Número de autistas matriculados em escolas regulares aumenta 50% em um ano
Em 2022, existiam cerca de 400 mil autistas matriculados em escolas regulares; em 2023, esse número passa dos 600 mil
*Matéria publicada pelo Jornal da USP de Ribeirão Preto.
No Brasil, discute-se há tempos a educação de pessoas com deficiência. A primeira lei a tratar do tema foi a de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1961, que dizia que, quando possível, toda a educação de pessoas deficientes deveria ser realizada em escolas comuns. A partir de 1988, com a nova Constituição Federal, todas as leis voltadas à educação inclusiva falam sobre a presença de alunos com deficiência em escolas regulares. Em 2015, com a sanção do Estatuto da Pessoa com Deficiência, alunos deficientes ganharam ainda mais direitos, como, por exemplo, o direito a um projeto pedagógico que garanta atendimento educacional especializado.
A partir daí a educação inclusiva vem ganhando cada vez mais espaço em 2017, por exemplo, o número de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) matriculados em salas de aula comuns em escolas públicas e privadas não passavam de 100 mil, já em 2023 esse número chegou a 607 mil. Entre 2022 e 2023 o aumento foi de 50%, segundo dados do Censo da Educação Básica.
Para a psicóloga especialista em dificuldades de aprendizagem e professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, Luciana Carla dos Santos Elias, o diagnóstico do TEA, assim como para qualquer outro transtorno ou deficiência, é fundamental para o planejamento educacional e inclusão escolar. “O diagnóstico deve apontar não apenas as dificuldades, mas também os recursos apresentados pelo indivíduo, e, com base nessas informações, apontar quais modalidades de intervenção podem ser mais benéficas. Dessa forma, os jovens autistas, por exemplo, podem vivenciar experiências de desafio, mas também de sucesso, o que auxilia no bem-estar”.
Desafios
Apesar do crescimento no número de autistas matriculados em escolas regulares, a especialista afirma que ainda existem desafios. Para os pais, os desafios vão desde o preconceito de matricular uma criança com deficiência em escolas regulares, mesmo com leis e tratados que reforcem essa prática, até as expectativas criadas pelos pais para os filhos, que podem não ser atendidas pelas escolas não terem condições de oferecer o apoio necessário de forma eficiente. Já para os professores, os desafios são relacionados ao suporte oferecido pelas escolas dentro e fora das salas de aula. Esse suporte vai desde a presença de um professor auxiliar, até a possibilidade de realizar formações para desenvolver recursos utilizados em sala de aula.
Luciana diz que os professores “precisam de cuidado e ajuda para poder auxiliar os alunos, e muitas vezes eles são culpabilizados pelas dificuldades de aprendizagem, porque são eles que estão em sala de aula, mas todo o sistema é responsável e precisa investir em uma educação ética e de qualidade”. A psicóloga também afirma que “se os professores pudessem realizar formações proveitosas e prazerosas, tudo iria se encaixar e a prática docente seria efetiva”.
Outra forma de auxiliar no enfrentamento dos desafios, segundo a psicóloga, é com a aplicação correta da Lei 13.935/2019, que garante a prestação de serviços psicológicos e de assistência social nas redes públicas de educação básica.
Suporte familiar
Para Luciana, o suporte familiar é outro fator essencial, porque é a família quem sabe quais são os desafios enfrentados diariamente pelos jovens e quais são os recursos necessários para esses alunos, podendo auxiliar nas intervenções escolares, facilitando na criação do plano educacional. “Quanto maior a fluidez de comunicação entre a família e a escola, melhor para a elaboração do plano educacional. Muitas vezes é necessário mudanças para que os alunos sejam atendidos, e a família trazer informações claras sobre os jovens e as informações dos especialistas pelas quais eles passam é muito importante.”
Preconceito
Além dos desafios enfrentados pelos pais e professores, os alunos autistas também enfrentam outras dificuldades, como a resistência ou falta de compreensão de outros alunos e até mesmo da comunidade escolar como um todo. Segundo Luciana, a melhor forma para enfrentar esses desafios é resistir e desconstruir crenças. “A literatura mundial aponta que a inclusão promove ganhos no desenvolvimento desses alunos e também aos outros alunos, com destaque às questões humanas e éticas. Aprender a esperar meu colega de classe responder ou não gritar porque isso faz mal a ele é aprender a ter respeito, autocontrole, paciência, que são recursos que vou usar em outros lugares e momentos da minha vida. A educação é um direito de todos e as escolas devem ensinar o respeito e a ética da diversidade humana.”
Foto: Governo do Estado de São Paulo