O valor do conhecimento

O valor do conhecimento

Referência na área acadêmica, com destaque em pesquisas com foco em Biotecnologia, a Profa. Dra. Suzelei de Castro França acaba de assumir a reitoria da Unaerp

*Matéria publicada na edição 1097 da revista Revide.

A trajetória da Profa. Dra. Suzelei de Castro França mostra como a educação é sempre um agente transformador na vida das pessoas. A busca pelo conhecimento – potencializada pelo acesso à uma formação de qualidade – tem o poder de expandir os horizontes, Impõe grandes desafios, sem dúvidas, mas também leva a conquistas inimagináveis.

No caso da nossa entrevistada, especificamente, todo o aprendizado e a experiência adquiridos no decorrer de anos dedicados aos estudos e pesquisas científicas de reconhecimento internacional na área de Biotecnologia a conduziram à reitoria de uma das universidades de maior destaque em Ribeirão Preto, a Unaerp. Vale ressaltar que a história dela com a instituição vem de longa data. Já ocupou, inclusive, diversos cargos diferentes, tanto na área acadêmica, quanto na gestão. No novo posto há pouco mais de um mês, ela revela quais são suas principais expectativas e metas. Confira a seguir:

Como começou a sua relação com a Unaerp?

Não sou natural aqui de Ribeirão Preto. Nasci em Araçatuba, noroeste de São Paulo. Tendo terminado o Ensino Fundamental, éramos direcionados a seguir para a Escola Normal ou para o Curso Clássico/Científico. Eu, no entanto, pedi para os meus pais (Ruy França e Olga de Castro França) para cursar uma escola técnica de Química. Meu objetivo era obter uma formação técnica que me permitisse, desde cedo, exercer a profissão de químico na prática. Desde criança fui estimulada a lidar com poções mágicas e experimentos.

Cada vez fiquei mais encantada com esse universo relacionado à profissão do químico. Na busca por uma instituição educacional conceituada na área e situada no interior do Estado, meus pais concordaram e se empenharam para que eu estudasse na Associação de Ensino de Ribeirão Preto (AERP). Após ser aprovada no processo seletivo, iniciei o curso em uma classe de 103 alunos, composta por 100 rapazes e apenas três moças.

Considera que essa decisão, tomada quando ainda era tão jovem, foi positiva?

Muito positiva. Costumo dizer que a vida não comporta ensaios, escolhas, atos e consequências dão-se em tempo real. Quando optamos por um caminho, renunciamos outros diversos. Minha decisão de vir para Ribeirão Preto foi acertada. Não apenas no campo profissional, mas no pessoal também. Durante a realização do curso técnico, conheci e me apaixonei pelo Evandro Alberto de Oliveira Bonini, filho de um dos edificadores da Unaerp: Electro Bonini, a quem admirei a minha vida inteira. Ele foi um exemplo maravilhoso.

Casei com o Evandro em 1969. Juntos, tivemos três filhas: Vanessa, Simone e Katyana. Elas são meu maior orgulho. Elas se casaram e me deram os meus netos, minha maior preciosidade. Vanessa trabalha na Unaerp, tem capacitação realizada no exterior e é diretora de cooperação internacional da universidade. Katyana, doutora em tecnologia farmacêutica, coordena a Farmácia Universitária da instituição e os estágios dos alunos do curso de Farmácia da Unaerp. Simone foi a filha que nos deixou com 17 anos de idade. É meu anjo da guarda.

E o curso atendeu suas expectativas, de exercer a profissão, na prática, o quanto antes?

Com certeza. Durante o curso, tive a oportunidade de realizar estágios nos laboratórios clínicos do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e no laboratório de genética humana na Faculdade de Medicina (FMRP-USP). Fui aprendendo técnicas inovadoras, fui me interessando cada vez mais e descobrindo novas áreas e aplicabilidades científicas. Quem não conhece esse campo, não sabe o quão abrangente ele é. Essas experiências de iniciação científica, naturalmente, direcionaram minha opção pela graduação em Química na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. A maioria dos professores, naquela época, eram belgas.

Vieram para cá, justamente, para impulsionar a parte de pesquisa, que foi a área pela qual me apaixonei. Realizávamos abordagens de ponta e tive a oportunidade de exercer a criatividade, desenvolver novos experimentos, contribuir para o conhecimento de alguma problemática, de algum fenômeno bioquímico e buscar soluções para as necessidades do mercado, dando um retorno à sociedade. Esse foi o ponto essencial para as decisões futuras na minha carreira profissional.

Após concluir a graduação, iniciei um projeto de pesquisa nos laboratórios de Química de Produtos Naturais da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, sob supervisão do Prof. Dr. José Norberto Callegari Lopes com quem também iniciei, à época, minha carreira docente na Faculdade de Química da AERP, mantenedora da Unaerp. Confesso que, instantaneamente, gostei bastante dessa tarefa de propagar o conhecimento que eu vinha adquirindo. Além disso, desde 1970, sou sócia da AERP. Com tantos motivos especiais, não teve como ser diferente. Finquei meus pés aqui na Unaerp e não sai mais.
 
