Mesmo com lei em vigor há mais de 20 anos, escolas resistem em incluir educação antirracista no currículo
Cultura e falta de fiscalização fazem legislação não ser cumprida, apontam especialistas; Novo Ensino médio pode diminuir ainda mais espaço do tema
Pouco mais de 20 anos após a promulgação da Lei nº 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, sua implementação plena ainda enfrenta barreiras. “Apesar dos avanços, muitas redes municipais de ensino ainda não cumprem o que a lei determina. Precisamos criar métodos de capacitação para que escolas e professores possam colocar em prática o ensino sobre as comunidades negras e povos originários”, afirma Jennifer Tauane de Souza, advogada e vice-presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) subsecção Ribeirão Preto. Ela alerta que, mesmo quando o conteúdo é ensinado, há resistência. “Muitas vezes, essa resistência vem não apenas de alunos e pais, mas até mesmo de parte do corpo docente”, observa.
A desigualdade racial no sistema educacional agrava essa situação. Marina Camargo, advogada, pesquisadora e diretora adjunta da OAB-Ribeirão Preto, cita dados alarmantes. “Em 2022, a taxa de analfabetismo entre pretos e pardos com 15 anos ou mais foi de 7,4%, segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]. Apesar de ser uma queda significativa, ainda é o dobro da taxa registrada entre brancos (3,4%)”, destaca Marina. Ela lembra que 70% dos jovens de 14 a 29 anos que estão fora da escola são negros, o que expõe a disparidade no acesso à educação.
A mudança desse cenário passa pela formação antirracista. “A educação tem um papel fundamental na reconstrução civilizatória da sociedade. É um dos principais instrumentos para enfrentar o racismo e promover a igualdade racial”, explica Marina. Ela também sublinha a importância de romper com a “Teoria da História Única”, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que critica uma visão limitada da história contada sob um único ponto de vista. “Educar de forma antirracista é uma maneira de nos afastarmos dessa visão unilateral”, argumenta.
NOVO ENSINO MÉDIO
A recente reforma do Ensino médio trouxe preocupações quanto à inclusão da diversidade étnico-racial no currículo. Com a flexibilização proporcionada pelos itinerários formativos, o espaço para temas obrigatórios, como a história afro-brasileira, foi reduzido. Jennifer considera isso um retrocesso. “A lei tem como essência educar para não discriminar. A importância desses estudos não se limita à população negra, mas a todos os brasileiros”, ressalta. Marina concorda e reforça que a Constituição Federal garante que esses conteúdos devam ser abordados. “A formação antirracista deve estar fundamentada na Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)”, defende Marina. Além disso, a advogada destaca que a legislação nacional, como o ECA, define como dever da sociedade assegurar o direito à educação com igualdade e respeito à diversidade étnico-racial.
INICIATIVA LOCAL
Em Ribeirão Preto, embora haja poucas iniciativas nesse campo, houve um avanço recente com a criação do 1º Centro de Referência em Educação para Relações Étnico-Raciais pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento e Promoção da Igualdade Racial (Comdepir). Para Jennifer, é uma iniciativa importante, mas ainda insuficiente. “Precisamos transformar a mentalidade da sociedade. Reformas são necessárias para fortalecer a formação em diversidade, promover a educação antirracista e implementar mecanismos de monitoramento”, reforça.