
Da ruína à educação: destino da Cianê será educação e cultura
Típica visão de algo ‘mal-assombrado’, o que restou, em ruínas, do antigo Complexo Cianê-Matarazzo mal pode ser reconhecido, aparenta o cenário de filme de terror
Típica visão de algo ‘mal-assombrado’, o que restou, em ruínas, do antigo Complexo Cianê-Matarazzo mal pode ser reconhecido, aparenta o cenário de filme de terror. Sujo, destruído, desprezado, este patrimônio tombado de Ribeirão Preto, no entanto, está vivendo um novo capítulo na sua longa história de abandono.
No último dia 27 de janeiro, o Ministério Público, a Prefeitura Municipal e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) assinaram um acordo para a preservação e revitalização do prédio histórico, durante a construção da nova unidade do IFSP na cidade, prevista para começar em 120 dias.
Localizada no bairro Campos Elíseos, às margens da Avenida Marechal Costa e Silva, no número 1.111 (antigo prédio n. 2, da Rua Conde Francesco Antonio Maria Matarazzo), a área de 39.457 mil m², fruto do desdobro realizado pela BFB Leasing S /A Arrendamento Mercantil, foi doada sem ônus à Municipalidade de Ribeirão Preto, em função dos três galpões principais — de interesse de preservação — que possuía, além de espaços destinados às áreas institucionais e verdes.
A área foi a sede do Complexo das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM) e, posteriormente, da Companhia Nacional de Estamparia (Cianê), reconhecido símbolo da história da industrialização do país e do desenvolvimento socioeconômico-cultural local e regional. O local, por isso, foi tombado em 2010 como patrimônio histórico e há anos esperava uma definição de sua utilização, tendo sofrido vandalismo e degradação, passando inclusive por um incêndio em 2011.
Hoje, do projeto original do engenheiro civil Mário Calore, só restam ruínas, mas quando recebeu a doação da área, o Município assumiu a responsabilidade de preservar e manter o zelo, tanto dos galpões quanto das demais áreas doadas; restaurar os prédios existentes, seguindo as orientações do Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto – Conppac e destinar parte das dependências de um dos galpões ao abrigo do Arquivo Público Municipal. Sem conseguir cumprir tais obrigações, a solução, após a confirmação da criação do Instituto Federal em Ribeirão Preto, foi doar a área para o IFSP, transferindo parte dessas responsabilidades. Com isso, o destino da Cianê-Matarazzo foi traçado: nas áreas da Educação e da Cultura.
Processo longo
As negociações para a instalação do campus do IFSP em Ribeirão Preto tiveram início em 2013, na administração da então prefeita Dárcy Vera, quando um termo de compromisso chegou a ser assinado. Paralisado, o processo só foi retomado dez anos depois, através de conversações entre o deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), o reitor do instituto, Silmário dos Santos e o então prefeito, Duarte Nogueira.
A confirmação da criação do Instituto Federal em Ribeirão Preto foi feita pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília, quando anunciou a instalação de 100 novas unidades em todo o país, dentro do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na 4ª fase do programa de Expansão dos Institutos Federais.
Em 14 março de 2023, o projeto de cessão do terreno ao IFSP foi aprovado na Câmara de Ribeirão Preto por unanimidade. Em 20 de março, o então prefeito Duarte Nogueira sancionou a lei de autorização da doação da área. A assinatura do documento de cessão do terreno aconteceu em 02 de agosto de 2024. Agora, no último dia 27, o atual prefeito, Ricardo Silva, assinou junto com o reitor, Silmário dos Santos, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), junto ao Ministério Público de São Paulo, na presença dos promotores Naúl Felca e Wanderley Trindade, dando um passo decisivo para a definitiva implantação da unidade de ensino em Ribeirão Preto.
“Em 120 dias, daremos o primeiro passo, com a colocação da pedra fundamental, e a emissão da ordem de serviço para o início das obras”, disse o reitor, complementando que o investimento inicial será de cerca de R$ 28 milhões. Os deputados Baleia Rossi (MDB) e Arlindo Chinaglia (PT) também estiveram presentes na assinatura do TAC.
