser um valor preocupante, uma boa parte dela é com investimento. Isso é uma questão muito positiva”, diz. Ele sublinha que a trajetória da dívida em relação à receita é o que realmente importa, e nesse aspecto, Ribeirão Preto tem mostrado uma trajetória “saudável”.
“Estamos com as contas absolutamente em dia e equilibradas”, enfatiza o secretário. “Atualmente, 65% são de investimentos em obras. São escolas, UBSs [Unidades Básicas de Saúde] e UBDSs [Unidades Básicas Distritais de Saúde], CRAS [Centro de Referência da Assistência Social], mobilidade urbana, pavimentação, saneamento básico, segurança pública, iluminação, museus e teatros. Essa mudança reflete uma estratégia focada em investimentos sustentáveis e melhorias na infraestrutura da cidade”, diz Duarte (foto ao lado), que está na pasta desde 2021.
“Austeridade fiscal e gestão responsável garantiram o fechamento das contas no azul desta administração e assim será até o final de 2024”, destaca ele. “Em contraste com os anos de 2009 a 2016, marcados por déficits consecutivos, Ribeirão Preto está operando com um orçamento de R$ 4,866 bilhões para 2024, com a expectativa de superar os R$ 5 bilhões em 2025. Esse aumento orçamentário reflete um crescimento robusto”. No entanto, a próxima administração terá que lidar com outras problemas estruturais e sociais que ainda persistem, como descrevem economistas.
RECUPERAÇÃO E MUDANÇAS NO MERCADO
A economia de Ribeirão Preto está se recuperando, aproximando-se dos níveis pré-pandemia, de acordo com os especialistas ouvidos. “Podemos considerar que estamos próximos do período pré-pandemia”, afirma Monforte. No entanto, a pandemia trouxe mudanças significativas, como o aumento das compras via comércio eletrônico, que alterou a distribuição da geração de empregos na cidade. Por outro lado, o economista expressa preocupação com a retomada lenta de alguns setores. “Precisamos observar com atenção nesse momento a retomada do setor de construção civil, que vem ocorrendo em um volume menor do que o esperado”.
Nakabashi observa que alguns setores podem não retornar completamente aos níveis pré-pandemia, especialmente aqueles relacionados a atividades presenciais, como cinemas. “Hoje está até mais comum o trabalho híbrido, então algumas atividades acabam tendo uma inércia, não voltaram totalmente e provavelmente não vão voltar, mas de uma forma geral a economia se recupera bem”, diz ele.
PRECATÓRIOS E PREVIDÊNCIA
Apesar de um aumento expressivo nos valores dos precatórios (dívida judicialmente reconhecida que a prefeitura precisa pagar), a previsão do secretário da Fazenda é de que o valor, ao final de 2024, fique abaixo do registrado em 2023. “Realmente, houve um crescimento expressivo. Ao final de 2022 eram R$ 164,1 milhões [em precatórios] e fechou 2023 com R$ 245,3 milhões, mesmo tendo amortizado R$ 112,1 milhões. Em abril de 2024 o saldo era R$ 233,7 milhões”, diz Duarte.
A gestão eficiente desses débitos é crucial para manter o equilíbrio das contas públicas e assegurar que os recursos sejam utilizados de maneira a atender as necessidades da população de forma sustentável. Ribeirão Preto está no regime especial de pagamento de precatórios, que permite a negociação e parcelamento desses débitos. Até 2023, o município destinava 1,05% da Receita Corrente Líquida (RCL) para esses pagamentos. A partir de 2024, esse percentual aumentou para 1,25% da RCL. Duarte acredita que a previsão, ao final de 2024, ficará abaixo dos R$ 245,3 milhões apurados em 2023.
Em relação aos aposentados e pensionistas, a administração afirma que, de 2017 a 2023, foram repassados R$ 1,425 bilhão ao Instituto de Previdência dos Municipiários (IPM), responsável pelo pagamento de aposentadorias e pensões, com um adicional de R$ 300 milhões previsto para 2024. Esses repasses incluem tanto as contribuições patronais quanto aportes adicionais para cobrir déficits de arrecadação.