Mesmo com tantas demandas, fez questão de investir na progressão do nível de sua carreira acadêmica, certo?

Sim. Candidatei ao curso de Mestrado na Faculdade de Medicina da USP na área de Bioquímica e fui aprovada com o aceite do Prof. Dr. José Roberto Giglio em ser meu orientador. Este grande mestre e cientista foi de fato quem norteou minhas primeiras produções intelectuais e me induziu a prosseguir na carreira científica. Com confiança no trabalho que vinha sendo desenvolvido, me candidatei a um treinamento técnico em biotecnologia na Inglaterra com bolsa de estudo concedida pelo British Council.

A biotecnologia é uma área atrativa, promissora e extremamente estratégica para o desenvolvimento do nosso país. Fui para ficar um ano. Durante a realização deste treinamento, surgiu o convite do Prof. Dr. Barry Charlwood para a realização do curso de doutorado em Biotecnologia no King’s College da University of London, na Inglaterra. Fiquei mais quatro anos. Foi um período de ouro na minha vida. A vivência com outras culturas promove um enriquecimento interior fantástico. A minha perspectiva de mundo mudou. Ter essa internacionalização no meu currículo abriu muitas portas. Por isso, investir nesse setor de cooperação internacional da universidade é uma das nossas prioridades. Tenho uma crença absoluta, de que é por esse caminho de globalização que vamos evoluir cada vez mais.

Nesse período, manteve o vínculo com a Unaerp?

Em nenhum momento me desvinculei daqui. Tudo o que eu tinha estruturado na Unaerp estava à minha espera. A Universidade acreditou que eu pudesse me capacitar e trazer para cá todo esse conhecimento para ser disseminado para os alunos. Após a conclusão do PHD, iniciei, com o apoio incondicional da AERP, a estruturação da Unidade de Biotecnologia da Unaerp. Desde então, liderei equipes vinculadas à Unidade de Biotecnologia, constituídas por profissionais titulados em áreas distintas da ciência, atuando de forma complementar e multidisciplinar, imprimindo o caráter biotecnológico inerente aos projetos e pesquisas com foco em duas grandes áreas: Biotecnologia aplicada à Saúde, e Agroindústria e Meio Ambiente.

Tive o privilégio de liderar uma equipe que foi escolhida para participar do primeiro projeto de identificação de genoma de um patógeno de citrus, que é tão importante para a nossa região. Isso não ficou só na pesquisa, que foi publicada na revista Nature, mas também gerou prêmios e medalhas de mérito que valorizaram a carreira desses profissionais e a universidade e o mais importante, claro, foi a contribuição oferecida à Agroindústria. Mais recentemente, quando se instalou a pandemia da Covid-19, nós tínhamos nos laboratórios todos os equipamentos necessários para fazermos o teste PCR, que poucos institutos tinham. Colocamos então nossa infraestrutura física e de equipamentos a serviço de todos os hospitais de Ribeirão Preto e região. Trabalhamos incansavelmente fazendo diagnósticos.

A nova reitora compartilha algumas das metas para a universidade

Como foi aceitar esse desafio de assumir a reitoria?

Nessas décadas que estive trabalhando na Unaerp, sempre tive uma confiança irrestrita na competência e nos princípios que nortearam os gestores maiores da universidade. Não passou pela minha cabeça, em nenhum momento, ocupar o cargo de reitora. Sentia que a minha contribuição na esfera em que eu estava atuando, coordenando a Unidade de Biotecnologia, coordenando programas de pós-graduação, contribuindo para a internacionalização, era importante para a evolução da instituição.

Minhas metas como pesquisadora foram sendo alcançadas. Com uma produção intelectual relevante e contínua, cheguei no ápice, reforçando que meu crescimento é fruto do trabalho de toda a equipe, pois juntos vamos mais longe. Portanto, tenho um currículo expressivo e adquiri uma boa experiência na área de gerenciamento, que me permite tomar decisões com um raciocínio bastante sensato, avaliando consequências favoráveis e desfavoráveis dos nossos atos. Quando foi instalado esse processo de oxigenação na universidade para a eleição de um novo reitor, por conta da manifestação categórica da ex-reitora no sentido de que ela havia cumprido o seu papel, fui uma das convidadas. Percebi que poderia contribuir e aceitei participar do criterioso processo de seleção. Para a minha surpresa, meu nome foi o indicado, por unanimidade, pela diretoria. Ao aceitar, pensei que temos aqui competências instaladas que vão me ajudar a exercer esse cargo da melhor maneira possível. Sei que posso contar com esse apoio.

Quais são as suas expectativas e metas?

Antes de mais nada, devemos prosseguir com uma diretriz no sentido de que a universidade esteja sempre aberta para receber a diversidade de alunos. Abrigar a multiplicidade de saberes. Queremos ser cada vez mais inclusivos. Tornar viável o acesso à universidade. Interagir cada vez mais com a sociedade para poder atinar com as demandas que essa sociedade exige da universidade. Assim, vamos exercer nosso papel com maior relevância. 


Fotos: Luan Porto

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