Em nota, o IFSP esclarece que os cursos a serem ministrados no campus do IFSP em Ribeirão Preto serão definidos com a participação dos moradores, através de audiências públicas, a serem organizadas pelo município, e que o Campus Ribeirão Preto disponibilizará anualmente 700 vagas para o ensino técnico integrado ao ensino médio, destinadas a estudantes na idade adequada, além de outras 700 vagas para a formação de professores. “Soma-se a isso a atuação de mais de 110 profissionais da educação, além de servidores terceirizados. Nesse contexto, acredita-se que o benefício estendido a toda a população e região alcance, ao longo dos anos, aproximadamente, 200 mil pessoas”, avalia o instituto.
Preservação da memória
Desenvolvido em consenso com o Conppac - Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural, o TAC recém assinado dispensa a municipalidade da instalação do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto em um dos galpões do complexo, sob pena de comprometer ainda mais o patrimônio histórico, já em ruína. Outra área deverá ser destinada a este fim. O TAC prevê que a construção da unidade de ensino conserve as fachadas históricas do imóvel, incluindo os símbolos nos pilares dos galpões principais, o reservatório de água e a rua de paralelepípedo que liga os galpões; e ainda prevê a criação de um museu que valorize a história da indústria em Ribeirão Preto.
“Quando o prefeito Ricardo Silva buscou o Conpacc para resolver o imbróglio do terreno, expus a necessidade de regularizar junto à justiça o TAC que previa a construção do Arquivo Público e Histórico no local e sugeri a criação de um museu para resgatar a memória industrial na área da Cianê. Deu certo. TAC refeito! E para o Arquivo Público, a Promotoria de Justiça e a Prefeitura se comprometeram em trabalhar unidos por uma nova área. Enquanto isso, resgataremos a memória da Cianê-Matarazzo, para que essa luz não se apague. Eis o plus: promover educação tecnológica e educação patrimonial à memória industrialista, tudo na mesma área”, conclui Lucas Gabriel Pereira, presidente do Conppac.
Cianê-Matarazzo: um capítulo à parte
Segundo a historiadora Juliana Dominato, o auge do crescimento do bairro Campos Elíseos (antigo Núcleo Colonial Antônio Prado) se deu na década de 1945 com a instalação das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo – IRFM na área. Muitos imigrantes haviam sido atraídos para essa região pelo fácil acesso entre o Centro da cidade e as estações ferroviárias, mas a criação do complexo industrial, que funcionou de 1945 a 1981, seguido pela Companhia Nacional de Estamparia - Cianê -, foi um enorme atrativo também, representando emprego para cerca de 5 mil pessoas, até a falência e fechamento da Cianê, em 1994. “Praticamente todos da minha família trabalharam ali, minha tia, meu tio, a esposa do meu tio e meu pai. Minha tia avó Ebe trabalhou toda a sua vida ali, foram mais de 30 anos, a fábrica foi seu primeiro e único emprego, até se aposentar”, conta a historiadora.
O que diz o TAC
O IFSP se responsabiliza por:
- Elaborar e aprovar os projetos e cronogramas de recuperação e revitalização do imóvel, no prazo de até 90 (noventa) dias, em consenso com o CONPPAC do município, de modo a manter o valor histórico e cultural dos imóveis
- Configurar e implantar um museu como espaço cultural, visando promover atividades de produção, divulgação e recepção de conteúdos ligados à geografia e história da indústria da tecelagem de Ribeirão Preto, representadas pela IRFM e CIANÊ, entre outras, ressaltando a importância dos processos industriais, a inovação tecnológica, a sustentabilidade socioespacial-ambiental na vida das gerações do passado, da atualidade e do futuro
- Inaugurar as atividades escolares de ensino técnico e tecnológico neste futuro campus, no ano letivo de 2026
A prefeitura se obriga a:
Apoiar o IFSP na execução do plano de remoção e respectiva compensação da vegetação arbórea, previstas no levantamento fitogeográfico, se for o caso, nos termos da legislação ambiental, mediante projeto técnico firmado por profissional habilitado.
Quem é IFSP?
Especializado na oferta de Educação Profissional e Tecnológica (EPT), criada por meio da lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Educação (MEC). A Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, da qual o IFSP é integrante, oferece uma gama de cursos gratuitos: 29 cursos técnicos, 15 de licenciatura e 19 de bacharelado em todas as áreas de atuação, de Humanas e Exatas. A instalação do Instituto Federal em Ribeirão Preto foi oficializada em outubro de 2023, através da lei complementar nº 3.202/2023, de doação do terreno da antiga fábrica CIANÊ/MATARAZZO ao instituto.
Foto: Toninho Torres