INFRAESTRUTURA E QUALIDADE DE VIDA
Nakabashi destaca como positivo o investimento na infraestrutura da cidade, como a qualidade do asfalto, as faixas pintadas no trânsito, os corredores de ônibus e ciclovias, mas aponta áreas que ainda precisarão de atenção da nova administração, como a sinalização de trânsito e a manutenção dos parques. “A sinalização é uma coisa bastante falha, assim como a questão dos parques, que poderiam estar mais bem cuidados, inclusive em termos de segurança”, observa. Além disso, aponta que a infraestrutura urbana ainda sofre com problemas como falta de manutenção de áreas verdes e necessidade de investimentos em segurança. Um dos exemplos é o parque Roberto Genaro, entre as avenidas Caramuru e Santa Luzia, fechado há mais de dez anos. O acesso do público foi proibido em outubro de 2013, após uma vistoria que apontou riscos de pedras das rochas que cercam o parque se soltarem. No final do ano passado, um homem de 43 anos foi encontrado morto no local. Vizinhos reclamam que usuários de drogas usam o espaço durante a noite, aumentando a sensação de insegurança no Jardim Sumaré.
A esse respeito, a Secretaria de Infraestrutura diz que faz os serviços de zeladoria periodicamente no parque. Já a Guarda Civil Metropolitana informou que realiza patrulhamento preventivo no local.
Outro parque fechado, também na zona Sul da cidade, o Olhos D’Água não tem data para ser reaberto. O acesso do público ao local está proibido desde julho de 2021, por conta de uma infestação de carrapatos, vetor responsável pela transmissão da febre maculosa. De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, as ações na área verde do parque concentram-se no manejo reprodutivo das capivaras, principal hospedeiro dos carrapatos no local e animais silvestres protegidos por lei.
EMPREGABILIDADE E PERFIL ECONÔMICO
Para o economista Edgard Monforte(foto ao lado), Ribeirão Preto se destaca por sua diversificação econômica, com setores fortes do agronegócio, de serviços e indústria. A cidade atrai investimentos constantes, o que se traduz em oportunidades de emprego e um perfil econômico robusto. A taxa de desemprego é de 7%, menor do que a nacional, de 7,9%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“O setor de serviços, impulsionado por um comércio vibrante e uma extensa rede de saúde, é um dos pilares da economia local. O agronegócio, com destaque para a produção de cana-de-açúcar e bioenergia, também é uma força motriz importante. A indústria, embora menor em comparação com outros setores, tem mostrado crescimento, especialmente em áreas de tecnologia e inovação”, explica Monforte. Segundo o Supera Parque de Inovação e Tecnologia, 328 startups atuam na região metropolitana de Ribeirão Preto.
REFORMA TRIBUTÁRIA ESTÁ EM FASE DE REGULAMENTAÇÃO
A Proposta de Emenda Parlamentar (PEC) 45/2019, conhecida como Reforma Tributária, propõe simplificar o sistema tributário brasileiro, unificando cinco impostos – PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI – em um só, chamado IBS ou Imposto sobre Bens e Serviços. Além disso, introduzirá um novo imposto para desencorajar o consumo de produtos como cigarros e bebidas alcoólicas.
A reforma deve ser completamente regulamentada em ainda neste ano e será implantada gradualmente até 2033. Segundo texto publicado pelo site da Câmara dos Deputados, o projeto busca melhorar o ambiente de negócios e facilitar o empreendedorismo no país. Há preocupações de municípios e estados sobre a perda de autonomia com a extinção do ICMS e ISS, impostos estaduais e municipais respectivamente, mas a Câmara dos Deputados assegura que os recursos do IBS serão distribuídos automaticamente entre União, estados e municípios. “O quadro de mudanças vai exigir do futuro prefeito acompanhar e participar de um ambiente que vai mudar as bases de arrecadação de estados e municípios. Será um cenário novo e ainda indefinido”, acredita Edgard Monforte.
DESAFIOS SOCIAIS E INVESTIMENTOS FUTUROS
Nakabashi (foto ao lado) ressalta a importância de políticas sociais voltadas para a redução da pobreza e melhoria da qualidade de vida. “A questão da construção de casas para famílias de baixa renda, a melhora das escolas públicas, o acesso a creches e cuidados psicológicos são fundamentais para o desenvolvimento de Ribeirão Preto”, afirma. Ele também destaca a importância de investimentos na segurança pública, com a instalação de câmeras e o aumento da presença da guarda municipal.
Ele frisa que Ribeirão Preto está se consolidando como um centro de eventos, o que traz benefícios econômicos significativos. “Temos eventos como a Agrishow e o João Rock, que atraem muitas pessoas para a cidade e movimentam diversos setores da economia, como restaurantes e hotéis”, observa. Nakabashi enfatiza ainda a importância de políticas públicas que estimulem esses eventos e promovam o turismo na cidade.
Por fim, a receita para que Ribeirão Preto esteja posicionada é consenso entre os especialistas: gestão financeira prudente e planejamento estratégico focado em investimentos sustentáveis.